Necessidades específicas e história evolutiva influenciam nos grupos de moléculas presentes em cada tipo de veneno, sejam de serpentes, aracnídeos ou abelhas.
Por Mayra Trinca
Acidentes com escorpiões, aranhas, serpentes ou mesmo abelhas podem levar a resultados fatais sem o tratamento adequado. Esses animais produzem e são capazes de inocular toxinas com o potencial de atingir diversos sistemas do corpo, como músculos e neurônios. A toxicidade depende de uma série de fatores.
Segundo Flavia Oliveira, enfermeira do Centro de Informação e Assistência Toxicológica de Campinas (CIATox), não há acidente mais grave entre um animal peçonhento e outro. “Todos têm relevância médica”, explica.
Na região do Estado de São Paulo, os animais peçonhentos considerados de importância médica são os escorpiões amarelo (Tytus serrulatus) e preto (Tytus bahiensis); as aranhas marrom (Loxosceles sp.) e armadeira (Phoneutria sp.); e as serpentes jararacas (Bothrops sp.), cascavéis (Crotalus sp.) e corais-verdadeiras (Micrurus sp.).

Animais peçonhentos são aqueles que produzem toxinas e possuem alguma estrutura cuja função é injetar essa substância no corpo das presas, como os dentes das serpentes ou o ferrão dos escorpiões. Além dos grupos citados acima, vespas, abelhas e lacraias também são exemplos de animais peçonhentos.
Serpentes
A ação de cada tipo de veneno depende da biologia do animal. “O veneno existe para alimentação, captura de presas, então o tipo varia de acordo com o tamanho da serpente e a presa com a qual ela se alimenta”, explica Ana Maria Moura da Silva, pesquisadora do laboratório de Imunopatologia do Instituto Butantan. Serpentes, por exemplo, buscam pássaros, pequenos mamíferos e outros répteis, como lagartos ou mesmo outras cobras.
Há também a influência do parentesco evolutivo, como explica a pesquisadora. Cascavéis e jararacas, que são do grupo das viperídeas, têm venenos mais parecidos entre si do que com a coral-verdadeira, que pertence a outro grupo. Como as diferenças na composição levam a sintomas distintos, em muitos casos é possível identificar o grupo do animal envolvido no acidente ainda que o paciente não consiga levar imagens ou o próprio animal ao pronto atendimento.

O que determina a ação de cada veneno é o conjunto de moléculas, especialmente proteínas, que o compõe. No caso das corais verdadeiras, o principal grupo de ação é formado por toxinas de três dedos – o nome vem da estrutura molecular da proteína, com prolongamentos que se assemelham a dedos. Segundo Silva, essas toxinas são neurotóxicas e agem na conexão entre neurônios e músculos, paralisando as presas. No caso de picadas em seres humanos, podem atacar diversos músculos, mas a pesquisadora destaca a ação no diafragma, podendo ocasionar uma parada respiratória.
Já cascavéis e jararacas têm proteínas com ação proteolítica, que atacam tecidos como músculos e sangue, causando lesões e sangramento. Entretanto, Silva ressalva que há um outro conjunto de moléculas no veneno das cascavéis, chamadas fosfolipases, que também possuem ação neurológica – mas com mecanismo de ação diferente das corais. Por isso, podem causar flacidez muscular, especialmente na face.
Aranhas e escorpiões
Aranhas e escorpiões, além de serem grupos bastante distantes das serpentes, também se alimentam predominantemente de outros invertebrados, como insetos. Por isso, os venenos produzidos possuem ações distintas daqueles das serpentes. Nesses casos, o veneno age nos canais iônicos das células – que são passagens de moléculas reguladoras de diversas funções celulares, como a comunicação entre neurônios.
Oliveira explica que picadas de aranha podem vir associadas a vômitos e levar a choques cardiogênicos, interferindo na capacidade de bombear sangue do coração. O veneno é complexo, com toxinas que agem de diferentes formas e tem ação mais lenta.
No caso dos escorpiões, o efeito é mais neurotóxico, provocando principalmente dor e inchaço no local da picada. Em ambos os casos, Oliveira diz que os venenos podem disparar tempestades de catecolaminas. São um grupo de neurotransmissores, do qual a adrenalina faz parte, que podem levar a estados de alta excitação, provocando agitação, sudorese, taquicardia e hipertensão.
Abelhas e vespas
Diferente dos grupos anteriores, abelhas e vespas utilizam o veneno como defesa e não como estratégia de caça. José Roberto dos Santos-Pinto, especialista em biofármacos no Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos da Fundação Oswaldo Cruz (Bio-Manguinhos), explica que o intuito desses insetos é manter possíveis predadores longe dos ninhos. “Esse veneno causa desconforto no local da ferroada, dor, além de outros sintomas e reações alérgicas”, completa o pesquisador.
São animais muito adaptados ao ambiente urbano e por isso os acidentes com eles são bastante comuns. Entretanto, a relevância médica é menor comparada a acidentes com escorpiões – pela ação do veneno provocar danos menores em humanos.
A composição dos venenos é complexa e conta com fosfolipases, hialuronidases, fosfatase ácida e antígeno 5, molécula mais abundante. Ainda que não tenham o objetivo de causar a morte, a presença de diversas moléculas alergênicas pode provocar choques anafiláticos no caso de pessoas alérgicas ou em acidentes que envolvam muitas picadas de uma vez.
Mayra Trinca é bióloga, mestre em divulgação científica (Unicamp) e especialista em jornalismo científico (Labjor/Unicamp).