Barra de navegação do site

Página inicial Carta ao Leitor Reportagens Notícias Entrevistas Resenhas Radar da Ciência Links Opinião Observatório da Imprensa Busca Cadastro Reportagens

Rio e Bahia são únicos no ensino público confessional, mas educadores criticam

A formação do homem brasileiro sob a ótica da diversidade das manifestações culturais, entre elas a religiosa, foi contemplada pelo antropólogo e então senador Darcy Ribeiro, quando propôs os estudos das manifestações religiosas na Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), em seu artigo 33. Mas a concepção original idealizada pelo antropólogo e presente no momento da aprovação da Lei n° 9.394, em 20 de dezembro de 1996, perdeu lugar pelas pressões de interesses diversos, quando foi apresentada ao Congresso Nacional pelo então senador Nelson Marchezan, relatada pelo deputado Padre Roque e aprovada a redação modificada do referido artigo 33, pela Lei n° 9.475, de 22 de julho de 1997, abrindo brechas para conflitos tanto religiosos quanto políticos. A diversidade, que deveria ser fator favorável, tornou-se motivo de celeuma, especialmente nas esferas estaduais, uma vez que o artigo 33 da LDB diz que cabe aos estados decidir como gerir a forma e o conteúdo da matéria.

A lei estabelece que as religiões sejam tratadas em caráter fenomenológico e antropológico, e não de forma confessional. Mas o governo do estado do Rio de Janeiro, por exemplo, optou pelo caráter confessional do ensino religioso nas escolas públicas, ignorando o conselho estadual de ensino, representado pela sociedade civil e profissionais da educação e optando por discutir o assunto com políticos, na Assembléia Legislativa. O resultado disso foi a decisão da Secretaria de Educação de que o criacionismo passará a ser discutido em sala de aula a partir do segundo semestre deste ano. Os 1,7 milhão de alunos dos 92 municípios serão divididos por credo durante a disciplina religiosa, a ser abordada, separadamente, por doutrinas como a católica, a evangélica, a espírita, a umbandista, a messiânica e outras que se manifestarem dentro da comunidade.

O veto da governadora Rosinha Garotinho à lei aprovada pela Assembléia Legislativa em 2003 e que gerou uma grande polêmica é, portanto, legal. No entanto, para a maioria dos educadores, a medida do governo fluminense contraria o texto da LDB segundo a qual a instrução religiosa é de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, contanto que seja assegurado o respeito à diversidade cultural e religiosa, vedadas quaisquer formas de doutrinação. Ou seja, para eles, dividir alunos de acordo com suas escolhas religiosas (ou a dos pais) implicaria em ceder espaço ao proselitismo dentro de cada grupo separado.

Mas essa não é a única implicação da decisão do governo do Rio, na opinião do pedagogo Sérgio Junqueira, coordenador do Fórum Permanente do Ensino Religioso e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Ele critica a opção pelo ensino confessional por entender que a medida chega a se opor ao direito constitucional de todo cidadão brasileiro de crer e, inclusive, de não crer, sem ser discriminado. "Acredito que seja possível conviver com as diferenças". Dividir as crianças dentro da sala de aula pelo critério da religião estaria ensinando a não aceitar diferenças, na opinião do professor.

O Fórum Permanente do Ensino Religioso, presidido por Junqueira, propôs ao Ministério da Educação, a criação de um Parâmetro Curricular Nacional (PCN) para o Ensino Religioso, da mesma forma que as outras disciplinas também têm seus PCNs. O grupo trabalhou sob a ótica da diversidade e na perspectiva das várias leituras de transcendência. Como a matriz de cada religião tem seu vocabulário próprio para se referir ao que entende por Deus, por exemplo, o grupo adotou que deveria se referir à figura ou à idéia central de cada religião como "o que transcende" ou aquilo (aquele) que transcende o ser humano. Uma das leis de auxílio foi o artigo 26 da LDB que fala do pluralismo étnico do país.

O PCN do ensino religioso proposto pelo Fórum foi elaborado a partir de cinco pilares: ritos, etos, teologias, textos sagrados (escritos e orais), e culturas e tradições. O evolucionismo estaria incluído nesse programa como parte da história. "Deve-se lembrar que os primeiros cientistas eram religiosos. É preciso ensinar que as comunidades sofreram processos de reorganização social e tanto a ciência quanto a religião passaram a ter suas próprias concepções. Como a escola é espaço de conhecimento, deve-se mostrar as concepções indígenas, afros, judaico-cristãs e todos os seus aspectos místicos e míticos", defende.

Dentro dessa vertente, o ensino religioso deveria conter cinco componentes curriculares: dominar linguagens, compreender os fenômenos, enfrentar situações, construir argumentações e elaborar propostas. Os PCNs são válidos para todo ensino praticado no Brasil, em escolas públicas ou privadas. Eles orientam o ensino em áreas como matemática, saúde, ética, geografia, língua portuguesa, entre outras disciplinas. O que o Forum propõe é que sejam criados também para o ensino religioso, que sirvam como orientação curricular. Segundo levantamento do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão ligado ao MEC, entre as 35.053 escolas privadas da educação básica (da creche ao ensino médio) no Brasil, 408 declararam ser confessionais no censo escolar de 2003. O número é reduzido, mas não significa que as escolas não-confessionais não tenham a disciplina. A diferença é que, normalmente, nessas escolas, elas são facultativas, como na rede estadual, enquanto nas escolas confessionais o ensino religioso é obrigatório e isso está claro para as famílias quando os alunos são matriculados.

De acordo com a LDB, a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios devem organizar, em regime de colaboração, os respectivos sistemas de ensino no atendimento prioritário à escolaridade fundamental, que é obrigatória. Entende-se, então, que a União deve coordenar a política nacional de educação, sem muita participação no conteúdo, especialmente naquele que não é obrigatório, como o ensino religioso. Isso permitiu a adoção do caráter interconfessional nas aulas de religião no ensino público da Bahia. De acordo com a Constituição do estado, de 1989, capítulo 12 da Educação (Art. 254): "O ensino religioso de caráter interconfessional, partindo da realidade cultural e religiosa do estado, constituirá matéria obrigatória, nos horários normais de todos os estabelecimentos de ensino respeitando a confissão religiosa dos pais dos alunos ou destes, após os dezoito anos, sendo a matrícula facultativa". Assim como no Rio de Janeiro, os alunos serão divididos por credo durante a disciplina religiosa, que terá doutrinas como a católica, a evangélica, a espírita, a umbandista, o candomblé, a messiânica e outras. Isso vai depender da manifestação da comunidade. Ou seja, é livre, se os pais optarem por outro credo, a entidade organizada daquela religião deve se apresentar com seu conteúdo.

Religiões afro

Em relação às religiões afro, nenhuma estado as adotou no ensino confessional até o momento. O estado de Santa Catarina foi um dos primeiros do país a incluir no currículo escolar o conteúdo afro-brasileiro nas aulas de história, contemplando inclusive a religiosidade, mas sem ser ensino religioso disciplinar confessional ou não-confessional. Para Cristiana Tramonte, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o movimento negro tem muita força no estado, certamente devido à situação de polarização no conflito étnico, uma vez que há grande concentração de imigrantes europeus na região. Ela acredita que o respeito à diversidade cultural na educação é a meta, mas que ainda há um longo caminho a seguir no Brasil, principalmente no que tange às religiões afro-brasileiras. "A população negra permanece excluída dos benefícios da sociedade. E as religiões afro-brasileiras são cercadas de estereótipos preconceituosos", diz a pesquisadora que desenvolveu seu doutorado sobre a Trajetória, práticas e concepções das religiões afro-brasileiras na Grande Florianópolis.

Já no estado de São Paulo, o ensino religioso é não-confessional. Isso quer dizer que o conteúdo da disciplina é tratado como fenômeno, onde aborda-se a história, os valores e a ética. Paralelamente, fora do horário escolar, o espaço público da escola pode ser usado para todos os credos, contanto que o professor seja voluntário, não pago pelo estado. A legislação que determina essa política passou pelo Conselho Estadual de Ensino em 2002, ano em que foi definido o ensino religioso confessional no estado. Na época, movimentos religiosos chegaram a criticar a participação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) na elaboração da legislação junto ao governador Geraldo Alckmin, bem como manifestaram repúdio à menção a Deus na Constituição e nas cédulas de real, o uso de bíblias em sessões do legislativo e os crucifixos em repartições públicas.

Para o professor de filosofia do estado do Rio de Janeiro Vanderlei de Barros Rosas, a lei que rege a questão do ensino religioso no país é ampla e ambígua, além de mal compreendida e impraticável. "Não acredito que haja um modelo possível para o ensino religioso nas escolas que contemple todas as religiões, pois a multiplicidade sincrética religiosa brasileira é muito vasta", diz Rosas, que também é pastor batista, evangélico, como a governadora. Rosas acredita que o ensino religioso deve ser exercido na família e pelo indivíduo ao atingir a maturidade, e que o ensino confessional é um retrocesso histórico. "O Estado é laico e assim precisa permanecer", acrescenta.

(AM)

Anterior Proxima

Atualizado em 10/07/2004

http://www.comciencia.br
contato@comciencia.br

© 2003
SBPC/Labjor
Brasil