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             Mercado 
              atacadista de energia pode levar à especulação 
            O 
              setor elétrico brasileiro vive seu terceiro momento. No primeiro, 
              e durante as décadas iniciais do século XX, este setor 
              se caracterizou pela utilização do modelo descentralizado 
              de aproveitamentos locais, tendo havido poucas exceções 
              de caráter mais integrado. Na década de 30, a política 
              nacionalista adotada no país pressupunha que certas atividades 
              de infra-estrutura, entre elas a energia elétrica, por serem 
              extremamente estratégicas para o desenvolvimento do Brasil, 
              eram de competência da União. O avanço federal 
              no setor elétrico, entretanto, só foi significativo 
              a partir década de cinqüenta, com a criação 
              de empresas estatais e da década de sessenta com a instituição 
              da Eletrobrás. 
            Este 
              segundo modelo começou a ser questionado a partir da década 
              de 80, o que gerou o projeto Revise, Revisão Institucional 
              do Setor Elétrico (1987-1989), a partir do qual surgiram 
              novos conceitos como produtor independente, consumidor livre, livre 
              acesso às redes de transmissão e distribuição, 
              além de privatização. 
            A 
              fim de potencializar todas estas transformações desejadas, 
              em dezembro de 1996, a lei n. 9.427 instituiu a Agência Nacional 
              de Energia Elétrica - ANEEL, em substituição 
              ao Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica 
              - DNAEE. A nova agência, vinculada ao Ministério das 
              Minas e Energia, executou o projeto Re-seb, Restruturação 
              do Setor Elétrico Brasileiro (1996-1997), com técnicos 
              e profissionais do setor energético brasileiro, juntamente 
              com uma consultoria internacional. Foi concebido, então, 
              um sistema energético mais aberto, mais dinâmico, e 
              mais atraente para os investidores externos, em oposição 
              ao sistema vertical e monopolista que vigorava no país desde 
              a década de 30. Este é o terceiro modelo energético 
              nacional, tendo sido instituído pela Lei n. 9.648/98.  
            De 
              acordo com este novo modelo, são quatro as atividades ligadas 
              ao setor energético: geração, transmissão, 
              distribuição e comercialização, sendo 
              a competição própria da geração 
              e da comercialização. A mesma lei criou também 
              o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e o Mercado 
              Atacadista de Energia Elétrica (MAE), além de normatizar 
              o processo de privatização. 
            O 
              ONS é responsável pela coordenação e 
              controle da geração e transmissão de energia 
              elétrica nos sistemas interligados Sul/Sudeste/Centro-Oeste 
              e Norte/Nordeste e é um agente de direito privado, estando 
              sujeito à autorização pela ANEEL. O MAE (regulamentado 
              pelo decreto n. 2.655, de 02/07/1998), pressupõe uma assembléia 
              geral (agentes de produção e de consumo), um comitê 
              executivo (11 representantes eleitos por categoria produção 
              e 11 representantes eleitos por categoria consumo) e um braço 
              operacional, o Agente Administrador de Serviços (ASMAE), 
              para detalhar as regras e gerenciar o processo de compra, venda, 
              contabilização e liquidação de energia 
              no curto prazo, assim como para garantir a volatilidade dos preços 
              e uma eficiente coleta e tratamento de informações. 
              Todos estes mecanismos foram criados para garantir a transparência 
              do processo de formação de preços e permitir 
              que a sociedade possa avaliar a eficiência dos agentes econômicos 
              envolvidos. 
            Os 
              objetivos declarados da implementação e consolidação 
              do mercado atacadista de energia elétrica foram, basicamente, 
              a garantia de maior competição e, consequentemente, 
              o benefício de preço ao consumidor final, além 
              de benefícios para os investidores. A questão da competição 
              sempre se revestiu de uma importância crucial, tanto que, 
              na reunião da APINE de 1999, o então Secretário 
              de Energia do Ministério das Minas e Energia, Benedito Aparecido 
              Carraro, afirmou que a competição deveria realmente 
              ser implantada até 2003, pois se o sistema elétrico 
              brasileiro, a partir desse ano, não estivesse equilibrado 
              em termos de oferta e demanda, o modelo estaria acabado. No entender 
              do secretário, o crescimento da oferta era um elemento importante 
              para se implantar a livre competição, principalmente 
              considerando-se as metas do Governo no Plano Plurianual, o PPA, 
              que previa o crescimento do mercado em quase 18% até 2002. 
            "Coloca-se 
              essa meta como 1.º de janeiro de 2003 porque se tem certeza 
              de que, antes da descontratação dos contratos iniciais, 
              esse sistema tem que estar operando e essa é a data inflexível.", 
              afirmou Eduardo Bernini, presidente do comitê executivo do 
              MAE, em setembro de 1999 (leia). 
              Ou como se pode ler no site da ANEEL: "As of 2003, the initially 
              contracted volumes of electricity will be gradually reduced at a 
              rate of 25% a year and released for new contracts governed by the 
              market" (Note of clarification on Aneel resolution n. 022/2001, 
              6 February 2001: leia) 
            Esta 
              data, 2003, é também a data limite para a redefinição 
              do grau de avanço do consumidor livre, inclusive dos consumidores 
              residenciais, de acordo com o diretor geral da ANEEL, José 
              Mário Miranda Abdo, no encontro da APINE de 1999. 
            Portanto, 
              o Brasil vem planejando, com detalhes e há mais de dez anos, 
              o seu setor elétrico e, mesmo assim, encontra-se hoje em 
              plena crise energética e racionamento, ou seja, "redução 
              compulsória no consumo de energia elétrica pelos consumidores, 
              decretada pelo Poder Concedente" (Acordo do Mercado Atacadista 
              de Energia Elétrica, título I, 1998). 
            E, 
              em meio a toda esta situação, existem ainda questões 
              ainda não devidamente equacionadas e que deixam margem à 
              especulações das mais diversas ordens. 
            No 
              dia 6 de junho do corrente ano, técnicos da Companhia Energética 
              de Minas Gerais, CEMIG, fizeram, em Belo Horizonte, uma demonstração 
              de como funciona o sistema energético brasileiro, tendo também 
              apresentado uma série de críticas e sugestões 
              para o enfrentamento da crise. 
            Na 
              ocasião, o Dr. Gui Vilela, vice-presidente da empresa, alertou 
              todos os presentes para o alto preço do MWh cotado pelo MAE 
              - R$ 680,00, em oposição ao valor que havia sido comercializado 
              pela Cemig na mesma ocasião - R$ 110,00. "Qual a 
              atividade econômica que pode adquirir energia a esse preço 
              extraordinário para poder utilizar de uma forma econômica? 
              Não se consegue imaginar uma coisa destas. Isto é 
              um artifício de raciocínio ou de aritmética 
              sem qualquer base real, prática ou praticável." 
              disse ele. E acrescentou: "Nós temos aqui um consumidor 
              eletrointensivo que nos compra energia a R$ 55,00 o MWh e que se 
              dispôs a deixar de usar esta energia e nós a recompramos 
              pelo dobro do preço, para disponibilizar. Mas parece um absurdo... 
              Mas na realidade isto já é um esforço extraordinário 
              para encarar uma crise dessas. Agora, colocar R$ 680,00, quase R$ 
              700,00, isto é abafar o mercado."  
            O 
              vice-presidente da Cemig lembrou ainda que tudo isto pode levar 
              muitas empresas, como tem sido noticiado pela imprensa, "a 
              deixar de produzir, para passar a comercializar e especular com 
              a energia.. É uma palavra forte, mas é a realidade. 
              Então, desemprego, não paga tributo, deixa de fazer 
              produção econômica e vai intermediar energia. 
              É claro, se foi permitido isto não é um crime." 
              Esta comercialização, especulação, intermediação 
              será feita nos leilões, que são partes de um 
              "processo perverso, perigosíssimo, não recomendável 
              para ser instituído em um momento de crise."  
            Contrapondo 
              a toda essa argumentação, o jornalista Pedro Lobato, 
              da Gazeta Mercantil, levantou questionamentos sobre um hipotético 
              empresário que tivesse sobra de energia e quisesse vendê-la. 
              Será que ele se disporia a vendê-la a R$ 110,00 pela 
              Cemig ou a R$ 680,00 pelo MAE? E o jornalista completou enfaticamente 
              a sua fala: "Se eu fosse ele, eu vendia pelo MAE". 
            O 
              Dr. Gui Vilela e o jornalista Pedro Lobato estavam, nas suas falas, 
              raciocinando como mercado empresarial. E é em termos de mercado 
              empresarial que é preciso considerar que a maior abrangência 
              do MAE pode sinalizar para que seus preços se imponham sobre 
              os da Cemig. E não se pode dizer que este é um cenário 
              inverossímil, principalmente se considerarmos que no dia 
              25 de junho deste ano, no primeiro leilão de energia da Bovespa, 
              foram vendidos 100 MWh, ao preço de R$ 595,00/MWh. No segundo 
              dia, foram negociados 540 MWh a R$ 597,00/MWh, valores crescentes 
              e muito próximos daquele que foi questionado na reunião 
              do dia 6 de junho, em Belo Horizonte. 
            Certamente 
              este aumento terá reflexos, em algum momento, nas contas 
              de todos os milhões de brasileiros consumidores residenciais. 
              O que resta saber é quanto significará este reflexo, 
              ou seja, quantas vezes a energia elétrica ficará mais 
              cara, apesar do fato da redução de preços ao 
              consumidor final ser considerada uma conseqüência natural 
              da competição e do livre comércio. Com os atuais 
              valores fica difícil visualizar este cenário promissor 
              previsto pelos idealizadores do modelo energético brasileiro 
              em implementação. 
               
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