Por Leonardo Costalonga Rodrigues
Nos últimos anos, o mercado de drogas ilícitas passou por diversas mudanças, com o surgimento de novas substâncias e diferentes formas de abuso.
As novas substâncias psicoativas (NSPs, do inglês new psychoactive substances) são compostos ou misturas de compostos com atividade psicoativa, obtidos por meio de síntese química em laboratórios clandestinos. Para produzir essas substâncias, são utilizados precursores — isto é, compostos de partida — que podem ter origem natural (como alcalóides extraídos de plantas, por exemplo) ou serem totalmente sintéticos, desenvolvidos em ambiente laboratorial. Esses precursores servem como base estrutural para os produtores de NSPs realizarem leves modificações químicas com o objetivo de produzir novas moléculas que produzem efeitos farmacológicos semelhantes aos das drogas de abuso clássicas. Dessa maneira, driblam as legislações nacionais e convenções internacionais, produzindo substâncias que imitam os efeitos de drogas de abuso tradicionais, mas que não figuram de imediato nas listas de substâncias controladas.
De acordo com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (do inglês, United Nations Office on Drugs and Crime, UNODC), são classificadas como NSPs aquelas substâncias com atividade psicoativa utilizadas como drogas de abuso e, embora representem ameaça à saúde pública, não estão sob controle da Convenção Única sobre Entorpecentes de 1961 e da Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971. Essas substâncias podem ser comercializadas livremente em diversos pontos de venda, como tabacarias, lojas de conveniência e plataformas on-line. Um número significativo das intoxicações associadas ao uso de NSPs ocorre devido ao desconhecimento, por parte do usuário, quanto à real identidade da substância consumida. Isso se deve, em grande parte, à similaridade de sua forma de apresentação com a de drogas de abuso convencionais – como comprimidos, cápsulas e selos –, sendo, muitas vezes, comercializadas como se fossem essas substâncias tradicionais.
As NSPs podem ser classificadas com base em diferentes critérios:
- Efeitos no organismo (mais comumente utilizado);
- Origem;
- Status legal;
- Estrutura química.
Em termos estruturais, as NSPs são agrupadas como:
- Aminoindanos;
- Benzodiazepínicos;
- Análogos de fentanil;
- Lisergamidas;
- Nitazenos;
- Substâncias do tipo fenciclidina;
- Fenetilaminas;
- Fenidatos;
- Fenmetrazinas;
- Piperazinas;
- Substâncias de origem vegetal;
- Canabinoides sintéticos;
- Catinonas sintéticas;
- Triptaminas;
- Outras substâncias.
Com base nessa classificação, algumas substâncias compartilham semelhanças farmacológicas, mas são alocadas em grupos distintos devido às suas estruturas químicas. Análogos de fentanil e nitazenos, por exemplo, são opioides sintéticos com estruturas químicas diferentes. Outra classificação, baseada nos efeitos farmacológicos, agrupa as NSPs em seis categorias principais: agonistas sintéticos de receptores canabinoides, alucinógenos clássicos, estimulantes, agonistas de receptores opioides, sedativos/hipnóticos e dissociativos. No caso dos canabinoides sintéticos, recentemente o termo “agonistas sintéticos de receptores canabinoides” (do inglês, synthetic cannabinoid receptor agonists, SCRAs) tem sido amplamente utilizado como sinônimo.

O uso e a distribuição das NSPs tornaram-se uma preocupação global de saúde pública. Há notificações de suas presenças em 151 países e territórios. Algumas surgem e desaparecem rapidamente, enquanto outras permanecem. O grande número de substâncias classificadas como NSPs, provenientes de diferentes classes químicas e farmacológicas, implica na necessidade de diversos tipos de investigação. Desde o início dos anos 2000, o número de NSPs identificadas aumentou significativamente. Contudo, desde 2018, este número tem se mantido estável. Em 2022, foram identificadas 44 novas substâncias dentre as 609 NSPs disponíveis globalmente e, de 1995 a 2023, o número acumulado de NSPs alcançou 1.240 substâncias. Somente na Europa, mais de 950 NSPs estavam sob monitoramento ao final de 2023, sendo 26 delas notificadas pela primeira vez neste mesmo ano.

Devido à enorme variedade de NSPs e suas estruturas químicas diversas, essas substâncias representam um desafio para cientistas forenses, profissionais de saúde e segurança pública, além de órgãos regulatórios, sendo também um risco para os próprios usuários. O mercado de NSPs evolui e se modifica rapidamente, suscitando preocupações especialmente relacionadas à incerteza quanto à potência, efeitos e perfis metabólicos dessas substâncias, bem como aos riscos associados à saúde pública e individual.
Adicionalmente, considerando que a farmacologia da maioria das NSPs ainda não foi amplamente investigada, problemas adicionais importantes podem ocorrer após seu consumo, sobretudo devido à ausência de doses seguras e à imprevisibilidade de efeitos adversos. Além disso, muitos usuários de NSPs podem ser expostos a essas substâncias de forma inadvertida, já que elas são frequentemente encontradas como adulterantes em materiais contendo outras drogas. Quando um indivíduo é exposto, de forma intencional ou não, a uma NSP cujos mecanismos de ação e efeitos são pouco compreendidos, as investigações clínicas e forenses tornam-se mais desafiadoras. A melhor compreensão dos efeitos farmacológicos ou tóxicos dessas substâncias pode fornecer informações valiosas, inclusive para o manejo de casos de intoxicação.
Desde 2016, o Laboratório de Toxicologia Analítica (LTA) da Unicamp tem pesquisado as NSPs de formas variadas. Dentre os estudos, destaca-se o desenvolvimento de metodologias analíticas para identificação de tais substâncias em matrizes biológicas como sangue, urina, fluido oral e cabelo. Tais metodologias são aplicadas para a investigação de casos de intoxicação atendidos pelo Centro de Informação e Assistência Toxicológica de Campinas, o CIATox. Além disso, a investigação das NSPs em amostras de sangue post-mortem (ou seja, coletadas após a morte do indivíduo) também é realizada.
Por meio do projeto INSPEQT (Investigação de Novas Substâncias Psicoativas em Química e Toxicologia Forense), o LTA atua diretamente no desenvolvimento de estratégias de identificação química de NSPs, tanto na droga bruta apreendida (em suas diversas apresentações) como em amostras biológicas de interesse toxicológico forense. Trata-se de uma iniciativa inédita no Brasil, que reúne esforços de pesquisadores e alunos de pós-graduação da USP e da Unicamp com peritos criminais do Instituto Nacional de Criminalística – Polícia Federal (INC-PF), da Superintendência da Polícia Técnico-Científica do Estado de São Paulo (SPTC-SP) e da Coordenadoria-Geral de Perícias do Estado de Sergipe (CGP-SE). O projeto conta ainda com a colaboração de pesquisadores internacionais do The Center for Forensic Science Research and Education (CFSRE) e do Institute of Emerging Health Professions (Thomas Jefferson University).
Além do INSPEQT, as NSPs são investigadas por meio do projeto Baco (Toxicologia e as Análises Toxicológicas como Fontes de Informação para Políticas Públicas sobre Drogas) com o objetivo geral de desenvolver um sistema de informação utilizando dados obtidos por meio de análises toxicológicas realizadas em amostras de fluido oral coletadas em festas e festivais de música eletrônica de diversas regiões do Brasil. A partir dessas análises, são obtidas informações embasadas sobre o consumo de NSPs e outras substâncias psicoativas no país. Este projeto possibilita a realização de levantamentos detalhados sobre o consumo e as intoxicações associadas a drogas de abuso, proporcionando um panorama abrangente e atualizado da situação no Brasil. Além disso, os dados obtidos são utilizados para informar os participantes sobre as substâncias que realmente consumiram, promovendo maior conscientização e compreensão dos riscos envolvidos.
Por fim, o LTA também tem atuado na investigação dos efeitos tóxicos das NSPs por meio de estudos in vitro, seja pelo uso de células intactas expostas às substâncias de interesse, ou pelo uso de frações subcelulares, como microssomas hepáticos. Além dos modelos in vitro, estudos in vivo também vêm sendo empregados pelo LTA, principalmente com o uso do peixe-zebra (do inglês, zebrafish) como modelo animal. Ambas as abordagens colaboram com a identificação de parâmetros importantes relacionados às NSPs, como doses tóxicas, produtos de biotransformação (metabolismo) e efeitos comportamentais.
Leonardo Costalonga Rodrigues é doutorando em farmacologia e pesquisador do Laboratório de Toxicologia Analítica da Unicamp