Quando a ciência ganha voz

A informação está disponível a um clique, a qualquer instante, em qualquer tela. Um fenômeno tão fascinante quanto inquietante. O dilema é claro: como lidar com o volume de dados e, principalmente, como se proteger da desinformação — um risco real e crescente?

Por Chris Bueno

Quando o tema é ciência, o problema ganha contornos ainda mais delicados. Durante a pandemia de covid-19, as fake news agravaram a crise sanitária global, dificultando políticas de prevenção e gerando confusão sobre vacinas e tratamentos. Os efeitos persistem até hoje, com o avanço de campanhas antivacinas que contribuíram para a queda da cobertura vacinal e para o retorno de doenças como o sarampo.

Nesse cenário, a divulgação científica torna-se uma ferramenta essencial. Em uma sociedade em rede, na qual a informação circula em múltiplos espaços — digitais ou presenciais — o papel da mídia na democratização da ciência é decisivo. Como observa Graça Caldas (2011), a mídia é um agente fundamental na construção de uma cidadania ativa, capaz de transformar informação em consciência e consciência em ação. Tornar o mundo científico compreensível é, portanto, uma forma de ajudar as pessoas a encontrarem sentido no que veem e ouvem, promovendo uma cidadania crítica e participativa.

Luisa Massarani e Ildeu Moreira (2016) lembram que, ao longo da história, a esperança de democratizar o conhecimento acompanhou o surgimento de cada novo meio de comunicação. O rádio, a televisão e, mais recentemente, a Internet foram vistos como pontes possíveis entre o saber científico e a sociedade. No entanto, a forma como a ciência é retratada nesses espaços nem sempre favorece uma compreensão profunda dos processos científicos.

É justamente aí que os veículos especializados em comunicação científica assumem um papel central. Mais do que noticiar descobertas, eles praticam a divulgação científica — um campo que, segundo Bueno (2010), se distingue da comunicação científica tradicional. Enquanto esta visa à troca de informações entre pares — pesquisadores e instituições — a divulgação científica tem como missão democratizar o conhecimento e promover a alfabetização científica. Ela aproxima o público da ciência, convida à participação e estimula o debate sobre temas que impactam diretamente a vida das pessoas. O desafio, como sintetiza Graça Caldas (2011), é promover uma divulgação científica contextualizada, analítica e crítica — uma ciência comunicada não apenas para ser compreendida, mas para ser vivida, debatida e compartilhada.

Desafios em rede

Mais da metade dos brasileiros (60,3%) declara ter interesse ou muito interesse por temas de ciência e tecnologia (C&T), segundo a pesquisa Percepção pública da C&T no Brasil 2023, divulgada pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) e pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

O dado revela um terreno fértil para o avanço da divulgação científica. No entanto, também expõe um paradoxo: apesar do interesse, cientistas e comunicadores ainda enfrentam dificuldades para dialogar com públicos diversos e tornar compreensíveis os avanços que surgem diariamente em diferentes áreas do conhecimento.

Esse é um dos grandes desafios dos veículos de divulgação científica: a formação de divulgadores especializados. No Brasil, ainda são poucos os profissionais com formação específica e dedicação exclusiva à divulgação da ciência. São raros também os cursos de formação nessa área — Unicamp, UFMG e Fiocruz estão entre as poucas instituições que oferecem especialização no tema. Embora jornalistas e pesquisadores se esforcem — com mérito — para aproximar a ciência da sociedade, a falta de uma formação estruturada compromete, em parte, a qualidade e a consistência dessa comunicação.

Outro desafio central é o enfrentamento à desinformação. Os veículos especializados em divulgação científica devem se colocar na linha de frente contra o fluxo de informações falsas. Sua missão vai além de informar: é também oferecer segurança informacional em meio ao excesso de conteúdos incorretos ou enganosos que circulam diariamente.

O desafio cresce quando se observa que quase 40% dos brasileiros buscam informações sobre ciência, tecnologia, saúde e meio ambiente nas redes sociais, aplicativos de mensagens e plataformas digitais, segundo a mesma pesquisa. Instagram, Facebook, YouTube e WhatsApp estão entre os principais canais de consumo. O dado reforça o papel das mídias digitais como espaços de disputa simbólica e informacional — ambientes onde a divulgação científica precisa marcar presença ativa e consistente.

Assim, os veículos especializados enfrentam a tarefa de disputar espaço e atenção em meio a múltiplas vozes, sem abrir mão de seus princípios fundamentais: ouvir, investigar, contextualizar e manter o compromisso público com a verdade. Mais do que porta-vozes da comunidade científica, devem ser pontes entre a ciência e a sociedade.

Quando a ciência ganha voz

O papel dos veículos de divulgação científica é tornar o conhecimento acessível. Transformar a linguagem técnica da ciência em termos compreensíveis ao público mais amplo é, antes de tudo, um ato de democratização do saber. Ao aproximar ciência e sociedade, esses veículos ampliam o debate público, ajudam os cidadãos a compreender questões que impactam o cotidiano e fortalecem a participação social nas tomadas de decisão.

Nos últimos anos, a cobertura de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) na mídia brasileira cresceu, impulsionada por temas de grande repercussão — como mudanças climáticas, pandemia de covid-19, desmatamento da Amazônia, exploração espacial e inteligência artificial. Contudo, maior presença não significa, necessariamente, melhor qualidade. Como observa Wilson Bueno (2018), ainda predominam a imprecisão das informações, o sensacionalismo e a ausência de debate sobre causas e consequências dos fenômenos noticiados — sejam climáticos, sanitários ou tecnológicos. Em paralelo, cresce uma onda anticiência, marcada pelo negacionismo e pela desconfiança no conhecimento científico.

A Internet, por outro lado, abriu espaço para novas vozes — da ciência cidadã aos saberes tradicionais. Como afirmam Germana Barata e colaboradores (2018), a rede ampliou o debate científico para milhares de novas vozes, reconhecendo o valor do diálogo e da diversidade de perspectivas. Blogs, sites, podcasts e perfis nas redes sociais se tornaram espaços férteis de divulgação científica, multiplicando formatos e linguagens.

A digitalização fortalece um dos principais objetivos da divulgação científica: tornar a ciência acessível e relevante. Explicar conceitos complexos de forma didática, usar exemplos e recursos multimídia são estratégias que aproximam o público não especializado e despertam sua curiosidade. Mais do que informar, esses conteúdos promovem diálogo e reflexão sobre temas essenciais como saúde, meio ambiente e tecnologia. Entre os exemplos mais relevantes do país estão Ciência Hoje, o Museu da Ciência da Fiocruz, os canais da Embrapa, da SBPC e da Fapesp, a Scientific American Brasil, a Revista Pesquisa Fapesp e a Ciência & Cultura. Todos ampliaram significativamente sua presença digital.

Essas inovações reforçam um compromisso comum entre os veículos especializados: buscar novas vozes, linguagens e caminhos para que a ciência chegue a todos. Em meio a tantos canais e discursos, o grande desafio é — e talvez sempre será — encontrar a voz que realmente chega ao público.

O público como ponto de partida

Na divulgação científica, o público é o centro. O jornalismo científico atua como ponte entre a produção do conhecimento e sua apropriação social. A comunicação da ciência deve ser um diálogo, e não um monólogo. Não basta apenas falar — é preciso ouvir. Ouvir as dúvidas, curiosidades, inquietações e experiências das pessoas, reconhecendo também seus saberes e modos de ver o mundo. Quando apenas um lado fala e o outro é silenciado, a comunicação se rompe — e a confiança se perde.

Em um país desigual como o Brasil, é essencial que as ações de comunicação científica considerem as juventudes e as populações periféricas, integrando-as à cultura científica e permitindo que se reconheçam como parte ativa na construção do conhecimento. Ampliar o alcance da divulgação científica implica diversificar linguagens, explorar novos formatos e multiplicar canais de acesso. É nessa pluralidade — de vozes, meios e olhares — que a ciência encontra caminhos para alcançar todos.

Promover uma melhor compreensão pública da ciência é reconhecer que a comunicação científica é parte do processo político, histórico e cultural de uma sociedade. Nesse processo, os veículos de divulgação científica cumprem uma função estratégica: informar com precisão, promover o debate público e aproximar as pessoas do conhecimento. Como lembra Graça Caldas (2011), trata-se de uma prática que ultrapassa a simples transmissão de dados — é também um exercício de cidadania.

Chris Bueno é jornalista, escritora, divulgadora de ciências formada pelo Labjor, editora-executiva da revista Ciência & Cultura, e mãe apaixonada por escrever (especialmente sobre ciência).

Referências

Barata, G.; Caldas, G.; Gascoigne, T. “Brazilian science communication research: national and international contributions”. Anais da Academia Brasileira de Ciências, v. 90, n. 2, 2018.
Bueno, W. C. “Comunicação científica e divulgação científica: aproximações e rupturas conceituais”. Informação & Informação, v. 15, n. 1 (esp.), 2010.
Caldas, G. “Mídia e políticas públicas para a comunicação da ciência”. In: Porto, C. M.; Brotas, A. M. P.; Bortoliero, S. T. (orgs.). Diálogos entre ciência e divulgação científica: leituras contemporâneas. Salvador: EDUFBA, 2011.
Massarani, L.; Moreira, I. C. “Science communication in Brazil: a historical review and considerations about the current situation”. Anais da Academia Brasileira de Ciências, v. 88, n. 3, 2016.