Caos e a Mecânica Quântica
   
 
O salto cântico da Física:
Carlos Vogt
Física Quântica, o que é e para que serve:
Almir Caldeira

Ondas estacionárias circulares:
Luís Ferraz Netto

A interpretação da Mecânica Quântica:
Silvio Seno Chibeni

A Física no final do séc. XIX:
Roberto Martins

Max Planck e o início da teoria quântica:
Jean-Jacques de Groote
Teoria Quântica:
Jean-Jacques de Groote

A descoberta da estrutura atômica:
Afonso de Aquino

Caos e Mecânica Quântica:
Ozorio de Almeida e Raúl Vallejos
Digressões sobre a importância da Ciência Básica:
Peter Schulz e Marcelo Knobel

Dos transistores aos computadores:
Anna Paula Sotero

Quântica e a ciência dos materiais:
Alexandre Barros

O laser e a pesquisa básica:
Elza Vasconcellos

Consciência quântica ou consciência crítica?:
Roberto Covolan

Mecânica quântica e interpretação na mídia:
Ulisses Capozoli

Einstein e a Mecânica Quântica:
David Martinez

Poema
 

Alfredo Miguel Ozório de Almeida
Raúl Oscar Vallejos

A descoberta de que a maioria dos movimentos na mecânica clássica é extraordinariamente sensível ao estado inicial do sistema teve origem nos trabalhos de Poincaré sobre a mecânica celeste, há mais de um século. Com o uso do computador, foi possível verificar a generalidade deste "movimento caótico", para os mais variados sistemas, tais como modelos para o clima da Terra.

Entretanto, a dinâmica de sistemas microscópicos, como grandes moléculas, só é aproximada pela mecânica clássica . Sua descrição correta exige a mecânica quântica. Qual é o comportamento quântico de um sistema que seria caótico se tratado classicamente?

Figura 1 - Trajetória de uma bola em uma mesa de bilhar retangular sem caçapas.

Para se entender alguns dos problemas mais profundos da Física, às vezes o melhor caminho passa por analogias divertidas. Assim um dos sistemas mecânicos mais simples a apresentar caos é o do jogo de bilhar. O movimento de só uma bola em uma mesa retangular (sem caçapas) não é caótico. Como mostra a figura 1, o movimento geral da bola neste caso terá sempre a mesma direção depois de quatro colisões com a borda da mesa. Uma pequena alteração na posição inicial da bola levará a um desvio de sua trajetória que cresce lentamente. Duas trajetórias inicialmente paralelas permanecerão sempre paralelas.

Figura 2 - Fixando uma segunda bola à mesa obtemos o bilhar de Sinai. A segunda bola desfocaliza as trajetórias da primeira gerando um movimento irregular ou caótico.

A presença de uma segunda bola alterará fundamentalmente o movimento da primeira. Mesmo que simplifiquemos o jogo prendendo uma bola no meio da mesa (como sugeriu o matemático russo Y. Sinai), seu efeito será de desfocalizar as trajetórias da outra bola, como mostra a figura 2. Podemos considerar que o papel da segunda bola é meramente o de alterar a forma do bilhar (que passou a ter uma borda interior). Este é um exemplo particular de bilhares caóticos.


Em geral, um bilhar qualquer, mesmo com uma forma pouco irregular, será caótico (veja figura 3). A desfocalização das trajetórias é a característica principal do caos na mecânica clássica.

Figura 3 - Se adicionarmos duas partes semicirculares ao bilhar retangular obtemos o chamado bilhar de Bunimovich, um bilhar caótico muito popular na comunidade do caos quântico. Aqui o caos é devido ao efeito desfocalizador dos arcos circulares.

Quando falamos em focalizar, pensamos em raios de luz, antes de imaginar trajetórias. Em geral, estamos, na prática, interessados na trajetória única de uma dada partícula, enquanto que a luz que vemos é descrita como o efeito coletivo de muitos raios. A razão é que lidamos de fato com uma onda, da qual a ótica geométrica é apenas uma descrição aproximada. Hamilton mostrou no século passado que podemos usar a mesma estrutura matemática para descrever, tanto os raios da ótica geométrica, quanto as trajetórias da mecânica clássica. Essa analogia permitiu que de Broglie e Schrödinger criassem a mecânica quântica, ondulatória.

O problema quântico correspondente ao jogo do bilhar clássico é o de saber quais ondas cabem nas formas das figuras 1, 2 ou 3. O melhor é pensar nas vibrações de um tambor, cujo contorno tenha a mesma forma da mesa de bilhar. O som que ouviremos em cada caso será decomposto em movimentos ondulatórios da membrana do tambor, cada qual vibrando com uma freqüência diferente. Será que podemos "ouvir a forma de um tambor''? Esta é uma das questões iniciais no estudo do caos quântico, formulada pelo matemático norte-americano Kac. Em outras palavras, sabemos que a cada forma corresponde uma única seqüência (ou espectro) de freqüências de vibração, uma vez dada a tensão da membrana do tambor. Será que o conhecimento dessas freqüências determina unicamente a forma do tambor?

Figura 4 - Um dos modos de vibração de um tambor retangular. A figura representa o relevo da membrana do tambor fotografado em um dado instante. Observe que o padrão é completamente regular.

Um dos resultados mais importantes da teoria do caos quântico se refere às propriedades do espectro de freqüência de um sistema classicamente caótico, como os bilhares das figuras 2 e 3. A conjectura de Bohigas é que neste caso é muito menos provável haver duas freqüências de vibração quase iguais, do que no caso de um sistema regular, tal como na figura 1. A explicação deste fato em termos das trajetórias clássicas foi fruto do trabalho, nos anos 80, de Berry e Hannay, na Inglaterra, e Ozorio de Almeida, atualmente no CBPF.

Figura 5 - Um modo de vibração de um tambor com a forma do bilhar de Bunimovich. O relevo da membrana não apresenta regularidade alguma, exceto as simetrias (figura cedida por D. Wisniacki, CNEA, Buenos Aires).

Além de explicar propriedades mais definidas do espectro de freqüência dos sistemas quânticos, os trabalhos em caos quântico procuram entender a estrutura de cada estado, ou seja, a estrutura do relevo da membrana do tambor fotografado em um dado instante quando este vibra com uma única freqüência. De novo, a forma da borda determina este relevo e a distinção principal está no movimento do bilhar correspondente ser, ou não, caótico. Nas figuras 4 e 5, vemos exemplos de vibrações, respectivamente regular e caótica.

Figura 6 - Microfotografia de um ponto quântico, transistor de dimensões menores que um micron. As partes claras são os eletrodos que definem as bordas deste bilhar diminuto. A curva indica a trajetória hipotética de um elétron atravesando o transistor. (A fotografia foi tirada no Laboratório "Marcus" de Física Mesoscópica da Universidade de Harvard.)

Fora os jogadores de bilhar e os bateristas de escola de samba, quem mais poderia ter interesse no caos quântico? Entre muitas aplicações da teoria, destaca-se a tecnologia de nano-estruturas em semicondutores. Os "pontos quânticos" minúsculos que a nano-engenharia produz para aprisionar um pequeno número de elétrons, são o ponto de partida para futuras gerações de dispositivos eletrônicos. Suas formas podem ser alteradas exatamente como os tambores e bilhares que usamos como exemplo. Os transistores atuais, de enormes dimensões em comparação com os pontos quânticos, podem ser considerados como sistemas clássicos. Em contraposição, as propriedades dos futuros dispositivos terão de ser entendidos dentro da teoria do caos quântico.

 


Alfredo Miguel Ozorio de Almeida e Raúl Oscar Vallejos pertencem ao Grupo de Caos Quântico do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF)

 

   
           
     

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Atualizado em 10/05/2001

   
     

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