Reportagens






 
A pesquisa científica e a lei de acesso aos recursos biológicos

Ana Lúcia Delgado Assad
Paulo José Péret de Sant' Ana

A existência de grande diversidade biológica no Brasil, o torna um potencial gerador de conhecimento e de produtos derivados do uso desta biodiversidade. Contudo, se faz necessário a implantação de um eficiente arcabouço legal que permita regulamentar as relações entre a pesquisa científica e o mercado, no escopo das atividades de prospecção da biodiversidade - bioprospecção.

Em termos gerais, a bioprospecção é a exploração da diversidade biológica por recursos genéticos e bioquímicos de valor comercial e que pode fazer uso do conhecimento de comunidades indígenas ou tradicionais. Esta atividade além de incluir atores oriundos do setor produtivo, inclui ainda aqueles oriundos de empresas de biotecnologia, de instituições de ensino e pesquisa, de comunidades indígenas e tradicionais e por fim, mas não menos importante, os diversos atores oriundos do governo.

No entanto, as atividades de bioprospecção expressam as especificidades estruturais dos países biologicamente ricos, a saber: o aparato jurídico-institucional para a conservação e uso sustentável da biodiversidade; a competência científico-tecnológica para o desenvolvimento de produtos a partir da biodiversidade; e a infra-estrutura para conservação in situ e ex situ desses recursos.

Embora existam esforços de algumas instituições de ensino e pesquisa, em parceria com laboratórios privados para a P,D&I, que possuem por objeto central o desenvolvimento de novos produtos ou a agregação de valor à diversidade biológica, tais empreendimentos poucos resultados lograram para disponibilizar ao mercado consumidor um novo produto, com incorporação de tecnologias de fronteiras. Via de regra, fazer P,D&I no país raramente está associado a empresas, o que torna tais atividades de difícil consecução. Essa situação está associada à dificuldade de, por um lado, a universidade passar os resultados de suas pesquisas para o setor produtivo e este, por sua vez, de buscar a competitividade por meio de pesquisa e desenvolvimento.

Além dessas dificuldades associadas à pesquisa no Brasil voltada ao uso econômico da biodiversidade, adiciona-se uma legislação complexa e de pouca repercussão, principalmente no escopo de uma atividade de bioprospecção para harmonizar assimetrias entre diferentes atores com interesses e vocações próprias, do ponto de vista da legalidade de suas ações e contratos.

Até o lançamento da Medida Provisória 2052 de 29 de junho de 2000 (atual MP 2186-16) a legislação brasileira tanto a que trata da proteção do meio ambiente, quanto aquelas leis e normas relacionadas a patentes, que poderiam cercar de maneira mais satisfatória a comercialização dos recursos biológicos do país, eram ineficientes no trato ao acesso aos recursos genéticos ou no incentivo ao desenvolvimento sustentável da biodiversidade brasileira.

Inexistia, até a edição da atual Medida Provisória, qualquer norma legal, específica com relação ao combate à biopirataria, e no ordenamento jurídico, quanto ao acesso e uso da diversidade biológica, exceção feita a alguns decretos e portarias que regulam a realização de expedições científicas por estrangeiros no território nacional, porém de curto alcance.

No entanto, depois da edição da Medida Provisória 2052 (atual MP 2186-16), devido à severidade das regras impostas, várias instituições internacionais suspenderam ou diminuíram suas atividades de P&D no Brasil, em função das ameaças levantadas pela referida MP. É no mínimo irônico que o Brasil, sendo um líder mundial em diversidade biológica, atravessando uma fase ascendente quanto à produção científica nessa área esteja ameaçado de ver tal esforço interrompido.

É evidente que as nações modernas não podem viver dentro de um horizonte liberal de circulação de informações sobre o patrimônio natural e genético, à medida que esse patrimônio é utilizado para fins comerciais e financeiros importantíssimos no mundo globalizado. É necessário que haja mecanismos de defesa sensíveis às condições da pesquisa autóctone que, não raro, inclui interação internacional, implicando na circulação de material biológico e genético.

Até que tal matéria se consubstancie em uma legislação consistente e aplicável, as atividades de bioprospecção estarão em um limbo, sempre à sombra da ilegalidade, sob a ameaça de serem consideradas como biopirataria, pondo em evidência e reforçando as assimetrias existentes entre os diferentes atores que poderiam ser minimizadas na existência de uma legislação condigna.

Serão necessárias medidas políticas que possam oportunizar consorciamentos entre os atores das esferas acadêmica e produtiva, bem como força política na Câmara dos Deputados, para que as imprecisões que tornam a atual Medida Provisória de difícil aplicação sejam sanadas por intermédio um substitutivo ao atual instrumento legal.

Por outro lado, o apoio à pesquisa científica realizada nas instituições de ensino e pesquisa e nas empresas deve continuar e ser fortalecido, bem como a implementação de instrumentos destinados à construção da cooperação e de parcerias entre os diferentes atores. Da mesma forma, capacitar recursos humanos e expandir a infraestrutura das instituições de ensino e pesquisa deve ser uma atividade contínua, assim como fortalecer aquelas instituições que atuam na conservação da biodiversidade, principalmente na conservação ex situ.

Nossos bancos de germoplasma, herbários, coleções de microorganismos, coleções zoológicas, dentre outros, devem ter um tratamento diferenciado, pois cabe a instituições que executam esses serviços de "arquivamento", a manutenção em longo prazo de nossa grande riqueza ainda a ser mais bem explorada economicamente, que é a biodiversidade. Cabem também a essas instituições responder por alguns dos itens especificados na MP, o referente ao "arquivamento" de uma amostra nos bancos e coleções nacionais. Para tanto se faz necessário a existência de pessoal qualificado, condições de conservação, manutenção de pesquisas neste tema, com a utilização das mais modernas técnicas para identificação, caracterização e conservação desses recursos, dentre outros aspectos.

Os itens apontados acima fazem parte de um rol de questões que ainda necessitam ser equacionadas para o tratamento adequado da matéria, que vão muito além dos aspectos legais. As atividades de bioprospeção no país, para que obtenham o sucesso adequado, terão que, necessariamente, ser desenvolvidas por meio de uma parceria entre os diversos atores. É isto que se espera no atual processo.

Ana Lúcia Delgado Assad é economista, doutora em Política Científica e Tecnológica pela Unicamp, analista em C&T do CNPq.

Paulo José Péret de Sant' Ana é Economista, doutor em Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ, analista em C&T do CNPq.

 
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Atualizado em 10/04/2003
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