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             Clonagem 
              já tem amplo uso na agropecuária 
            A 
              clonagem animal passou a ser mais conhecida em 1997, quando pesquisadores 
              do Instituto Roslin, da Escócia, anunciaram a clonagem do 
              primeiro mamífero, a partir de células mamárias 
              de uma ovelha. O nascimento de Dolly, como foi chamada a ovelhinha, 
              marcou o início de uma corrida pelo aperfeiçoamento 
              da técnica que, se em humanos cria expectativas que ainda 
              não podem ser satisfeitas, e que esbarra em conceitos éticos 
              e religiosos, em animais e plantas tem apresentado resultados positivos 
              a uma velocidade surpreendente. 
            A clonagem 
              de animais tem aplicação para a conservação 
              e de melhoramento genético. Com fins de conservação 
              ela serve para implantar bancos genéticos que guardem material 
              de diferentes espécies. Para melhoramento, porque é 
              uma técnica que permite reproduzir de maneira mais ampla, 
              filhos de animais de qualidade superior, como touros e vacas com 
              maior capacidade reprodutiva ou vacas que produzam mais leite.  
            Associada 
              à técnica de transgenia, a clonagem animal pode servir 
              ainda para produzir nos animais transgênicos substâncias 
              que auxiliem no tratamento de doenças em humanos. Como exemplo, 
              em 1997, os pesquisadores do laboratório PPL Therapeutics, 
              que financia as pesquisas do Instituo Roslin, produziram por clonagem 
              uma ovelha, a Polly, para produzir a proteína sangüínea 
              alpha-1-antripsina, usada no tratamento da fibrose cística, 
              uma doença genética incurável que afeta uma 
              em cada 1.600 crianças de origem caucasiana. Como matéria-prima, 
              os biólogos usaram uma célula tirada de um embrião 
              de uma ovelha. No núcleo desta, enxertaram um gene humano. 
              A seguir, usaram um óvulo de outra ovelha, descartaram o 
              seu núcleo e o substituíram com o núcleo da 
              célula geneticamente modificada. Criaram assim, uma célula 
              clonada do feto original, que foi introduzida no útero da 
              mãe substituta (de aluguel). 
            Outras 
              ovelhas, irmãs de Polly, foram programadas para produzir 
              fibrinogeno e proteína ativada C, drogas usadas para impedir 
              a coagulação do sangue. 
            Clone 
              brasileiro 
            
              
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                   As 
                    pesquisas em reprodução animal na Embrapa começaram 
                    em 1984, e são o resultado da tecnologia de transferência 
                    nuclear. Vitória foi obtida como resultado de núcleos 
                    transferidos de um embrião de cinco dias coletado de 
                    uma vaca simental pela técnica de transferência 
                    de embriões clássica, na qual uma célula 
                    é enucleada (célula recipiente) e depois é 
                    feita a fusão com a célula doadora retirada 
                    de um embrião. Foto: divulgação. 
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            No 
              Brasil, o primeiro mamífero clonado foi a bezerra Vitória, 
              da raça simental (leiteira), fruto de experiência conduzida 
              por Rodolfo Rumpf, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisas 
              Agropecuárias (Embrapa), de Brasília. O anúncio 
              do nascimento da bezerra foi feito em março de 2001, oito 
              meses antes da empresa americana Advanced Cell Technology anunciar 
              o sucesso de seus experimentos com bovinos, que comprovaram um bom 
              desenvolvimento de 24 bezerros clonados. Com isso, o Brasil se tornou 
              o primeiro país fora do grupo dos países ricos a produzir 
              um mamífero clonado. 
            Segundo 
              Rumpf, para se chegar à Vitória foi preciso, em primeiro 
              lugar, equipar o laboratório. Em seguida, foi necessário 
              desenvolver competências em fecundação in vitro 
              e transferência nuclear para enfim dar início às 
              experiências. Ele 
              conta que as experiências visavam a avaliar a qualidade do 
              citoplasma e do núcleo dos animais, antes de dar início 
              às pesquisas com a técnica de clonagem propriamente 
              dita. "A intenção era verificar a capacidade 
              de produção de embriões e a qualidade do material, 
              além de verificar a capacidade de reprodução 
              das células", afirmou o pesquisador da Embrapa. No caso 
              da Vitória a célula usada para o processo era a de 
              um embrião, mas as pesquisas seguiram também com uso 
              de células somáticas, que têm sido transferidas 
              para animais para avaliações. "Porém, 
              o índice de gestação ainda é muito baixo, 
              em torno de 5%. Entre 45 e 50 dias é a fase em que se tem 
              as maiores perdas", afirma. Mas Rumpf comemora com a equipe, 
              pois tem conseguido gestações de até mais de 
              120 dias, sem falar, é claro, do sucesso da bezerra clonada 
              em março deste ano. Rumpf alerta para o fato de que ter fêmeas 
              gestando embriões de 120 dias não significa que os 
              animais cheguem a nascer. 
            Os 
              experimentos da Embrapa com clonagem tiveram início com o 
              objetivo de implantar um banco genético de bovinos, a partir 
              de células dos animais, ao invés de embriões 
              ou outro material, que poderia ocupar mais espaço nos laboratórios. 
              Para Rumpf, esse banco de células seria muito mais simples. 
            A partir 
              daí iniciaram-se as pesquisas com a transferência nuclear, 
              técnica que, segundo o pesquisador mostra grande avanço 
              no que tange à embriologia. Ela permite a multiplicação 
              de animais de qualidade superior, o que é de extrema importância 
              para a pecuária. A técnica abre também a possibilidade 
              de gerar clones transgênicos, com fins terapêuticos, 
              e também de se obter animais mais resistentes.  
            Até 
              o momento, a Embrapa fez experimentos apenas com bovinos, mas segundo 
              Rumpf, no programa de transgênicos, deverão ser incluídos 
              caprinos e ovinos que possuem valor comercial inferior e que apresentam 
              tempo de gestação menor. 
            
               
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                   Visintin 
                    ao lado da vaca da qual foram tiradas células para 
                    clonar embriões  
                 | 
               
             
            Na 
              Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade 
              de São Paulo (USP), em São Paulo, as pesquisas em 
              clonagem animal também vêm sendo feitas com bovinos, 
              mas da raça nelore (produtora de carne), sob a coordenação 
              de José Antônio Visintin.  
            Visintin 
              afirma que os trabalhos deste ano apresentaram melhores resultados 
              que no ano anterior. Os embriões estão se desenvolvendo 
              bem no laboratório e vários deles já estão 
              sendo transferidos para o útero das mães substitutas. 
              Segundo Visintin, na maioria das vezes a gestação 
              tem um bom início, mas depois ocorrem abortos. "Estamos 
              conseguindo gestações mais longas, por volta de 120 
              dias, mas ainda não nasceu nenhum bezerro". 
            Em 
              fecundação normal, também é comum a 
              perda, tanto de óvulos quanto de embriões, devido 
              a problemas na gestação, doenças e manejo inadequado. 
              Porém essa perda fica em torno de 30%. No processo de clonagem 
              a perda tem sido de 90%, segundo Visintin. Nas experiências 
              desenvolvidas por sua equipe, as principais dificuldades encontradas 
              no processo estão ligadas à fase de reprogramação 
              celular, que é a fase em que deve iniciar a divisão 
              celular. "Essa reprogramação é difícil, 
              talvez precisemos estudar um pouco mais o óvulo. Hoje tem-se 
              verificado que há interferência do citoplasma no processo 
              de clonagem, que também tem DNA", afirma Visintin.  
            O objetivo 
              das pesquisas da USP é verificar que tipo de embrião 
              será produzido. "Comparamos os embriões desenvolvidos 
              in vitro com aqueles fecundados naturalmente. Avaliamos como esses 
              embriões se desenvolvem. Nós os fixamos, depois contamos 
              o número de células, fazemos a microscopia eletrônica 
              e vários ensaios para comparar com o grupo controle", 
              afirma Visintin.  
            Em 
              geral, na área de veterinária, a finalidade da clonagem 
              é melhorar os rebanhos, seja para produção 
              de carne ou de leite ou para aumentar a produção de 
              alimentos. O pesquisador da USP lembra que a clonagem em animais, 
              associada à transgenia pode também ajudar em terapias 
              em humanos. Ele dá o seguinte exemplo: "Pela transgenia 
              você consegue um único animal capaz de produzir uma 
              proteína no leite que pode ser usada em um tratamento. Qual 
              a maneira mais lógica de multiplicar esse animal com tal 
              característica? Através da clonagem. É difícil 
              conseguir outro transgênico igual e às vezes este não 
              consegue transmitir para a cria a característica desejada". 
               
            Para 
              Visintin, a técnica também se apresenta válida 
              para evitar a extinção de espécies e como um 
              avanço para melhorar a qualidade dos produtos animais. "É 
              claro que tem que ser feita com cuidado, para que não se 
              perca a diversidade genética. Mas no futuro, se o criador 
              tem animais de alta qualidade, poderá fazer o cruzamento 
              entre eles e manter uma diversidade genética. O que não 
              se pode ter é um rebanho único, geneticamente idêntico, 
              com o risco de que haja algum problema e todos os animais serem 
              perdidos", alerta. 
            Sobre 
              a questão da clonagem terapêutica, o pesquisador da 
              USP acredita que são importantes os estudos com células-tronco, 
              tanto para tratamentos em humanos como em animais. A técnica, 
              associada à transgenia pode auxiliar por exemplo, no tratamento 
              do estresse em suínos, responsável por um grande número 
              de óbitos dos animais, principalmente no transporte dos mesmos. 
              O estresse é causado por um gene. Caso os pesquisadores conseguissem 
              eliminar esse gene do genoma do suíno, logo após poderia 
              se fazer clones desse animal para termos vários indivíduos 
              com maior qualidade. "Os transgênicos são bons 
              pra isso, você pode acrescentar um gene ou tirar um gene que 
              cause um efeito indesejável", acrescenta. 
            Em 
              relação às outras técnicas que vêm 
              sendo utilizadas na pecuária, como a inseminação 
              artificial e a transferência de embriões, Visintin 
              considera que a clonagem é ainda uma tecnologia muito cara 
              e muito mais difícil, porque ainda se encontra em fase de 
              pesquisa. "Eu acredito que as técnicas serão 
              utilizadas de forma associada. Primeiro utilizando-se a biologia 
              molecular, para fazer um rastreamento daquilo que se deseja. O melhor 
              animal é selecionado, faz-se a multiplicação 
              dele por inseminação e usa-se de novo o marcador molecular, 
              separando e clonando os animais melhores", diz Visintin. 
            Segundo 
              o pesquisador, quando nascerem os bezerros clonados, esses serão 
              disponibilizados para outros grupos de pesquisa para que estudem 
              se o desenvolvimento desses animais é normal. Quando as pesquisas 
              estiverem mais adiantadas haverá também estudos sobre 
              a própria gestação. "Quando a técnica 
              estiver mais avançada teremos muito material para estudos 
              paralelos", acrescenta Visintin. 
            Legislação 
            Rumpf 
              lembra que as experiências feitas com animais são permitidas 
              pelas normas estabelecidas pela Comissão Técnica Nacional 
              de Biosegurança (CTNBio), mas acredita que deveria haver 
              uma lei que englobasse todas essas questões, como clonagem, 
              terapia regenerativa e de produção de órgãos 
              em animais, de forma a que não haja nenhuma proibição 
              a qualquer pesquisa nessa área. 
            "Pesquisa 
              não pode ter limite. Quem vai dizer depois se vai usar é 
              a sociedade", afirma Visintin preocupado com possíveis 
              restrições à pesquisa. "Eu faço 
              clonagem e transgenia, mas não sou eu que vou produzir clone 
              depois, o importante é que vamos poder dizer: isso presta 
              por causa disso e isso não presta por causa disso". 
               
            Para 
              os pesquisadores entrevistados não há nada que justifique 
              a clonagem humana, mesmo porque há outras formas de tratamento, 
              utilizando células multipotentes do próprio organismo 
              e o transplante de órgãos de animais, que supririam 
              a demanda de tratamentos. "Além disso é preciso 
              antes de lançar uma nova tecnologia no mercado, esclarecer 
              a sociedade do que trata a técnica", ressalta Rumpf. 
               
            Eles 
              também concordam que a clonagem em animais deve poder ser 
              usada em massa, mas apenas para animais de qualidade superior. 
            Além 
              da USP e da Embrapa, há grupos de estudos sobre clonagem 
              animal na USP de Pirassununga, e na Universidade Estadual Paulista 
              (Unesp), de Jaboticabal. Estão também se estruturando 
              grupos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na Universidade 
              Estadual Norte Fluminense e na Universidade Federal do Pará. 
            Pesquisa 
              no Brasil 
            Apesar 
              de o Brasil se encontrar próximo aos países desenvolvidos 
              em relação à técnica de clonagem, os 
              pesquisadores entrevistados apontam dificuldades para realizar os 
              experimentos no país.  
            Rumpf 
              afirma que a pesquisa teria que ter maior agilidade para acompanhar 
              o que está sendo feito nos outros países: "Aqui 
              paga-se três vezes mais em função das importações 
              e há grande morosidade para se trazer reagentes".  
            Visintin 
              menciona situações em que perdeu os reagentes por 
              descaso na alfândega brasileira que não manteve o produto 
              sob refrigeração como deveria. "Outra vez tive 
              que solicitar a ajuda do Ministro da Ciência e Tecnologia 
              para que os reagentes fossem liberados rapidamente, nas condições 
              de temperatura adequadas".  
            
            A falta 
              de contratação de pessoal de apoio nas universidade 
              e institutos de pesquisa (que exige que pesquisadores assumam atividades 
              administrativas), a falta de produtos e de dinheiro para equipar 
              adequadamente os laboratórios, dificultam o andamento das 
              pesquisas. Visintin ressalta que os experimentos em seu laboratório 
              vêm recebendo auxílio da Fundação de 
              Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), 
              que garantiu os recursos necessários para a estruturação 
              do laboratório. 
            (S. 
              P.) 
                
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