Antídotos agem de diversas maneiras para neutralizar intoxicações e envenenamentos

O uso da substância adequada é essencial para salvar vidas, especialmente em casos de intoxicação aguda

Por Eduarda A. Moreira

O envenenamento ou intoxicação aguda ocorre quando uma pessoa inala, entra em contato direto com a pele ou ingere alguma substância tóxica. Uma das intervenções possíveis é o uso de antídotos, ou seja, substâncias que produzem um efeito oposto ao do agente intoxicante ou neutralizam os principais sintomas gerados por ele.

Camila Carbone Prado, especialista em toxicologia e médica assistente do Centro de Informação e Assistência Toxicológica (CIATox) de Campinas, explica que alguns antídotos foram desenvolvidos especificamente para essa finalidade – como é o caso da hidroxicobalamina, substância utilizada para neutralização de cianeto. É o caso também de soros utilizados em picadas de animais peçonhentos como cobras.

Existem, ainda, medicamentos utilizados em outras situações terapêuticas e que servem como antídoto. Um exemplo é a atropina. Administrada em casos de parada cardíaca, é também um antídoto para intoxicações causadas por alguns tipos de inseticidas. A N-acetilcisteína, usada principalmente para doenças pulmonares, é acionada como antídoto para intoxicação por paracetamol – medicamento de ação analgésica.

Os antídotos têm diferentes meios de ação. Um dos mecanismos mais comumente observados é o dos antagonistas competitivos: neste caso, tanto o agente intoxicante quanto o antídoto ligam-se a um mesmo receptor celular, encaixando-se na estrutura de uma mesma proteína. Dessa forma, quando o antídoto é administrado ao paciente, passa a competir com o agente intoxicante pelos receptores celulares e se conecta às proteínas que seriam ocupadas pela substância tóxica – impedindo sua ação. De acordo com Prado, quando um antídoto age por meio deste mecanismo, deve ser utilizado em doses altas para que tenha vantagem nessa competição. “A naloxona e o flumazenil se ligam aos mesmos receptores dos seus agentes tóxicos: receptores benzodiazepínicos, no caso do flumazenil, e receptores opioides, no caso da naloxona”, exemplifica Edmarlon Girotto, farmacêutico do CIATox de Londrina e diretor científico da Associação Brasileira de Centros de Informação e Assistência Toxicológica (Abracit).  Os benzodiazepínicos são uma classe de medicamentos ansiolíticos, enquanto os opioides apresentam efeitos analgésico e sedativo. Outro caso é o álcool etanol, que atua como antídoto do metanol ao competir e ocupar a enzima responsável por produzir os metabólitos tóxicos.  O álcool (etanol), no caso, é absoluto para uso intravenoso, encontrado em serviços de urgência de hospitais.

Já a N-acetilcisteína, antídoto do paracetamol, tem um mecanismo de ação distinto. A intoxicação pelo analgésico envolve a sobrecarga de algumas vias metabólicas do fígado, que é responsável por transformar substâncias tóxicas em atóxicas através da reação com outras moléculas – os substratos. Diante do acúmulo de metabólitos tóxicos, a N-acetilcisteína age como substrato, possibilitando a reação de detoxificação.

O problema da intoxicação por metais pesados (como arsênio, chumbo ou mercúrio) é que eles são compostos insolúveis em água e, portanto, não são eliminados normalmente pela urina. Por isso, nesses casos, os antídotos agem de maneira a torná-los solúveis. Isso é feito por um processo chamado quelação, quando se ligam aos metais e formam complexos passíveis de serem eliminados pelos rins.

Há intoxicações que podem causar o aumento da quantidade de metemoglobina – forma oxidada da hemoglobina, incapaz de transportar oxigênio. São causadas por substâncias como nitritos, nitratos, anilina e o anestésico benzocaína. O acúmulo de metemoglobina no sangue pode causar desde fadiga e falta de ar, até convulsões, arritmias cardíacas e coma. A administração do azul de metileno como antídoto, nestes casos, se baseia na capacidade da substância em transformar a metemoglobina em hemoglobina, restaurando a capacidade de transportar oxigênio.

Peçonhas

Nos casos de acidentes com animais peçonhentos – escorpiões, aranhas e cobras – os antídotos são os soros que contêm anticorpos específicos. Os anticorpos se ligam aos componentes tóxicos do veneno, impedindo sua ligação aos receptores celulares e, consequentemente, sua ação danosa. Em seguida, o composto anticorpo-veneno é eliminado do organismo pelo sistema imunológico. Os soros são produzidos a partir da aplicação de uma pequena quantidade (que não causa danos) de componentes tóxicos dos venenos em cavalos, com posterior coleta de sangue,  de onde os anticorpos são extraídos e purificados.

No Brasil, a produção, distribuição e uso desses soros seguem diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Saúde e Secretarias Estaduais de Saúde. Segundo as Recomendações gerais de indicações, uso e estoque de antídotos, elaborado pelo CIATox de Campinas,  “todos os soros anti-veneno para uso em humanos são adquiridos pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde junto aos produtores oficiais (Instituto Butantan-SP, Fundação Ezequiel Dias-MG, Instituto Vital-Brazil-RJ e Centro de Produção e Pesquisa de Imunobiológicos-PR), para acesso gratuito nos Pontos Estratégicos, serviços de saúde de referência de tratamento de acidentes por animais peçonhentos distribuídos por todo país”.

Atualmente pesquisadores do Centro de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos (Cevap) da Unesp, em Botucatu, estão nas etapas finais do desenvolvimento de um soro antiapílico, para picadas de abelha. O grupo já possui a patente do produto, que apresentou bons resultados nos ensaios clínicos de fases 1 e 2, indicando ser seguro e eficaz. Em breve, com a finalização da fase 3, e caso os resultados se mantenham positivos,  segue para registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Eduarda A. Moreira é doutora em ciências (USP), especialista em jornalismo científico pelo Labjor (Unicamp) e bolsista Mídia Ciência – Fapesp