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Trabalho em rede: do desenvolvimento científico e tecnológico à mobilização social para o controle da Tuberculose

Célio Lopes Silva

A tuberculose (TB), que foi o desespero e a causa de morte de milhões de pessoas no século XIX, está novamente rondando o país. Após ter sido considerada sob controle, ressurgiu na década de 90 como uma das principais doenças infecciosas letais. A TB representa, atualmente, um sério problema de saúde pública envolvendo aspectos sociais e econômicos para o Brasil e o mundo. Aproximadamente, um terço da população mundial está infectada pelo bacilo da TB (Mycobacterium tuberculosis). Cerca de 54 milhões de pessoas se infectam anualmente; 9 milhões desenvolvem a doença e 3 milhões morrem de uma doença que tem cura. O bacilo da TB mata mais indivíduos que qualquer outro agente infeccioso sozinho. Os óbitos representam 25% de toda mortalidade evitável nos países em desenvolvimento, onde se registram 95% dos casos e 98% dos falecimentos causados pela doença. A maioria (75%) dos casos ocorre no grupo etário economicamente produtivo (15-50 anos) e é a principal causa de morte por infecção de mulheres, principalmente, de mulheres jovens. Entre as razões para tal cenário, deve-se assinalar a desigualdade social e suas implicações, como as más condições de nutrição, transporte, educação, moradia (por exemplo, os aglomerados populacionais); o advento da aids; os movimentos migratórios; o envelhecimento da população e a má qualidade dos programas de controle de TB sob a coordenação dos gestores públicos.

O Brasil ocupa o 15º lugar no ranking dos 22 países onde se estima que ocorram 80% dos casos de TB do mundo. Estima-se que um terço da população brasileira também esteja infectada pelo bacilo da TB e os dados indicam a ocorrência de 128 mil casos da doença por ano, dos quais são notificados apenas cerca de 90 mil, em sua maioria, em grandes centros urbanos. Cinco estados brasileiros contribuem com dois terços de todos os casos no país. Na região Sudeste, os estados de São Paulo e Rio de Janeiro relatam 40% dos casos. Nos grandes centros urbanos, a ocorrência de TB cresceu significativamente; por exemplo, as taxas de TB na cidade do Rio de Janeiro cresceram de 80/100.000 habitantes em 1985 para 112/100.000 em 2000. O coeficiente de mortalidade, em 1998, foi de 3,5/100.000 pessoas; o percentual de detecção de casos foi igual a 67% e o percentual de curas, 72%. O percentual de abandono do tratamento está em torno de 12% no país, chegando, em algumas capitais, ao valor de 30 a 40%, o que pode resultar em elevadas taxas de resistência aos medicamentos. A avaliação do perfil de resistência aos medicamentos anti-TB é realizada em menos de 5% dos casos diagnosticados, sendo que, no momento, existem cerca de 1.200 casos de TB multi-droga resistente em tratamento no sistema de saúde, usando regime de tratamento com medicamentos de terceira linha com baixos índices de cura (<50%). Cerca de 90% desses casos são registrados nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Ademais, a TB é a principal causa de morte em pessoas infectadas pelo vírus HIV.

Pouca ênfase foi dada pelos gestores públicos, nas ultimas décadas, a estudos integrados capazes de envolver frentes de prevenção, quimioprofilaxia, diagnóstico, tratamento, aspectos operacionais e à formação de recursos humanos, segundo uma lógica de educação permanente, para enfrentar problemas como o da TB. A novidade ocorrida recentemente no Brasil foi a implantação do Instituto do Milênio Rede Brasileira de Pesquisas em Tuberculose – a Rede TB, aprovado em 2001 pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, e que pode, em médio prazo, contribuir para mudar o cenário tenebroso dessa doença. No momento de sua criação, a Rede TB tinha como objetivos fundamentais: (i) consolidar uma rede brasileira de pesquisas em TB de caráter inovador, transdisciplinar, interinstitucional, e constituída por pesquisadores de áreas básicas, tecnológicas, clínicas, epidemiológicas e operacionais, pertencentes às cinco macro-regiões brasileiras; (ii) estabelecer estratégias integradas para pesquisa, desenvolvimento e inovação, e obtenção de conhecimentos e produtos necessários ao controle da TB, como novas vacinas, medicamentos e testes de diagnósticos (iii) treinar e formar recursos humanos por meio de cursos de especialização, educação continuada e de treinamentos que permitam ao profissional de saúde se capacitar para metodologias apropriadas para a resolução de problemas identificados dentro de sua prática diária, seja nas Instituições de Pesquisa, na Comunidade ou em Unidade de Saúde de nível primário, secundário ou terciário.

Para a consecução dos seus objetivos e realização das metas, a Rede TB promoveu, nos últimos três anos, uma mobilização intensa de pesquisadores das universidades e institutos de Pesquisas, assim como do setor empresarial, entidades governamentais, sociedade civil organizada, organizações não-governamentais e conselhos de saúde, visando maior integração entre os diversos setores envolvidos no controle dessa enfermidade. Nesse período, atuou como um fórum permanente de interlocução na antecipação de tendências, identificação de oportunidades, mapeamento de competências e construção coletiva de propostas de ações e estratégias em ciência, tecnologia e inovação. A experiência de criação da Rede TB se mostrou altamente positiva na articulação dos grupos de pesquisa e otimização e utilização de recursos humanos e de infra-estrutura. O projeto permitiu a consolidação efetiva de uma rede de pesquisas na área de uma doença negligenciada, congregando pesquisadores de todas as áreas afeitas a TB.

A implantação da Rede TB está trazendo importantes contribuições com grande impacto para a área de ciência e tecnologia nacional. Dentre estes podemos destacar: (i) estruturação de rede de pesquisa na área de doenças infecciosas envolvendo grupos consolidados e emergentes das cinco macro-regiões brasileiras; (ii) inovação e desenvolvimento tecnológico de produtos e processos (vacinas, medicamentos, testes diagnósticos); (iii) estabelecimento de plataformas tecnológicas, inéditas no Brasil, para pesquisa, desenvolvimento e inovação de vacinas, medicamentos e testes diagnósticos, compreendendo pesquisadores e instituições envolvidas com pesquisa básica, desenvolvimento tecnológico, testes pré-clínicos em animais e clínicos em humanos; (iv) obtenção de patentes e divulgação do conhecimento por diferentes meios (mídia, publicações, livros, teses e dissertações); (v) formação de recursos humanos nos diferentes níveis: científico, tecnológico e serviços de saúde; (vi) criação de empresas de base tecnológica (spin-offs) e inserção de pesquisadores nas empresas; (vii) efetiva interação transdisciplinar e multi-institucional entre pesquisadores e instituições nacionais e internacionais; (viii) maior interação entre instituições de pesquisa/universidades (públicas ou privadas), gestores, trabalhadores e usuários do sistema de saúde, das diversas macro-regiões brasileiras; (x) fixação de jovens pesquisadores de reconhecido talento em instituições de pesquisa e empresas; (xi) transferência de tecnologia e conhecimentos para o setor produtivo estatal ou privado, e para instituições governamentais.

Como a TB ainda constitui um sério problema de saúde púbica, essa doença foi incluída na lista de prioridades do Ministério da Saúde em 2004. Diante da necessidade de ampliar a atuação do Programa Nacional de Controle da TB em uníssono com a mobilização global em torno da luta contra essa doença (movimento Stop TB Partnership da OMS), foi proposta pelo Ministério da Saúde, a consolidação de um fórum de parcerias que coordenasse uma mobilização social efetiva nas ações de controle em âmbito nacional. Para essa parceria, foram convidadas pelo Ministério da Saúde, além da Rede TB, as instituições governamentais federais, estaduais e municipais; a sociedade civil organizada; as organizações religiosas; o setor privado; as organizações de educação, comunicação e divulgação; as associações técnico-científicas e as agências internacionais. A Rede TB foi eleita para participar da secretaria executiva desse fórum parceria brasileira pelo controle da TB, cujo objetivo geral é promover uma política de Estado capaz de congregar esforços e promover ações conjuntas e articuladas entre o governo e a sociedade civil organizada para o controle da TB. Essa iniciativa, ao se distinguir das propostas vinculadas a políticas de governo, caracterizadas por elevada instabilidade e ausência de sustentabilidade devido, principalmente, às mudanças dos gestores públicos, representa um momento histórico em plano nacional para o combate à TB e de consolidação da Rede TB junto aos parceiros que representam a sociedade civil e a academia, trabalhando em uníssono com o governo, ONGs e agências internacionais (Stop TB, WHO, IUATB).

Célio Lopes Silva é bioquímico, biólogo molecular e imunologista da faculdade de medicina de Ribeirão Preto da USP

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Atualizado em 10/06/2005

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