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             Nada 
              contra a clonagem 
               
            Bernardo 
              Beiguelman 
               
            A palavra 
              clone foi criada em Biologia para designar indivíduos 
              que se originam de outros por reprodução assexuada. 
              A clonagem, que é o nome que se dá à 
              formação de clones, é o meio de reprodução 
              mais freqüente e natural dos vegetais inferiores, mas as plantas 
              superiores também podem se multiplicar desse modo, como é 
              o caso da grama dos jardins, que geram plantas independentes ao 
              formarem raízes nos nós dos ramos laterais junto à 
              terra. Às vezes, como acontece com a bananeira e, geralmente, 
              com a parreira e com a cana de açúcar, a clonagem 
              é o único meio de multiplicação de uma 
              planta. Quando um jardineiro obtém mudas de begônia 
              a partir de uma folha ou usa estacas cortadas dos ramos de uma roseira, 
              para conseguir mudas plantadas ou enxertadas, ele está praticando 
              clonagem. Aliás, foi dessa prática que surgiu o termo 
              clone, porque, em grego, klón significa estaca. 
            A clonagem 
              também ocorre naturalmente em animais, inclusive na espécie 
              humana. De fato, em todas as populações humanas, tem-se 
              que, de cada mil nascimentos, em média, quatro são 
              de pares de gêmeos denominados univitelinos ou monozigóticos, 
              porque se originam de um único ovo ou zigoto. Assim, em vez 
              de o zigoto originar um único indivíduo, tem-se que, 
              nos primeiros estágios do desenvolvimento embrionário, 
              entre um e 14 dias após a formação do zigoto, 
              ocorre uma subdivisão que dá origem a dois indivíduos. 
              Essa subdivisão é, pois, uma reprodução 
              assexuada. Por terem essa origem, os gêmeos monozigóticos 
              são, indiscutivelmente, clones e, regra geral, geneticamente 
              idênticos. 
            É 
              essa identidade que faz com que os gêmeos monozigóticos 
              sejam do mesmo sexo, isto é, pares do sexo masculino ou do 
              sexo feminino. O nascimento de trigêmeos monozigóticos 
              é bem menos freqüente e, mais raramente ainda, nascem 
              tetragêmeos ou quíntuplos monozigóticos. Esses 
              clones humanos naturais não devem, entretanto, ser confundidos 
              com os gêmeos que resultam de poliovulação e 
              que, por isso, não são necessariamente concordantes 
              quanto ao sexo e podem ser dizigóticos, trizigóticos, 
              tetrazigóticos etc., conforme se originem de dois, três, 
              quatro etc. zigotos distintos. 
            Dissemos 
              acima que os gêmeos monozigóticos têm, regra 
              geral, o mesmo patrimônio genético (genótipo). 
              Por que regra geral? Porque durante qualquer reprodução 
              assexuada pode ocorrer alguma alteração do material 
              genético (mutação), resultando um ser com genótipo 
              um pouco diferente daquele presente no ser original. Mas, na ausência 
              de mutação, os gêmeos monozigóticos, 
              do mesmo modo que outros clones são geneticamente idênticos. 
              Essa identidade genética, entretanto, não significa 
              identidade na aparência física ou psicológica, 
              porque todo o ser vivo é o resultado da interação 
              da sua constituição genética com o ambiente 
              e é por isso que os gêmeos monozigóticos têm 
              aparência física semelhante, mas não são 
              fisicamente idênticos, além do que, eles apresentam 
              individualidade psicológica. Parece interessante insistir 
              nesse detalhe porque, lamentavelmente, existe uma tendência 
              generalizada de enfatizar apenas a importância da constituição 
              genética das pessoas e de menosprezar o efeito do ambiente, 
              como se o ser humano não fosse mais do que o seu genótipo! 
              Tudo na sociedade humana, inclusive a criminalidade ou o uso de 
              drogas, é apresentado pelos meios de comunicação 
              como conseqüência de um destino genético, talvez 
              para que muitos sejam levados a crer que os governos não 
              podem ser responsabilizados pela "falta de sorte" de uma 
              parte de sua população. 
            Do 
              exposto, pode-se concluir que, no início de 1997, os meios 
              de comunicação denominaram incorretamente de clone 
              à famosa ovelha Dolly, porque ela resultou da união 
              de um ovócito de uma ovelha de cor escura, do qual foi retirado 
              o núcleo (ovócito enucleado), com uma célula 
              da teta de uma ovelha branca. Em outras palavras, a ovelha Dolly 
              herdou da ovelha branca o material genético nuclear, isto 
              é, o DNA contido nos cromossomos do núcleo da célula 
              da teta, e herdou da ovelha escura o material genético citoplasmático, 
              isto é, o DNA contido em organelas denominadas mitocôndrios. 
              Para gerar a ovelha Dolly alcançou-se, assim, o feito espetacular 
              de fazer com que os genes nucleares de uma célula diferenciada 
              originária da teta da ovelha branca passassem a funcionar 
              como os de uma célula indiferenciada, isto é, como 
              aquelas do início do desenvolvimento embrionário. 
            Visto 
              que para gerar a ovelha Dolly foi essencial a contribuição 
              de uma célula sexual feminina (ovócito), essa ovelha 
              não deveria ter sido chamada de clone. Mas quem pode com 
              os meios de comunicação, que também inventaram 
              a designação estapafúrdia de "bebê 
              de proveta"? Foi, pois, assim, que a técnica empregada 
              para produzir a ovelha Dolly, depois empregada com pequenas variações 
              para outros mamíferos, inclusive, recentemente, para o ser 
              humano, passou a ser conhecida como clonagem e passaram a ser chamados 
              de clones todos animais ou embriões produzidos por essa técnica. 
               
            Se 
              eu tivesse que dar um nome para essa técnica eu diria que 
              ela é apenas mais uma dentre as diferentes técnicas 
              de fertilização assistida, que procura unir uma célula 
              sexual feminina enucleada com uma célula somática, 
              isto é, uma célula não-sexual. A meu ver, a 
              única e grande restrição que deve ser feita, 
              no momento, à aplicação dessa técnica 
              à espécie humana reside no fato de que, até 
              agora, os resultados conseguidos com ela em outros mamíferos 
              ainda estão longe de serem considerados bons. De fato, seu 
              rendimento é baixo, isto é, a razão entre os 
              ovócitos necessários e os conceptos resultantes é 
              muito alta, além do que, é alta a proporção 
              dos conceptos gerados por essa técnica que apresentam anomalias 
              congênitas, ou que vão a óbito neonatal por 
              problemas respiratórios e circulatórios ou, ainda, 
              que apresentam peso excessivamente alto associado a aumento do volume 
              placentário.  
            Entretanto, 
              assim que essa técnica estiver bem padronizada não 
              vejo razões para que, em situações especiais, 
              ela não possa ser aplicada à espécie humana, 
              pois terá uma vantagem sobre a técnica de fertilização 
              assistida que, em casos de esterilidade masculina, emprega doadores 
              de espermatozóides. Visto que esses doadores permanecem no 
              anonimato, sempre existirá o risco de pessoas geradas por 
              um mesmo doador virem a se casar sem saber que são meio-irmãos 
              pondo, assim, sua prole em grande risco de nascimento com anomalias 
              resultantes da consangüinidade próxima. Evidentemente, 
              as pessoas que se candidatarem a esse tipo de reprodução 
              deverão estar sempre conscientes dos riscos de ocorrência 
              de mutações indesejáveis na célula somática 
              usada na união com o ovócito enucleado. 
            Considero 
              que essa técnica de reprodução assistida, apesar 
              de não estar bem estabelecida, longe está de ser considerada 
              como uma ameaça à humanidade, como ela é apresentada 
              em um número exorbitante de artigos, entrevistas, pesquisa 
              de opinião nos meios de divulgação de todo 
              mundo. De fato, em que consistiria essa ameaça? Evidentemente, 
              se esse tipo de reprodução fosse realizado em grande 
              escala, está claro que a homogeneidade resultante poderia 
              ser prejudicial. Em um clone, quando um indivíduo é 
              suscetível a um microrganismo causador de uma doença, 
              ter-se-á que, regra geral, todos os elementos do clone apresentarão 
              a mesma suscetibilidade. Se a doença for letal, todos serão 
              dizimados, com exceção dos que, eventualmente, forem 
              portadores de uma mutação que confira resistência 
              a esse microrganismo. 
            Esse 
              risco de homogeneidade, entretanto, não existirá, 
              na espécie humana, porque a maioria dos indivíduos 
              de nossa espécie prefere o método clássico 
              e agradável de reprodução, empregado desde 
              os tempos imemoriais, que requer um homem e uma mulher. Portanto, 
              os casos excepcionais dessa reprodução assistida, 
              que tem sido chamada de clonagem, não poderiam afetar a estrutura 
              genética das populações humanas de modo a ter 
              um efeito significativo.  
            
               
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                   Para 
                    saber mais:  
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                  O 
                    estudo de gêmeos 
                    Livro de Bernardo Beiguelman sobre a biologia da gemelaridade 
                    e da reprodução humana. Disponível gratuitamente, 
                    em formato PDF. 
                 | 
               
             
            Impedir 
              o emprego dessa técnica por causa do risco remotíssimo 
              de sua utilização para a criação de 
              uma sociedade homogênea facilmente manipulável não 
              faz o menor sentido, porque já foi demonstrado à saciedade 
              que a manipulação de populações humanas 
              não exige identidade genética. Mais do que a improvável 
              homogeneidade genética, devemos temer o ambiente homogêneo 
              dos regimes totalitários, que conduzem ao fanatismo e ao 
              ódio.  
               
            Bernardo 
              Beiguelman é Professor Titular da Faculdade de Ciências 
              Médicas da UNICAMP (Aposentado) e Professor Titular Visitante 
              do Instituto de Ciências Biomédicas da USP 
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