Soluções para divulgação da ciência no Brasil passam por mudanças estruturais

Viviane Celente e Virginia Vilhena 

Reflexo do nível educacional no país, situado entre os oito com pior desempenho no Índice do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), a divulgação científica brasileira não ocupa o destaque que merece. É o que afirmam divulgadores científicos de diferentes áreas e regiões do Brasil. Uma soma de fatores contribui para o atual cenário, como questões culturais, políticas e midiáticas. Porém, existem projetos e iniciativas para que esse panorama seja revertido.

Cercada de livros de jornalismo, ciência, análise do discurso e comunicação organizacional em seu escritório pessoal, na cidade de Campinas-SP, Maria das Graças Conde Caldas lamenta a falta de visão dos editores dos jornais. Jornalista com mais de 40 anos de experiência e pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp, Graça, como é conhecida, analisa a falta de compreensão dos proprietários da mídia sobre o papel da ciência na sociedade, que contribui para a situação desprivilegiada do assunto na imprensa nacional.

Mapa do PISA 2015, com os resultados da avaliação internacional que mede o nível educacional de jovens de 15 anos em 30 países, apresentados de forma visual | Fonte: Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD)

Essa perspectiva do papel da ciência para o desenvolvimento científico, tecnológico, econômico e social, que parece ser ignorada pelos donos das empresas de comunicação, também falta ao governo, à opinião pública e à sociedade como um todo. Segundo Graça, houve uma evolução significativa da divulgação científica desde a década de 1970, quando já atuava na área. “Durante muito tempo a ciência jamais seria manchete de primeira página. Hoje isso ocorre, apesar de não com a frequência como deveria”, analisa.

Para a pesquisadora, o desafio do jornalismo científico passa, necessariamente, pela educação e, desta forma, pelo ensino de ciências nas escolas. “Nós comunicadores temos um papel muito importante junto aos professores, propiciando um ensino transversal, integrando todas as disciplinas”, comenta. Além da escola e das universidades, existem outras alternativas para o acesso à ciência, como museus, exposições culturais, e iniciativas que poderiam ser promovidas pelo poder público, tais como transporte gratuito para essas atividades.

A divulgação da ciência na imprensa também tem o papel de estimular a curiosidade científica. Na visão do físico paraense Luís Carlos Bassalo Crispino, devido ao baixíssimo índice de alfabetização científica e literária, parte da população não está preparada para consumir notícias sobre pesquisas científicas. Um dos fundadores do Laboratório de Demonstrações e Física para a Escola (Labdemon) da Universidade Federal do Pará (UFPA), Crispino iniciou bem cedo sua carreira como professor e divulgador de ciência e, hoje, além de pesquisador da UFPA, se dedica a ações educativas e de difusão da ciência na Amazônia brasileira. O físico afirma que, apesar da possibilidade de conseguir espaço nos veículos de comunicação de Belém-PA, não é o suficiente.

Outra alternativa para incentivar o interesse por temas científicos é a utilização da internet. O Laboratório de Demonstrações da UFPA expõe em um canal no YouTube os trabalhos realizados com a população local, através de vídeos curtos, de um a cinco minutos. O exemplo que Crispino mais gosta de citar dentre as ações registradas e publicadas no canal é o “Science in the boat”. “Nós levamos os experimentos em um barco e saímos pelas ilhas próximas a Belém. Aportávamos, as crianças subiam e faziam as experiências. Foi uma coisa maravilhosa!”, explica, emocionado.

Com a internet, em meados da década de 1990, e posterior popularização de ferramentas como blogs e canais no YouTube, surgiram os divulgadores independentes de ciência, que encontraram nessa plataforma novas ferramentas para exporem seus trabalhos. O geofísico e autor do canal sobre astronomia SpaceToday no YouTube, com mais de 200 mil inscritos, Sérgio Sacani Sancevero, iniciou sua atuação como divulgador independente de ciência em 2009, após ter se deparado e se indignado com diversos erros na divulgação científica por parte da grande mídia. Ainda que o alcance não se compare com o da grande imprensa nacional, “é uma luta realmente diária que temos”, confessa.

A complexidade das pesquisas, a falta de interesse ou dificuldade que os cientistas encontram, muitas vezes, em explicar seus estudos numa linguagem de fácil entendimento para o público mais amplo, a ausência de uma assessoria capacitada para mediar as relações com os profissionais da imprensa e até o próprio despreparo dos jornalistas são algumas das questões que podem suscitar o erro na divulgação científica. O sistema acadêmico vigente, em que o pesquisador precisa publicar diversos artigos ao longo do ano e lecionar em universidades, desestimula os cientistas a se dedicarem à divulgação. “Aí começamos a ouvir absurdos [notícias científicas com erros] e chega uma hora que os pesquisadores começam a se preocupar”, comenta Sancevero.

Graça Caldas defende, ainda, a existência de uma disciplina de divulgação científica em todos os cursos de graduação, lecionada por um jornalista (ou divulgador da ciência) e um pesquisador, como forma de expor aos cientistas a importância da divulgação de seus estudos. A jornalista ressalta também a importância do papel da assessoria de imprensa em municiar os jornalistas com o chamado press kit, na linguagem jornalística, um material com as informações curtas e em uma linguagem acessível junto com o artigo da pesquisa.

Apesar da importância da assessoria de comunicação em realizar a ponte entre os cientistas e a imprensa, a experiência nem sempre tem o êxito esperado. De acordo com a professora e pesquisadora em jornalismo científico e ambiental da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) Greicy Mara França, esse trabalho depende do apoio da instituição.

Numa análise sobre o relacionamento entre jornalistas e pesquisadores, Greicy salienta que dados da literatura evidenciam uma divergência entre as duas classes. Ela divide os cientistas em três categorias: os que julgam estar num patamar superior e, por isso, “não querem conversa com jornalistas”; os que já tiveram problemas com a distorção do que disseram, e não falam mais; e, ainda, aqueles que agradecem porque sempre tiveram a aspiração de divulgar seu trabalho, mas não sabiam como fazê-lo. E as instituições de pesquisa têm o dever de divulgar a ciência. “Esse é um direito da população que é quem financia o trabalho dos pesquisadores. Nós devemos à sociedade um retorno sobre os projetos de pesquisa que ela financia”, destaca.

Assim como outras pessoas espalhadas pelo Brasil que se lançaram na divulgação independente de ciência,  Sancevero chega do trabalho ao fim do dia e se dedica à produção de conteúdo astronômico. O canal do divulgador é um dos 29 membros do Science Vlogs Brasil, um projeto que reúne os canais de produção científica independentes no país, fornecendo um selo de qualidade aos participantes. O objetivo, segundo o geofísico, é fortalecer essas iniciativas e, aos poucos, inserir o interesse e conhecimento científico na cultura do país.

Essa é uma das soluções a curto prazo elencadas por Sancevero, que defende a proposta de “adotar” um divulgador científico. “Temos [os divulgadores independentes de ciência] dificuldade de crescer, por isso a minha ideia é que se cada um ‘adotar’ um divulgador de ciência, ou seja, compartilhar e recomendar o conteúdo produzido, a rede de pessoas que nos acompanham vai aumentando, assim como nosso alcance”, explica.

Com vídeos de 10 a 20 minutos, podendo, em alguns casos, alcançar durações superiores a uma hora, o divulgador, que também cursou disciplinas de astronomia e divulgação científica na graduação, acredita que a ciência exige o aprofundamento, o que, em geral, não é possível ser feito no YouTube. “O problema do vídeo é a superficialidade. Não posso fazer vídeos de duas horas, porque não terá visualização”, comenta. Parte da solução, segundo ele, é que as fontes que embasam as informações dos vídeos, como artigos científicos, sejam disponibilizadas pelo produtor de conteúdo. No entanto, é necessário que as pessoas tenham a iniciativa de fazer uma leitura ampla sobre o assunto.

O aprofundamento, proporcionado por espaços de debate, nas universidades, na internet, e matérias jornalísticas críticas, bem elaboradas, é o que fará com que a ciência seja compreendida pela população brasileira, segundo Graça Caldas. “Para formar uma opinião, não basta estar informada, é necessário entender o que a informação significa, os riscos e benefícios da ciência. Isso seria a tal cultura científica”, esclarece. Conforme salienta, o jornalista precisa possuir uma visão cética do conhecimento, por mais que não domine o assunto, e buscar informações diferentes com outras fontes. “Não temos que estender o tapete vermelho para os cientistas, como sempre diz Bruno Latour [antropólogo, sociólogo e filósofo francês]. O jornalismo de controvérsia é fundamental”.

Para Luís Crispino, que participou do comitê assessor do CNPq na área de divulgação científica e analisou vários projetos, há profissionais de divulgação científica de altíssima qualidade no país. No entanto, iniciativas em massa precisam ser realizadas pelo poder público e privado, não apenas na região sudeste. “Pense em termos do Brasil, fora do eixo Rio-SP: Mato Grosso, Piauí, Acre, Roraima. Imagine em termos de Amazônia. Esses divulgadores precisam se multiplicar, a gente precisa de um exército”.  Crispino vai além, e indaga especificamente sobre as populações indígenas brasileiras. “Como fazer a abordagem da divulgação científica para esse tipo de comunidade? É um grande desafio”, observa.

Viviane Celente é jornalista (PUC) e aluna da especialização em jornalismo científico pelo Labjor/Unicamp.

Virginia Vilhena é bacharel em ciências biológicas (UFMG), mestre em parasitologia pela mesma instituição, professora de ensino superior e aluna da especialização em jornalismo científico pelo Labjor/Unicamp.