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             Clonagem 
              ainda é técnica em desenvolvimento 
            A clonagem 
              tem causado inflamadas discussões em toda sociedade, principalmente 
              quando essa técnica, já empregada em bactérias, 
              plantas e animais, passou a vislumbrar o ser humano. Originada da 
              palavra grega klón que significa broto vegetal, essa 
              técnica é basicamente uma forma de reprodução 
              assexuada (sem a união do óvulo e do espermatozóide) 
              e que origina indivíduos com genoma idêntico ao do 
              organismo provedor do DNA. A medida que a técnica foi se 
              aproximando da árvore geneológica da evolução 
              humana passou a representar uma ameaça dada a possibilidade 
              de serem geradas crianças idênticas ao pai ou a mãe. 
            A idéia 
              de clonagem surgiu em 1938 quando Hans Spermann, embriologista alemão 
              (Nobel de Medicina, 1935) propôs um experimento que consistia 
              em transferir o núcleo de uma célula em estágio 
              tardio de desenvolvimento para um óvulo. Em 1952, Robert 
              Briggs e Thomas King, da Filadélfia, realizam a primeira 
              clonagem de sapos a partir de células embrionárias. 
              Em 1984, Steen Willadsen da Universidade de Cambridge clonou uma 
              ovelha a partir de células embrionárias jovens. Um 
              grupo de pesquisadores da Universidade de Wisconsin clonou uma vaca 
              a partir de células embrionárias jovens do mesmo animal 
              (1986). Em 1995, Ian Wilmut e Keith Campbell, da estação 
              de reprodução animal na Escócia, partiram de 
              células embrionárias de 9 dias para clonar duas ovelhas 
              idênticas chamadas de "Megan" e "Morag". 
              No ano seguinte surgiu "Dolly", clonada pelas mãos 
              destes mesmos pesquisadores a partir de células congeladas 
              de uma ovelha. Esta foi a grande inovação - e que 
              criou a grande repercussão do caso-, um clone originado não 
              de uma célula embrionária, mas sim de uma célula 
              mamária. Em 1997, Dolly teria seu nascimento anunciado, sendo 
              o marco de uma nova era biotecnológica. 
            Posteriormente 
              à ovelha mais famosa do mundo surgiram clones de bezerros, 
              cabras, camundongos, porcos e macaco rhesus. Hoje a corrida tecnológica 
              da clonagem tem como países líderes os Estados Unidos, 
              Escócia, Inglaterra, Japão, Nova Zelândia e 
              Canadá. 
            Os 
              procedimentos mais utilizados em animais e que começam a 
              ser usados em clonagem de humanos são dois: um deles consiste 
              em utilizar o material genético (núcleo) extraído 
              de uma célula não reprodutiva ou somática (diferente 
              do óvulo ou espermatozóide) de um indivíduo 
              e inseri-lo em um óvulo cujo núcleo com DNA tenha 
              sido retirado. Essa célula pode ser originada de um embrião, 
              feto ou adulto que estejam vivos, mantidos em cultura em um laboratório 
              ou de tecido que esteja congelado. 
            A outra 
              técnica consiste na fusão de uma célula inteira 
              com um óvulo sem material genético. Foi essa justamente 
              a técnica utilizada em Dolly. Sua fase crítica - em 
              que o experimento pode não dar certo -se dá na etapa 
              de fusão das células, feita através de corrente 
              elétrica ou com um vírus chamado Sendai (veja 
              esquema abaixo). 
              
            
              
                | 1) 
                  As células somáticas são retiradas do doador 
                  2) Essas células são cultivadas em laboratório 
                  3) De uma doadora colhe-se um óvulo não 
                  fertilizado 4) O núcleo contendo DNA é 
                  retirado do óvulo 5) A célula cultivada 
                  é fundida ao óvulo por meio de corrente elétrica 
                  6) Agora temos o óvulo fertilizado com nova informação 
                  genética 7) Este óvulo vai se desenvolver 
                  até a fase de blástula (embrião com mais 
                  de 100 células) onde estão as células tronco. | 
               
             
            A clonagem 
              de animais  no Brasil foi iniciada em março de 2001 com 
              o nascimento de Vitória, uma bezerra da raça simental 
              desenvolvida pela equipe de Rodolfo Rumpf, coordenador do projeto 
              de biotecnologia de reprodução animal da Embrapa. 
              De lá pra cá, nenhum outro animal foi clonado, embora 
              alguns grupos venham desenvolvendo pesquisa, principalmente em clonagem 
              de bezerros. Esses animais são escolhidos por terem apelo 
              comercial e por terem um período de gestação 
              longo o que gera, normalmente, apenas um indivíduo. O fato 
              de originar, através dos métodos naturais, apenas 
              um indivíduo por gestação dificulta a perpetuação 
              de algumas características que são interessantes para 
              o comércio, como por exemplo uma maior produção 
              de leite ou a alta taxa de músculos. A clonagem de bovinos 
              poderia facilitar a reprodução de animais com certas 
              características genéticas. Para os galináceos, 
              que podem se reproduzir em um período curto de tempo e gerar 
              inúmeros indivíduos, a clonagem não seria tão 
              interessante. 
            Mas 
              existe também a possibilidade de animais serem clonados para 
              fins terapêuticos, servindo para a experimentação 
              ou visando a produção de órgãos compatíveis 
              com o ser humano - animais poderiam ser, um dia, produzidos em série 
              para transplantes. Algumas empresas, como a Advanced Cell Technology 
              (ACT), a mesma que alegou ter clonado o primeiro embrião 
              humano da história, já dispõe de um banco de 
              tecidos para quem quiser guardar amostras de seu bichinho de estimação 
              ou de animais com grande potencial pecuário. Quando a técnica 
              de clonagem estiver bem estabelecida esse material poderia ser utilizado. 
               
            
            A idéia 
              de produzir clones de animais de estimação por enquanto 
              só é possível em filmes como O Sexto Dia, 
              estrelado por Arnold Schwarzenegger. Na história, o cachorro 
              do personagem de Schwarzenegger é clonado por uma empresa 
              chamada Re-pet, especializada em animais de estimação. 
               
            No 
              entanto, bancos como esses começam a ser formados também 
              para animais em extinção como o Centro de Reprodução 
              de Espécies em Extinção do Zoológico 
              de São Diego (EUA) e o Centro para Pesquisa de Espécies 
              em Extinção do Instituto Audubon (EUA). A idéia 
              é que, no futuro, o material genético de animais ameaçados 
              de desaparecer possa ser usado para cloná-los e reproduzí-los. 
               
            A ACT 
              chegou a clonar, em 2000, um gauro, espécie em extinção 
              semelhante ao boi, natural da Índia, Indoshina e parte da 
              Ásia. O animal fora clonado a partir de células da 
              pele de um gauro fundidas com óvulos de vacas. Mas após 
              nove meses de gestação o animal morreu, pouco depois 
              de nascer, devido a complicações no sistema respiratório. 
            A espectativa 
              é que a clonagem seja a única alternativa para recuperar 
              espécies já extintas como o tigre da Tasmânia 
              (desaparecido desde 1930) e o bode bucardo da montanha (desaparecido 
              desde 2000). Outras espécies em vias de extinção 
              como a ararinha-azul, o mico-leão-dourado, o peixe-boi, o 
              pirarucú, a sussuarana, o lobo-guará, a lontra e o 
              tamanduá-bandeira também poderiam ser clonados. Existe, 
              porém, a preocupação para que o material armazenado 
              desses animais tenha variabilidade genética para que não 
              sejam originadas populações tão homogêneas 
              que correriam o risco de serem dizimadas por vírus e bactérias. 
              O armazenamento de amostras de células do maior número 
              de animais de uma espécie que ainda estejam disponíveis 
              no mundo, poderia garantir indivíduos com menor igualdade 
              genética. 
            Atualmente, 
              é impossível utilizar DNA extraído de organismos 
              preservados em âmbar (como sugere o filme de Steven Spielberg 
              O Parque dos Dinossauros), de células congeladas em 
              condições diferentes às exigidas por condições 
              laboratoriais, células de cadáveres ou de material 
              fossilizado. 
            Entre 
              os grupos brasileiros atuantes no campo da clonagem animal estão, 
              segundo Rodolfo Rumpf, da Embrapa, o coordenado por José 
              Antônio Visintin na Veterinária da USP; o de Joaquim 
              Mansano Garcia na Unesp de Jaboticabal; o de Flávio Meireles 
              na USP de Pirassununga e outros que ainda estão se estruturando, 
              além do grupo liderado pelo próprio Rumpf. Entre os 
              que estão em processo de estruturação está 
              o grupo liderado por Reginaldo Fontes na Universidade Estadual Norte 
              Fluminense, o coordenado por Otávio M. Ohashi na Universidade 
              Federal do Pará, e grupos no Rio Grande do Sul. 
            No 
              que se refere à clonagem humana, os maiores benefícios 
              esperados pela comunidade científica estão no campo 
              da terapia de órgãos e tecidos. 
              É através dessa técnica que pesquisadores esperam 
              estudar as chamadas células-tronco (células primordiais 
              no embrião que têm multipotencialidade para gerar os 
              mais de 200 tipos celulares do nosso corpo) que poderiam gerar células 
              cardíacas, hepáticas, hemácias, epiteliais 
              e resolver ou amenizar problemas causados por enfarto, cirrose, 
              leucemia e queimaduras da pele. Embora 
              a impressão que se tem através dos jornais é 
              que esse processo é relativamente simples, Paulo Marcelo 
              Perin, do Centro de Reprodução Humana de Campinas, 
              garante que a técnica ainda não existe: "não 
              sabemos o que vai ser necessário para reconstituir um rim 
              inteiro". 
            No 
              Brasil, muito se tem feito no ramo de pesquisas com células-tronco 
              adultas, extraídas do cordão-umbilical de bebês 
              ou da nossa medula mas, segundo informa Perin, essas células 
              já sofreram algum processo de diferenciação 
              e, portanto, têm potencial restrito para se transformarem 
              em outros tipos celulares. Por isso as células-tronco cultivadas 
              a partir de células retiradas de embriões despertam 
              mais interesse, embora sejam muito mais polêmicas. "Esse 
              é o grande dilema ético, porque estaríamos 
              produzindo embriões exclusivamente para fins terapêuticos", 
              explica Perin. O que é vida para grupos religiosos é 
              apenas um emaranhado de células para os cientistas. 
            Mas 
              a polêmica mais efervescente é aquela que permeia a 
              reprodução humana. Se ela hoje depende fundamentalmente 
              de um espermatozóide e um óvulo, poderá se 
              tornar independente ao ponto de qualquer célula de nosso 
              corpo poder fecundar um óvulo e gerar um descendente. Claro 
              que contando com o auxílio de um bom laboratório e 
              alguns milhares de reais. Para Perin, a clonagem humana parece interessante 
              para casais que não produzem células reprodutivas 
              (óvulos ou espermatozóides). Ele acredita que as técnicas 
              de clonagem serviram muito mais para resolver outros problemas de 
              fertilidade do que para gerar cópias de seres humanos. Cita 
              como exemplo uma técnica realizada por um grupo de pesquisadores 
              do Centro de Monash, na Austrália, que a partir de uma célula 
              somática de um camundongo (que possui dois conjuntos de cromossomos 
              ao invés de apenas um como em uma célula reprodutiva), 
              deixou apenas um conjunto de cromossomos e fertilizou um óvulo, 
              de uma doadora da mesma espécie, com a célula que 
              funcionou como um espermatozóide.  
            A técnica 
              de clonagem ainda está em aperfeiçoamento. A alta 
              taxa de mortalidade em experimentos com animais - cerca de 90% -, 
              diagnósticos pré-implantacionais (antes do útero) 
              e pré-natais, ainda em definição, alarmam para 
              o fato de ninguém saber determinar a normalidade dos embriões. 
              "Do ponto de vista científico a clonagem humana é 
              inevitável, mas não sei se a sociedade como um todo 
              vai permitir que isso aconteça, porque a ciência avança 
              e não pensa nas consequências, o avanço é 
              feito. Mas quem impõe os limites é a sociedade. Os 
              aspectos jurídicos, morais, religiosos vão ser determinados 
              pela sociedade", conclui Perin. 
             
              (G. 
              B.) 
              
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