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 Tenotã 
  – mõ. Alertas sobre os conflitos sociais e prejuízos ambientais dos projetos 
  de hidrelétricas no rio Xingu, Pará, Brasil 
A. Oswaldo Sevá Filho 
O que quer dizer Tenotã-mõ? 
  E o que isso tem a ver com o problema das hidrelétricas? 
Retrospectiva necessária: Em fevereiro de 
  1989, o maranhense José Antonio Muniz Lopes, diretor da Eletronorte, 
  compôs a mesa dos trabalhos no Encontro dos Povos Indígenas, realizado 
  no ginásio coberto de Altamira, cidade paraense que fica perto do cruzamento 
  da rodovia Transamazônica com o rio Xingu. Índias e índios 
  de várias etnias vieram se manifestar bem em frente aos palestrantes, 
  alguns falando em sua língua ao microfone e sendo traduzidos. A jovem 
  mãe Tu Ira chegou gritando em língua kaiapó, gesticulando 
  forte com o seu terçado (tipo de facão com lâmina bem larga, 
  muito usado na mata e na roça). Colou na mesa, mirou o engenheiro Muniz, 
  seu rosto redondo de maçãs salientes, traços de algum antepassado 
  indígena, e com a lâmina do terçado, pressionou uma e outra 
  bochecha do homem, para espanto geral. Um gesto inaugurador... Situação 
  que merece uma palavra-chave, usada na língua dos índios Araweté 
  da Terra Ipixuna, no médio Xingu, recolhida pelo antropólogo Eduardo 
  Viveiros de Castro :• 
“Tenotã mõ significa “o que 
  segue à frente, o que começa”. 
Essa palavra designa o termo inicial de uma série: o primogênito 
  de um grupo de irmãos, o pai em relação ao filho, o homem 
  que encabeça uma fila indiana na mata, a família que primeiro 
  sai da aldeia para uma excursão na estação chuvosa. O líder 
  araweté é assim o que começa, não o que comanda; 
  é o que segue na frente, não o que fica no meio.  
Toda e qualquer empresa coletiva supõe um Tenotã mõ. 
  Nada começa se não houver alguém em particular que comece. 
  Mas entre o começar do Tenotã mõ, já em si algo 
  relutante, e o prosseguir dos demais, sempre é posto um intervalo, vago 
  mas essencial: a ação inauguradora é respondida como se 
  fosse um pólo de contágio, não uma autorização”(pág.67) 
Tenotã-mõ 
  é também o título provável do livro a ser publicado 
  em 2005, sob a coordenação deste autor e do jornalista americano-brasileiro 
  Glenn Switkes, responsável no Brasil pela organização International 
  Rivers Network (IRN). Esta “ONG” com sede em Berkeley, no estado 
  da Califórnia, EUA, atua há quase vinte anos ajudando as lutas 
  e as reivindicações das populações atingidas e das 
  ameaçadas pelas conseqüências das obras de hidrelétricas 
  e suas represas em vários países; publica dossiês e estudos 
  sobre as obras de barragens, os projetos de canais, represas e de transposições 
  de vazões entre bacias, e sobre as relações entre tais 
  obras e os consumidores eletro intensivos de energia, e as diretrizes dos bancos 
  multilaterais e das corporações multinacionais.  
   
    Fotos: Oswaldo Sevá  | 
   
  
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    |   Vista panorâmica de Altamira  | 
   
 
Seguem-se os assuntos dos capítulos 
  e notas técnicas do livro :  
O prefácio foi especialmente escrito por 
  nosso homenageado, o bispo católico dom Erwin Krautler, há trinta 
  anos responsável pela Prelazia de Altamira. O Encontro dos Povos Indígenas 
  só aconteceu em 1989 porque foi cedida a chácara Betânia, 
  propriedade da Prelazia para hospedar durante vários dias, as centenas 
  de famílias indígenas, a maioria vinda de longe. O bispo havia 
  também conseguido uma parte dos recursos para publicar – antes 
  do Encontro – o primeiro livro sobre o problema dos índios com 
  os projetos de hidrelétricas . Em sua mensagem de abertura, o bispo reconta 
  a história desde trinta e tantos anos antes, em seu primeiro encontro 
  com a Amazônia, o rio Xingu, Altamira, a rodovia Transamazônica, 
  o Projeto de Integração Nacional da época dos generais 
  ditadores e com o destino inseguro dos nativos: 
   
     
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    |   Família Xipaia: Dna Miriam, Sr. Miguelzinho, 
        filhas e neta em Volta Grande do Xingu  | 
   
 
“A Rodovia Transamazônica foi inaugurada 
  em setembro de 1972. Já em 1975, a Eletronorte contratou a firma CNEC 
  (Consórcio Nacional de Engenheiros Consultores) para pesquisar os locais 
  de futuras hidrelétricas, e em 1979 o CNEC terminou os estudos, prevendo 
  a construção de cinco usinas no Xingu e uma no rio Iriri, escolhendo 
  inclusive os nomes para as mesmas, todos eles indígenas: Kararaô, 
  Babaquara, Ipixuna, Kokraimoro, Jarina e Iriri. Por que nomes indígenas, 
  já que a existência dos povos indígenas deve ser ignorada? 
  Os Juruna, Xipaia-Curuaia, Kayapó, Arara, Assurini, Araweté e 
  Parakanã não contam. Sem dúvida se achará uma “solução“ 
  para eles, mesmo que esta se transforme em “solução final“, 
  a famigerada “Endlösung“ que o nazismo encontrou para os judeus. 
  Os nomes indígenas para as hidrelétricas projetadas seriam assim 
  um “in memoriam“ para estes povos que, junto com as famílias 
  de seringueiros, pescadores e ribeirinhos, teriam que ceder suas terras ancestrais 
  para o progresso e desenvolvimento da região”.  
   
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    |    A Bacia fluvial do Xingu com a localização 
        das Terras Indigenas, áreas desmatadas , estradas de penetração e as represas 
        das usinas hidrelétricas projetada  | 
   
 
Lembra-se o prefaciador do livro como o Encontro 
  dos Povos Indígenas em Altamira e toda a repercussão obtida pareciam 
  ter sepultado os projetos de barrar o rio Xingu. Mas... 
  “A alegria durou pouco. No fim da década de 1990 o projeto 
  ressurgiu, se bem que sob outro nome e com roupagem nova. A Eletronorte e demais 
  órgãos governamentais aprenderam dos “erros“ da década 
  anterior e trocaram o modo de agir: um grupo de especialistas (acadêmicos) 
  fora contratado para analisar as forças políticas na região. 
  Foram feitas pesquisas sobre os nossos movimentos sociais, as ONGs, os sindicatos, 
  os povos indígenas, tudo no intuito de mapear possíveis focos 
  de resistência ao projeto agora denominado de UHE Belomonte. O nome “Kararaô”, 
  o grito de guerra, foi substituído pelo bucólico “Belomonte” 
  para que o povo do Xingu não lembrasse mais o facão da Tuíra 
  e os rostos pintados de urucum dos Kayapó contrários à 
  hidrelétrica”. 
A estratégia mudou por completo. Nossas 
  lideranças foram continuamente convidadas para reuniões com grupos 
  de técnicos das empresas do governo que, é óbvio, usaram 
  de todos os meios para mostrar o lado positivo do empreendimento. Outro alvo 
  foram os jovens. Patrocinando festas e promovendo excursões à 
  região da UHE Tucuruí procurava-se conquistá-los para idéia 
  de que a hidrelétrica será um bem enorme para a região. 
  Com volumosos presentes o governo aliciou descaradamente as comunidades indígenas. 
  De antemão evitavam-se reuniões com grandes grupos para impedir 
  que a sociedade se organizasse e discutisse abertamente os prós e contras 
  do projeto. Políticos estaduais e municipais de pouca cultura e muita 
  fanfarrice encheram a boca proclamando a UHE Belomonte como a salvação 
  do oeste do Pará e pregando que o Brasil necessita deste impulso energético 
  para evitar o colapso de sua economia”. 
O cenário é o vale do Rio Xingu: muitas 
  terras de sua bacia fluvial vão sendo ocupadas de modo conflitivo, e 
  a isto se somariam as conseqüências das seis grandes obras projetadas 
  pela Eletronorte. Todas atingiriam terras indígenas, desde o extremo 
  norte de MT (Parque Indígena do Xingu e Terra Capoto Jarina) até 
  na Volta Grande do Xingu (terra paquiçamba e vários grupos desaldeados). 
  Seja por causa do alagamento permanente, com represas que teriam dezenas de 
  metros de altura, seja por causa da proximidade ou do cruzamento com a abertura 
  de estradas de serviço e com a passagem das faixas de linhas de transmissão 
  previstas – o fato é que pelos menos 18 mil km2 (1,8 milhão 
  de hectares) de terras ribeirinhas seriam capturadas pelas obras. Nesse capitulo 
  inicial, os sujeitos são os “Povos indígenas, beiradeiros, 
  cidades no vale do Xingu, e a sua batalha contra os projetos de barrar o seu 
  rio”.(Oswaldo Sevá). Em seguida, dona Antonia Melo, da Fundação 
  Viver Produzir Preservar e do MDTX escreveu sobre “O assédio da 
  Eletronorte sobre o povo e as entidades na região de Altamira”, 
  e o Sr. Tarcisio Feitosa da Silva, atualmente coordenando a Comissão 
  Pastoral da Terra, registrou os conflitos e contrapôs as distintas visões 
  e alternativas que têm os grupos sociais locais para “A Terra do 
  Meio e os projetos de hidrelétricas no Xingu”. 
   
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     A primeira foto mostra o cenário da Volta 
        Grande do Xingu e a segunda, como ficaria caso a hidrelétrica de Belo 
        Monte fosse construída   | 
   
  
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Dois capítulos abordam os aspectos administrativos, jurídicos 
  e filosóficos das tentativas de implantação dos projetos 
  e destacam a interrupção judicial do licenciamento ambiental do 
  projeto Belo Monte, entre os anos de 2001 e 2002: 
  - “Projetos de Hidrelétricas no Xingu, marcos jurídicos 
  e questões graves” , escrito pelo advogado Raul Silva Telles 
  do Valle, do Instituto Socioambiental em Brasília, DF; e  
  - “Xingu, Barragens e Nações Indígenas – 
  a propósito do licenciamento e dos direitos inalienáveis”, 
  elaborado pelo Procurador Federal em Belém, Felício Pontes Jr 
  e pela professora Jane Felipe Beltrão, então coordenadora da pós-graduação 
  em antropologia, da Universidade Federal do Pará. Analisaram fatos e 
  documentos de um período histórico particularmente tenso no Pará 
  e na região: no segundo semestre de 2000, a Eletronorte firmou convênio 
  de quase 4 milhões de reais com a Fadesp, fundação ligada 
  à UFPA, através da qual foram contratados pesquisadores para a 
  elaboração de partes do Estudo de Impacto Ambiental. As condições 
  desse convênio foram objeto de um relato surpreendente das condições 
  em que trabalharam os pesquisadores contratados .  
  Tais condições de elaboração do EIA, mais a tentativa 
  da Eletronorte em obter a licença ambiental apenas no âmbito paraense, 
  da Secretaria Estadual de Tecnologia e Meio Ambiente, despertaram dúvidas 
  no Ministério Público e motivaram a abertura de uma ação 
  civil pública. A decisão judicial, uma liminar embargando o EIA, 
  suspendendo o processo de licenciamento, foi tomada pelo juiz Rubens Rollo de 
  Oliveira, da Justiça Federal em Belém, em maio de 2001.  
No mês de agosto, um evento traumático para o movimento popular 
  e para as entidades regionais que reagrupam assentados, pequenos fazendeiros, 
  comunidades rurais: o assassinato de seu líder Ademir Federicci, o Dema. 
  Mesmo que tenha sido por encomenda de madeireiros por ele denunciados – 
  e não por encomenda do “lobby” barrageiro –, o fato 
  conhecido é que o Dema criticava os projetos de barragens e incluía 
  esse ponto na sua luta política, em seus discursos.  
Em novembro de 2001, foi confirmada a decisão pelo Tribunal Regional 
  Federal da 1ª Região, em Brasília, e quase um ano depois, 
  em 2002, a mesma liminar foi mantida na ultima instância pelo ministro 
  Marco Aurélio Mello, no Supremo Tribunal Federal. Era a segunda derrota 
  do projeto Belo Monte, num intervalo de quatorze anos desde o primeiro anúncio. 
Na seqüência do livro, outros estudiosos procuram desvendar as possíveis 
  destinações futuras de tal eletricidade – que podem também 
  exigir altos investimentos em transmissão dessa energia. Para resumir: 
  ao custo de hoje, se fossem instalar mais de 22 mil megawatts em seis grandes 
  obras no rio Xingu, trecho paraense, e em seu afluente Iriri, isto custaria 
  pelo menos 22 bilhões de dólares, algo como 60 bilhões 
  de reais a serem gastos lá e no mundo todo durante uns dez anos. Uma 
  única eletrovia (linhas de transmissão em voltagem extra-alta) 
  com capacidade de transmitir uma décima parte dessa eletricidade até, 
  digamos, na altura de Goiânia, custaria mais de um bilhão de dólares. 
 
No capítulo escrito pelo jornalista paraense 
  Lúcio Flavio Pinto: “Grandezas e misérias da energia 
  e da mineração no Pará”, vai-se demarcando cada 
  uma das grandes “jogadas regionais” – os investimentos e esquemas 
  de influência armados em Carajás, Alumar, Tucurui, Albrás 
  e Alunorte, no Jari, na Mineração Rio do Norte – com a obscuridade 
  das contas e dos contratos, com os prejuízos já sofridos por nós 
  todos e com a destruição que vai sendo deixada no rastro... Além 
  de Lúcio Flávio Pinto, outros autores do livro, paraenses e “de 
  fora” estão escaldados pelo acúmulo de problemas e pelas 
  pendências crescentes em Tucuruí – a primeira mega-usina 
  na Amazônia, feita a toque de caixa sob a pressão dos investidores 
  japoneses e dos bancos europeus, entre 1977 e 1984.  
Pode-se afirmar que o objetivo de Tucuruí 
  e o de Belo Monte são o mesmo: a inserção dos “recursos” 
  brasileiros em uma economia globalizada dos materiais energético-intensivos, 
  principalmente o ferro e aço, o silício, o alumínio, o 
  cobre, o níquel e as várias ligas entre eles, cuja fabricação 
  a partir dos minérios exige muito combustível e muita eletricidade. 
  Mesmo assim, a dúvida científica nos obriga também a avaliar 
  esse investimento anunciado, em relação ao funcionamento do atual 
  e previsto sistema de eletricidade na região e no país. A pergunta 
  pode ser: até onde faria sentido abastecer o Centro Oeste e o Sudeste 
  com eletricidade transmitida de 3 mil km de distância? Para que se possa 
  responder, temos que saber, comparativamente a outras rotas de suprimento, e 
  a outros modos de planejar, quais seriam as demandas futuras, as soluções 
  possíveis, as vantagens, as alternativas... Foi com esta disposição 
  que o engenheiro e advogado André Saraiva de Paula, pesquisador do Centro 
  de Pesquisas da Eletrobras, RJ, escreveu seu capítulo “Uma 
  análise do projeto Belo Monte e de sua rede de transmissão associada, 
  frente às políticas energéticas do Brasil”. 
  Movidos pela mesma linha de investigação, organizamos, junto com 
  esse engenheiro eletricista e seu colega Rubens Milagre Araújo, (que 
  percorreu as subestações elétricas de Imperatriz, Marabá, 
  Tucuruí e o centro de operações da Eletronorte em Belém), 
  uma nota técnica sistematizando de modo pormenorizado os dados dos anos 
  2002 e 2003 sobre a “Eletricidade gerada em Tucuruí, para onde? 
  para quê?” 
Na seqüência, com o auxílio de 
  dois pesquisadores da Faculdade de Engenharia Elétrica da Unicamp organizei 
  uma nota técnica com os “Dados de vazão do rio Xingu durante 
  o período 1931-1999 e as estimativas da potência, sob a hipótese 
  do aproveitamento hidrelétrico integral inventariado”. Para exemplificar 
  a situação: se naquele período histórico existisse 
  somente a usina Belo Monte ao longo do rio Xingu, a potência mínima 
  assegurada para injetar na rede regional teria sido de 1.356 Megawatts. A capacidade 
  instalada seria de 11.182 MW !! 
   
     
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    |   Cachoeira Jericoá, em Volta Grande do Xingu 
        Altamira  | 
   
 
Mas, o Xingu é rio que seca rápido e que pode permanecer muito 
  tempo bem baixo, quatro meses, digamos. Os valores de vazão d’água 
  medidos lá na cidade de Altamira, Pará, começam na faixa 
  de 450 a 500 mil litros por segundo, que são as médias mensais 
  dos piores anos, em setembro e outubro; em geral as médias mensais do 
  “verão”, na Amazônia vai de julho/agosto a outubro/novembro, 
  ficam abaixo de 1 milhão de litros por segundo. Compare-se isto à 
  capacidade de engolimento de uma das 20 turbinas previstas: 700 mil litros por 
  segundo, com potência de 550 megawatts. Em nossa ficção 
  histórica, registram-se alguns meses, entre 1991 e 1996, em que nenhuma 
  turbina operou com carga plena, e também alguns meses em que apenas uma 
  ou duas das dez máquinas turbinaram. Nos meses das chuvas mais intensas, 
  de fevereiro a abril, o rio pode ultrapassar 25 milhões de litros por 
  segundo; e houve alguns picos de cheia com mais de 30 milhões de l/s. 
  Compare-se com a máxima vazão que poderia ser engolida pelas turbinas: 
  14 milhões de litros/ segundo. Assim, houve meses em que um trecho de 
  mais de 100 km do rio Xingu, abaixo da barragem até a devolução 
  da água turbinada em Belo Monte, ficou com menos da metade de sua vazão 
  natural...E, na hipótese a mais radical de todas – a de que o Xingu 
  já estivesse desde 1931 barrado em cinco pontos (Belo Monte, Babaquara, 
  Ipixuna, Kokraimoro, Jarina) e se o rio Iriri estivesse barrado na Cachoeira 
  Seca, o conjunto de represas teria regularizado ainda mais o fluxo do rio e 
  assegurado uma potência de 12.800 MW, para uma capacidade nominal de 22.400 
  MW. 
Decisões de tal porte têm razões 
  mais profundas, e os discursos estão recheados de ideologias a respeito 
  da ciência e da tecnologia, do domínio do homem sobre a natureza, 
  e de argumentos escondidos, pressupostos sobre o progresso, o aproveitamento 
  dos nossos recursos, e principalmente sobre o inexorável crescimento 
  da demanda de eletricidade...etc, etc,... que foram tratados no capítulo: 
  “Especialistas e militantes: um estudo a respeito da gênese 
  do pensamento energético no atual governo”, escrito pela engenheira 
  e também antropóloga Diana Antonaz, da UFPA, Belém, que 
  entrevistou longamente alguns dos personagens representativos da intelectualidade 
  dos setores elétrico e petrolífero no início do governo 
  Lula-Alencar. 
A avaliação prévia dos prejuízos que a natureza 
  e o rio Xingu sofreriam, foi feita nos capítulos preparados especialmente 
  por Robert Goodland, ex-consultor do Banco Mundial e um dos primeiros “avaliadores 
  de impactos de hidrelétricas” que por aqui trabalharam, com o seu 
   “Brazil’s hostoric evolution of environmental and social impact 
  assessment: suggestions for the Belo Monte hydroproject”, e pelo ecólogo 
  Phillip Fearnside, do INPA, Manaus. No seu capítulo: “Hidrelétricas 
  planejadas no rio Xingu como fontes de gases do efeito estufa: Belo Monte (Kararaô) 
  e Babaquara (Altamira)”, Fearnside demonstra, ao contrário 
  do que pretende a ciência dominante e do que repetem com insistência 
  os barrageiros, que a hidreletricidade é sim poluente, as represas emitem 
  gases carbônicos e hidrocarbonetos, que agravam o efeito estufa com a 
  mesma ordem de grandeza que as usinas hidrelétricas queimando combustíveis. 
As dificuldades são crescentes para o povo 
  da região e especialmente os ribeirinhos e os indígenas: eles 
  continuam ameaçados de serem desalojados, de ter o seu rio modificado, 
  vai se tentando confundi-los com manobras verbais, jargões técnicos, 
  campanhas de propaganda. Neste contexto, outros estudiosos foram convocados 
  para analisar a situação; o capítulo “Política 
  e Sociedade na construção de efeitos das grandes barragens: o 
  caso Tucuruí” é assinado pela professora Sonia Barbosa 
  Magalhães, ex-pesquisadora do Museu Emilio Goeldi e colaboradora do Departamento 
  de Antropologia da UFPA. Esse histórico de Tucuruí, dos seus aspectos 
  social e ambiental, dá uma boa idéia do que significaria um novo 
  surto de obras por ali, quanto mais se os problemas pendentes são de 
  responsabilidade dos mesmos patrocinadores dos projetos no Xingu: a Eletronorte, 
  a Camargo Corrêa, as indústrias eletro-intensivas. 
O capítulo “Índios e Barragens: 
  a complexidade étnica e territorial na Região do Médio 
  Xingu” foi assinado pelo antropólogo Antonio Carlos Magalhães, 
  ex-pesquisador do Museu Emilio Goeldi e consultor do Governo do Pará. 
  O geógrafo paraense, então completando seu doutorado na USP, assina 
  o capítulo “Dias de incertezas: O povo de Altamira diante do 
  engodo do projeto hidrelétrico Belo Monte”. No final do livro, 
  é formulada uma espécie de teoria geral dos problemas da hidreletricidade 
  com o capítulo: “Conhecimento crítico das mega-hidrelétricas: 
  para avaliar de outro modo alterações naturais, transformações 
  sociais e a destruição dos monumentos fluviais”, (Oswaldo 
  Sevá) e com o informe do dirigente da IRN, Patrick Mc Cully, sobre as 
  lutas dos atingidos em vários países contra a chamada “dam 
  industry”, ou, a “indústria barrageira”.  
Na essência, no vale do Xingu prossegue uma guerra de desiguais: aventureiros 
  e empresas, livres para agir, acobertados em seus desmandos, muito bem representados 
  na máquina pública em todas esferas e instâncias de poder,...enquanto 
  o povo e os índios só contam praticamente com eles mesmos, uns 
  poucos abnegados que os ajudam, e partes da máquina pública, raras, 
  que conseguem cumprir sua função.  
  O que de fato temos pela frente, são projetos sociais, econômicos, 
  que competem ou até conflitam entre si; visões e propostas de 
  distintos grupos de interesse e de distintas classes sociais para o mesmo espaço 
  territorial. São demandas de utilizações distintas para 
  os mesmos bens coletivos – ou um grande rio não é um bem 
  coletivo? Sob a ditadura e diante do poderio dos cartéis internacionais, 
  não pudemos evitar que na Amazônia paraense fosse instalado um 
  reduto da indústria eletro-intensiva mundial. Que possamos então 
  limitar esse avanço e, no futuro, revertê-lo!  
A. Oswaldo Sevá Filho é engenheiro mecânico de produção, 
  doutor em ciências humanas e professor do Departamento de Energia da Faculdade 
  de Engenharia Mecânica da Unicamp. 
Outras informações: www.fem.unicamp.br/~seva; 
  www.socioambiental.org.  
Notas:  
  CASTRO, E. V. de “Araweté é o povo do Ipixuna” 
  CEDI - Centro Ecumênico de Documentação e Informação 
  (ISA), S.P.,1992 
(v publicação periódica “World Rivers Review” 
  (ISSN no. 0890 6211) e o site www.irn.org) 
Este livro coletivo é o produto deliberado de um Painel de especialistas 
  e de entidades sobre os projetos hidrelétricos no rio Xingu, Pará, 
  formado desde o final de 2002 por iniciativa conjunta do I.R.N. - International 
  Rivers Network, San Francisco, CA e das entidades de Altamira, Pará, 
  agrupadas no MDTX – Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica 
  e do Xingu, e teve apoios específicos das entidades Instituto SocioAmbiental, 
  SP e BSB; FASE, RJ (Programa Brasil Sustentável e Democrático), 
  e Comissão Pró-Indio de São Paulo. 
SANTOS e ANDRADE, orgs: “As hidrelétricas do Xingu e os povos 
  indígenas”, Comissão Pro Índio de S.P. 1988. Três 
  dentre os mais de vários autores daquele livro colaboram, dezesseis anos 
  depois, nesse segundo livro: Sônia Magalhães, Antonio Carlos Magalhães, 
  antropólogos trabalhando em Belém, PA e Oswaldo Sevá. 
 Foi publicado artigo no exterior, em um periódico especializado, do 
  qual há um excerto na íntegra nesse livro. Ref: FORLINE, Louis 
  e ASSIS, Eneida “Dams and social movements in Brazil: quiet victories 
  on the Xingu”in Practicing Anthropology, vol. 26 no. 3 Summer 2004 pp 
  21-25. 
 Metodologia: Na simulação 
  usou-se o modelo Hydrolab (Cicogna e Soares Fo., 2003, FEEC, Unicamp) que foi 
  alimentado pela base de dados do SIPOT - Sistema de Informações 
  do Potencial Hidrelétrico, da Eletrobras, com os valores numéricos 
  da vazão d’ água do rio Xingu, mensurados em Altamira - 
  ou extrapolados a partir dos dados do rio tocantins - desde o ano de 1931 até 
  o ano de 1996. Destacamos o subperíodo de 1949 a 1956, por ser considerado 
  o de melhor pluviosidade, do ponto de vista da geração hidrelétrica 
  nos rios brasileiros do hemisfério Sul. Não se trata portanto 
  de afirmar nada com relação ao quanto tais usinas poderiam, no 
  futuro, acionar, da sua potência instalada; e sim, trata-se de imaginar, 
  como elas teriam funcionado no passado, se tais usinas existissem nesses pontos 
  desses rios que apresentaram essas vazões.  
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