| Biopirataria 
              é difícil de ser contida   A Floresta 
              Amazônica detém uma das maiores diversidades biológicas 
              do país e, por manter áreas inexploradas e desconhecidas, 
              é um dos principais alvos das indústrias, interessadas 
              nas informações genéticas de animais e plantas. 
              A exploração ilegal de recursos naturais - animais, 
              sementes e plantas de florestas brasileiras e a apropriação 
              e monopolização de saberes tradicionais dos povos 
              da floresta, visando lucro econômico, caracteriza a biopirataria. 
              Atualmente o termo biopirataria vem sendo modificado pela Organização 
              Mundial de Propriedade Intelectual (Ompi) para biogrilagem 
              que se refere a atos de apropriação do conhecimento 
              tradicional. Não aborda, portanto, a apropriação 
              das informações genéticas de plantas e animais. 
              O termo é pouco utilizado e ainda não se encontram 
              documentos que o utilizem. O Coordenador Geral de Pesquisas do Instituto 
              Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Efrem Jorge Gondim 
              Ferreira, analisa o termo biopirataria de outra maneira. Ele explica 
              que não existe só uma definição, "os 
              técnicos entendem de um jeito e os políticos de outro, 
              é difícil definir biopirataria, pois o termo não 
              existe legalmente".  A autora 
              indiana Vandana Shiva classificou a biopirataria - em seu livro 
              Biopirataria. A pilhagem da natureza e do conhecimento - 
              como a segunda chegada de Colombo. Segundo ela, o movimento de apropriação 
              é semelhante ao saque de recursos naturais realizado na época 
              das descobertas. "As patentes de hoje têm uma continuidade 
              com aquelas concedidas a Colombo... Os conflitos desencadeados pelo 
              tratado do GATT (Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio, na 
              sigla em inglês), pelo patenteamento de formas de vida e de 
              conhecimentos indígenas e pela engenharia genética, 
              estão assentados em processos que podem ser resumidos e simbolizados 
              como a segunda chegada de Colombo", diz a autora.  
              
                | 
                     
                      | O 
                        caso Bioamazônia A 
                          Associação Brasileira para o Uso Sustentável 
                          da Biodiversidade da Amazônia (Bioamazônia) 
                          criada por decreto 
                          presidencial e qualificada como organização 
                          social, foi constituída com o propósito 
                          de desenvolver pesquisas na Amazônia, em colaboração 
                          com Universidades e Institutos de Pesquisa brasileiros, 
                          criando tecnologia que seria implantada na região 
                          amazônica. Assinado o acordo com a empresa multinacional 
                          suíça Novartis Pharma AG, esta passava 
                          a ter o direito de requerer e manter a proteção 
                          de patentes. O contrato entre a Bioamazônia e 
                          a Novartis permitia a exploração, pela 
                          Novartis, de microorganismos como matéria prima 
                          para a elaboração de novos produtos farmacêuticos. 
                          Este acordo causou muitos protestos entre parlamentares 
                          e pesquisadores, inclusive do ex-ministro do Meio Ambiente, 
                          José Sarney Filho, que considerou o acordo lesivo 
                          para os interesses do país, recomendando a suspensão, 
                          pois o país não tinha uma legislação 
                          específica que garantisse a soberania sobre seus 
                          próprios recursos genéticos. O acordo 
                          foi suspenso pelo Ministério do Meio Ambiente. |  |  No 
              Brasil, dois casos são exemplares. O primeiro envolve a multinacional 
              japonesa Asahi Foods, que patenteou o nome cupuaçu. 
              O outro, o caso da Bioamazônia, empresa que concedeu - e depois 
              retirou, por pressão pública - à farmacêutica 
              suíça Novartis o direito exclusivo de exploração 
              e patenteamento da diversidade biológica da floresta amazônica. 
              "Essas noções eurocêntricas de propriedade 
              e pirataria são as bases sobre as quais as leis de Direito 
              de Propriedade Intelectual (DPI) do GATT e da Organização 
              Mundial do Comércio (OMC) foram formuladas", diz Vandana 
              Shiva.  A advogada 
              do Departamento de Patrimônio Genético do Meio Ambiente, 
              Teresa Cristina Moreira explica que o que têm se compreendido 
              como biopirataria "é a apropriação, em 
              grande parte das vezes por meio de Direitos de Propriedade Industrial 
              (como as patentes), de componentes do patrimônio genético 
              - em sua maioria na forma de moléculas ou extratos - ou de 
              conhecimentos tradicionais a eles associados". Entretanto, 
              esse tipo de ação ainda não está caracterizado 
              como crime pela lei brasileira. "Segundo os princípios 
              gerais do direito, não existe crime sem lei anterior que 
              o defina", diz. A este respeito encontra-se em tramitação 
              no Congresso Nacional o Projeto de Lei 7211/2002, que tem como objetivo 
              acrescentar artigos à Lei de Crimes Ambientais (Lei 9605/98) 
              que tratem justamente de ações como o acesso, uso 
              e remessa ilegal do patrimônio genético brasileiro 
              e dos conhecimentos tradicionais associados. Enquanto isso, já 
              se encontram em vigor as sanções administrativas previstas 
              pelo artigo 30 da Medida Provisória 2.186-16 de 23 de agosto 
              de 2001 - que têm como objetivo regulamentar parte das disposições 
              da Convenção 
              sobre Diversidade Biológica e dispõe sobre o acesso 
              ao patrimônio genético, proteção e acesso 
              ao conhecimento tradicional associado. Entre as sanções 
              previstas pela MP estão multas que podem variar de R$ 10 
              mil a R$ 50 milhões (quando a infração é 
              cometida por pessoa jurídica) e a apreensão das amostras 
              e equipamentos utilizados. Entre 
              os casos de biopirataria na Amazônia, o do último dia 
              17 de fevereiro chamou a atenção pelo avanço 
              técnico dos métodos utilizados. Os alemães 
              Tino Hummel, 33, e Dirk Helmut Reinecke, 44, foram presos no aeroporto 
              de Manaus tentando embarcar com peixes amazônicos que têm 
              a comercialização proibida. Com um tipo de alumínio 
              inexistente no Brasil os alemães revestiram seis caixas de 
              isopor que continham espécies de peixes. Isso impediu que 
              a máquina de raios-X do aeroporto detectasse o material. 
              O flagrante aconteceu quando a Polícia Federal (PF) desconfiou 
              da quantidade de itens da bagagem dos dois e abriu as caixas, encontrando 
              280 peixes de 18 espécies diferentes. José Leland 
              Barroso, Gerente Executivo Regional do Instituto Brasileiro do Meio 
              Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) explica que 
              o tipo de embalagem e os cuidados que os biopiratas tiveram indica 
              que o objetivo era formar plantéis de animais aquáticos 
              para comercialização na Alemanha. "Alguns desses 
              animais ainda nem eram catalogados", explica. Os alemães 
              foram presos sob a acusação de biopirataria e contrabando, 
              pois havia nas caixas três espécies cuja comercialização 
              só é permitida com a autorização do 
              Ibama. O coordenador 
              de pesquisas do Inpa, Efrem Ferreira, explica que outro problema 
              é a grande quantidade de peixes ornamentais que são 
              exportados legalmente pelo Ibama. "O Ibama tem uma lei que 
              permite a exportação de algumas espécies de 
              peixes, só que não existe no mundo um especialista 
              que consiga identificar, através de um saco plástico, 
              as espécies de peixes ornamentais que são exportadas", 
              comenta. José 
              Barroso, gerente regional do Ibama, explica que é difícil 
              combater a biopirataria, pois a atividade é muito sutil e 
              a tecnologia dos biopiratas supera a do Ibama. "O Ibama não 
              dispõe de homens nem de tecnologia suficiente". O combate 
              à biopirataria é feito diretamente pelo Ibama (que 
              tem poder de polícia) e pela Polícia Federal, contando 
              ainda com algumas ações da Infraero. "Se colocássemos 
              todos os homens que temos para fiscalizar, ainda assim teríamos 
              dificuldades", diz. Para transportar o material que interessa 
              às indústrias farmacológicas, ou seja, cepas, 
              pêlos, gotículas de venenos e sementes, não 
              são necessários grandes equipamentos, basta um frasco 
              e o biopirata passa livremente em qualquer aeroporto. Outro 
              problema é a extensão da fronteira. Barroso, que esteve 
              há poucos dias na fronteira Brasil, Peru, Colômbia 
              e no estado do Amazonas, conta que navegou dias sem encontrar uma 
              pessoa. "Isso cria a possibilidade de qualquer biopirata entrar 
              na Amazônia e tirar amostras de solo, amostras minerais, botânicas 
              e zoológicas e ir embora sem o menor problema".  Faltam 
              pesquisadores na AmazôniaPara Ferreira, do Inpa, só o conhecimento sobre nossa biodiversidade 
              pode barrar a ação dos biopiratas. "A Amazônia 
              não é só o Brasil, embora a maior parte esteja 
              em território brasileiro, animais não respeitam fronteiras", 
              diz. Grande parte da fauna e flora encontradas no Brasil podem ser 
              encontradas no Peru, Bolívia e Guiana. "Então 
              se não estudarmos nossa biodiversidade, se não gastarmos 
              dinheiro para conhecer o que temos, os países desenvolvidos 
              entrarão em colaboração com países que 
              também têm diversidade biológica e pegarão 
              as informações. Essa é a verdade. Não 
              é lei que vai resolver nosso problema, mas sim o conhecimento".
 Ferreira 
              acredita que a expansão da biopirataria é um importante 
              indicador da falta de investimentos em pesquisa na Amazônia. 
              Para ele, parte importante da resolução do problema 
              passa pela melhoria das condições (incluindo salários) 
              dos pesquisadores na região Norte do país. "Vir 
              trabalhar aqui e ganhar três mil reais por mês com o 
              título de doutor? O cara não vem", diz. O 
              caso cupuaçuA ONG Amazonlink foi quem primeiro teve conhecimento sobre o patenteamento 
              do cupuaçu pela multinacional japonesa. Michael F. Schmidlehner, 
              presidente da ONG, disse que o primeiro contato com o assunto aconteceu 
              em novembro de 2002, quando foram enviadas algumas amostras de cupuaçu 
              para a Alemanha para saber se a fruta estava sendo comercializada 
              na Europa. Assim, foi descoberto que o nome cupuaçu tinha 
              sido registrado como marca nos EUA, Europa e Japão. E a mesma 
              empresa fez o pedido de registro de patente do processo de extração 
              do óleo da semente do cupuaçu, que faz o cupulate, 
              chocolate de cupuaçu. O cupulate tem propriedades nutricionais 
              melhores do que o chocolate feito do cacau. O problema é 
              que a Embrapa já patenteou esse mesmo processo em 1990 (Veja 
              documento). 
              Porém, o registro da patente da Embrapa é válido 
              apenas para o território nacional, não servindo como 
              patente internacional.
 O presidente 
              da ONG informa que é possível protestar contra os 
              registros do cupuaçu através de um formulário 
              on line, disponível no site da Amazonlink.org. 
              O objetivo da campanha não é apenas combater os registros 
              existentes sobre o Cupuaçu, mas todos os registros de marcas 
              e patentes, que comprometem o desenvolvimento sustentável 
              na Amazônia (açaí, copaíba, andiroba, 
              ayahuasca). Ainda, pretende-se, com a campanha, criar propostas 
              de leis que previnam tais registros, além do desenvolvimento 
              de um trabalho educacional com as comunidades locais. A advogada 
              do Departamento de Patrimônio Genético do Meio Ambiente 
              explica que o caso do cupuaçu, amplamente divulgado pela 
              imprensa nacional como um caso de biopirataria, torna-se interessante 
              para que se esclareçam confusões conceituais e legais. 
              "Não poderíamos dizer que a multinacional Asahi 
              Foods cometeu crime de biopirataria, pois não há uma 
              lei específica. Isso não significa que a empresa tenha 
              agido de forma correta" diz. Marca e patente não são 
              coisas iguais. Em termos gerais, a marca é um sinal distintivo 
              que pode ser registrado desde que não haja outra marca idêntica 
              anteriormente registrada num determinado território, enquanto 
              a patente depende do atendimento de três requisitos básicos 
              para a sua obtenção - novidade, atividade 
              inventiva e aplicação industrial. Os 
              dois dão ao seu detentor o direito de exclusividade sobre 
              a marca ou sobre o produto ou processo patenteado. O problema envolvido 
              no caso da Asahi Foods, é que, no caso, a marca se confunde 
              com um ingrediente do produto, uma vez que a marca foi associada 
              a produtos alimentícios e cosméticos que têm 
              como ingrediente o cupuaçu, e isso gerou um problema para 
              a exportação dos produtos a base do cupuaçu 
              para os países onde a marca se encontra registrada. "A 
              marca já está sendo contestada judicialmente no Japão 
              pelo Grupo de Trabalhos Amazônicos (GTA), que representa cerca 
              de 513 ONGs e pequenos produtores da região amazônica" 
              conta a advogada. No 
              caso da patente sobre o processo de fabricação do 
              cupulate, existe o depósito de um pedido de patente em nome 
              da Embrapa junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial 
              (INPI), órgão responsável pela concessão 
              de Direitos de Propriedade Industrial no Brasil. No campo das patentes, 
              vigora também a questão da anterioridade. No caso 
              do cupulate, ao que parece, não se concretizou a anterioridade 
              da patente da Embrapa. Segundo o presidente da ONG Amazonlink, a 
              Embrapa teria o direito da patente apenas em território brasileiro, 
              pois não teria feito o pedido internacionalmente. "É 
              nesse sentido que a Amazonlink está trabalhando para que 
              o pedido de patente do cupulate, feito pela Asahi Foods, não 
              seja concedido" diz. Quanto 
              à apropriação de conhecimentos tradicionais, 
              é preciso averiguar se o processo patenteado é idêntico 
              ao processo tradicional existente ou se houve alguma inovação 
              pela Asahi Foods. Caso se confirme a coincidência com o processo 
              tradicional ou a anterioridade da patente da Embrapa, a patente 
              concedida à multinacional também poderá ser 
              contestada, pois ficará demonstrada a falta ou de novidade 
              ou de atividade inventiva por parte da empresa. No entanto, é 
              preciso estar atento aos prazos para essas contestações, 
              tendo em vista que, dependendo da legislação de cada 
              país, existe um tempo a partir do qual esses direitos de 
              propriedade industrial não poderão mais ser contestados. A advogada 
              conta que, para a prevenção de casos como esses, tem 
              se buscado, nacional e internacionalmente, condicionar a concessão 
              de Direitos de Propriedade Intelectual (industriais ou autorais) 
              à indicação da origem do recurso (material 
              ou imaterial) que originou aquele produto ou processo. Ou seja, 
              o solicitante ficaria obrigado a demonstrar: o local onde aquele 
              recurso foi acessado; a comprovação de que obteve 
              o consentimento prévio e informado do provedor daquele recurso; 
              a garantia de repartição dos benefícios derivados 
              do uso desse recurso. Nesse sentido, o Brasil, juntamente com outros 
              países megadiversos, tem batalhado no âmbito da OMC 
              para modificações no Acordo sobre Direitos de Propriedade 
              Intelectual Relacionados ao Comércio (acordo Trips, sigla 
              em inglês). Além das modificações legais, 
              também é preciso estabelecer sistemas de cooperação 
              entre os escritórios internacionais de patentes e marcas, 
              de forma a oferecer adequadamente informações sobre 
              solicitações que envolvem componentes da biodiversidade 
              ou conhecimentos tradicionais associados.
 (AG) 
              
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