Um breve panorama do tempo na física

Por Leonardo Sioufi Fagundes dos Santos

O tempo é um dos conceitos fundamentais da física. É mais fácil e didático falar de algumas características do tempo sem defini-lo. Como o tema é muito vasto, este texto abordará apenas dois aspectos do tempo na física: a dilatação do tempo e sua relação com a entropia. 

A dilatação do tempo e a velocidade

A mecânica clássica é o estudo do movimento criado pelo físico inglês Isaac Newton (1643-1727) e inspirado nas pesquisas do italiano Galileu Galilei (1564-1642), do alemão Johannes Kepler (1571-1630) e do francês René Descartes (1596-1650), entre outros. De acordo com a mecânica clássica, o tempo flui uniformemente em todo o universo e é independente do observador. Em linguagem moderna, o tempo da mecânica clássica é absoluto. Por exemplo, se uma viagem de avião demorou 12 horas para um observador no solo, para os passageiros o voo durou o mesmo tempo.

No final do século XIX a física atravessou uma crise. As equações de movimento da mecânica clássica não combinavam com as previsões do eletromagnetismo. A esperança para resolver os problemas da física era um experimento para a detecção do éter, um fluído que serviria de meio para as ondas eletromagnéticas. O famoso experimento de Michelson-Morley (1887) e outras experiências repetidas até a atualidade não detectaram o éter. O físico holandês Hendrik Antoon Lorentz (1853-1928), o alemão Albert Einstein (1879-1955) e o matemático francês Jules Henri Poincaré (1854-1912) resolveram o problema alterando as equações de movimento da física clássica sem nenhuma mudança no eletromagnetismo. Desse contexto surgiu a teoria da relatividade restrita em 1905. Einstein concluiu que o tempo não fluía igualmente em todo o espaço e que ele dependia do observador. O tempo é relativo.

De acordo com a teoria da relatividade restrita, o tempo flui mais lentamente com o aumento da velocidade. Esse fenômeno é denominado “dilatação do tempo”. Por exemplo, um corpo com 87% da velocidade da luz, algo em torno de 260.819.438 m/s, dobra seu fluxo temporal. Assim, se uma reação química em um laboratório em repouso demora 30s, o mesmo processo a 260.819.438 m/s levaria o dobro do tempo, 60s. É importante frisar que no laboratório a reação química ocorre em repouso, logo ela continua durando 30s nesse referencial. É somente para aqueles que veem o laboratório em movimento que o tempo se dilata. Um exemplo muito citado de dilatação do tempo é o decaimento do múon. O múon é uma partícula criada a partir de choques entre outras partículas de alta energia. Se o múon está em repouso, ele se transforma em outras partículas em 2,2 milionésimos de segundos. Quando o múon atravessa a atmosfera terrestre ele atinge a velocidade de 299.732.500 m/s, o que é 99,98% da velocidade da luz. Nessa alta velocidade, a transformação do múon demora 50 vezes mais do que no repouso, ou seja, a partícula sobrevive mais de 2,2×50=110 milionésimos de segundo. Analogamente à reação química, quem estivesse junto ao múon veria o decaimento ocorrer em 2,2 milionésimos de segundos.

Para a velocidade da luz, 299.792.458 m/s, os cálculos de dilatação do tempo levam a uma divisão por zero, o que os matemáticos chamam de indeterminação. No entanto, a mesma teoria da relatividade restrita prevê que partículas dotadas de massa não podem atingir a velocidade da luz. A única partícula observada até hoje (2018) sem massa é o fóton, a partícula que constitui a própria luz. Talvez existam outras partículas sem massa, como o gráviton, mas elas ainda não foram observadas. Isso significa que os corpos materiais não podem alcançar a velocidade da luz.

À medida que a velocidade se aproxima de 100% da velocidade da luz, a dilatação temporal tende ao infinito. Por exemplo, para a velocidade de 99,99% da luz, o tempo se dilata em 70,71 vezes. Um pequeno aumento para 99,999% da velocidade da luz e o fator de dilatação do tempo sobre para 223,61.

Em velocidades muito menores do que a luz, o tempo praticamente não se dilata. A mecânica clássica continua sendo usada no cotidiano porque a dilatação do tempo é irrelevante nas velocidades atingidas pelos corpos da superfície terrestre. Por exemplo, um avião comercial atinge cerca de 900 km/h, o equivalente a 250 m/s. O tempo dilatado é aproximadamente 1,000000000000348 vezes o correspondente ao repouso. Assim, se a duração de um voo foi de 12 horas para os passageiros, os relógios terrestres registraram 12,000000000004172 horas. A diferença de tempo foi aproximadamente 15 bilionésimos de segundo.

Dilatação do tempo e gravitação

Em 1915, Albert Einstein elaborou a teoria da relatividade geral através de ferramentas matemáticas desenvolvidas pelo matemático italiano Tullio Levi-Civita (1873-1941). De acordo com a teoria da relatividade geral, as massas dos corpos geram os campos gravitacionais.   Quanto maior a massa, maior o campo gravitacional. Quanto maior o campo gravitacional, maior a dilatação do tempo. Então, quanto maior a massa, maior a dilatação do tempo.

A massa do Sol, da Terra e dos planetas do sistema solar em geral não são suficientes para uma dilatação temporal relevante. No entanto, com a tecnologia atual, é possível medir a dilatação do tempo devida ao campo gravitacional terrestre.

Há objetos no universo com massa bem superior ao Sol que geram uma dilatação temporal muito maior. Por exemplo, as novas, as supernovas, as estrelas de nêutrons e os buracos negros causam uma dilatação temporal relevante. No entanto, os cálculos dessa dilatação de tempo são bem mais complicados do que aqueles associados à teoria da relatividade restrita.

Termodinâmica

No final do século XIX, físicos como o francês Nicolas Leonard Sadi Carnot (1796-1832), o alemão Rudolph Claussius, o irlandês William Thompson (1824-1907), mais conhecido como Lord Kelvin, o austríaco Ludwig Eduard Boltzmann (1844-1900) e o norte-americano Josiah Willard Gibbs (1839-1903) estudaram os processos de transporte e transformações da energia. Era o início da termodinâmica. As duas principais quantidades estudadas pela termodinâmica são a energia e a entropia e há duas leis correspondentes.

A primeira lei da termodinâmica é a conservação da energia, ou seja, a energia não pode ser criada e nem destruída, apenas transformada. Com a teoria da relatividade, a própria massa passou a ser considerada uma forma de energia. Assim, partículas podem ser criadas e destruídas desde que uma quantidade de energia compense essas criações e destruições. A criação e destruição do múon é um exemplo de situação onde a massa de uma partícula deve ser vista como uma forma de energia.

Entropia é uma medida de quanto as partes de um sistema são iguais. Por exemplo, se um sistema é formado por dois corpos com a mesma temperatura, a entropia é máxima. Se as temperaturas dos corpos são diferentes, a entropia é menor do que na situação anterior. Quanto maior a diferença de temperatura, menor é a entropia. Outro exemplo interessante é a entropia de um sistema formado por dois chumaços de algodão, um seco e outro úmido. Quanto maior a diferença de umidade entre os chumaços, menor é a entropia. Dois chumaços de algodão com a mesma umidade teriam uma entropia mais alta.

De acordo com a segunda lei da termodinâmica, a entropia em um sistema isolado nunca diminui. Em outras palavras, a entropia aumenta ou permanece constante. Por exemplo, se um corpo quente é colocado em contato com outro frio, a situação é de baixa entropia, as partes do sistema estão muito diferentes. Com o passar do tempo, o corpo quente esfria e o frio se aquece. Se o contato entre os corpos persistir, ambos atingirão a mesma temperatura e a entropia terá crescido. Outro exemplo é o contato entre o chumaço de algodão úmido com o seco. A entropia irá aumentar até que ambos os algodões tenham a mesma umidade.

Quando um corpo acumula energia térmica, ele se aquece. O corpo aquecido perderá energia térmica ao entrar em contato com um objeto frio. Assim, a energia acumulada se espalha. Mesmo que o corpo quente não esteja em contato com um frio, ele irradiará ondas eletromagnéticas, perdendo energia. A tendência do espalhamento energético devido à segunda lei da termodinâmica é chamada por alguns autores de “degradação da energia”.

A segunda lei da termodinâmica é formulada para sistemas fechados. Um sistema aberto pode diminuir sua entropia. Por exemplo, dois corpos respectivamente quente e frio podem ser separados. Se o corpo quente é colocado em água fervente e o frio em uma geladeira, a diferença de temperatura pode aumentar, diminuindo a entropia. Mas neste caso o sistema não é fechado porque há trocas de energia com a geladeira e o fogão.

O universo contém todas as coisas, logo, não há nada fora do universo e ele é um sistema fechado. Então a entropia do universo nunca diminui. Se em alguma parte do universo a entropia diminui, necessariamente ela aumenta em outra parte, impedindo uma queda total da entropia do universo.

Na primeira lei da termodinâmica não há distinção entre o passado e o futuro. A quantidade de energia no passado e no futuro é a mesma. No entanto, a segunda lei da termodinâmica distingue os dois tempos porque no futuro a entropia nunca é menor do que no passado. É a termodinâmica que determina a flecha do tempo do passado para o futuro.

A origem do tempo

A cosmologia é o estudo da origem e evolução do universo e envolve a astronomia, a teoria da relatividade, a mecânica quântica e a termodinâmica.

De acordo com as observações atuais, o universo está se expandindo. Logo, no passado o universo era mais compacto e os campos gravitacionais mais intensos. A ideia mais aceita nas últimas décadas é a teoria do big bang, criada pelo físico e padre belga Georges Lemetre (1894-1966). De acordo com essa teoria, o universo começou com toda matéria e energia do atual universo concentrada em um único ponto. O tempo não poderia fluir nessas condições iniciais por causa da intensidade do campo gravitacional. O big bang não seria apenas a origem do universo, mas o começo do próprio tempo. Não há um instante anterior ao big bang porque não há tempo antes dele.

Considerações finais e especulações

De tudo o que foi escrito neste texto, o essencial é que a relatividade descreve a relatividade do fluxo do tempo e a termodinâmica associa a passagem do passado para o futuro com a entropia.

Como foi escrito no início, este texto é um minúsculo panorama de como a física aborda o tempo. Propositalmente, não abordamos temas muito complicados que exigiriam uma discussão mais profunda. Por exemplo, não foi descrita a estrutura do espaço-tempo, nem a relatividade da simultaneidade, nem questões sobre causalidade, nem o paradoxo dos gêmeos, nem o princípio da incerteza energia-tempo da mecânica quântica e nem uma série de outros temas temporais importantíssimos.

Se o leitor se interessou pelo tema, a internet está cheia de materiais, com vários níveis de profundidade na abordagem da questão do tempo. A única advertência ao estudante é que as especulações não podem ser confundidas com os resultados comprovados por uma série de experiências. A viagem no tempo, no sentido de desaparecer de uma época e reaparecer em outra, seja no passado ou no futuro, é uma especulação. Os universos paralelos com suas setas do tempo ramificadas também são hipotéticos. Cabe ao leitor gastar tempo para saber o que os físicos realmente sabem sobre o tempo.

Leonardo Sioufi Fagundes dos Santos é professor de física da Unifesp, criador do blog Quente e Calculista e coordenador do portal Píon da Sociedade Brasileira de Física.