Projetos aproximam educação política dos jovens

Por Mayra Deltreggia Trinca e Fernanda Priscilla Capuvilla

Com a chegada das eleições, vários termos e expressões passam a fazer parte dos discursos cotidianos, debates e campanhas. Além de clássicos do âmbito político, como “cadeiras”, “deputados” e “senadores”, nos últimos anos despontaram outras palavras, apresentando significados diferentes a depender do contexto e de quem as fala, como feminismo, marxismo e ideologia.

Nesse contexto, dois projetos de educação buscam aproximar a população do debate político, seja dando acesso ao significado e histórico desses “novos” termos, seja explicando aos jovens como funciona o processo eleitoral e a organização administrativa do país.

Publicado em maio, o livro Termos ambíguos do debate político atual: um pequeno dicionário que você não sabia que existia é organizado por Sônia Corrêa, co-diretora do Observatório de Sexualidade e Política (SPW), em parceria com o programa de pós-graduação em linguística aplicada da UFRJ. O pequeno dicionário traz oito verbetes que se popularizaram nas discussões recentes: ideologia, politicamente correto, marxismo cultural, racismo reverso, cristofobia, patriotismo, ideologia de gênero e feminismo.

O livro surgiu da inquietude de Sônia ao perceber que esses termos estavam presentes em discursos de diversos países. “Quando estudamos isso não só no Brasil, mas no resto do mundo, fica claro que é um repertório comum. Embora parte dos termos possa ter sido criada em alguns lugares e os demais em outros, eles passam a compor esse repertório maior de um vocabulário que é o da direita transnacionalizada”, explica a pesquisadora.

Esses termos são especialmente importantes ao debate político devido à fácil assimilação. São palavras comuns e que a maioria das pessoas já ouviu antes – mas usadas com significados e aplicações diferentes das que constam nos dicionários tradicionais. Para Sônia, esse tipo de desinformação usa estratégias linguísticas muito sagazes, porque se apropria de termos consagrados na pesquisa e na terminologia científicas, mas usados para desqualificar essa mesma produção científica.

Rodrigo Borba, professor da pós-graduação em linguística aplicada da UFRJ, escreveu o verbete “Ideologia de gênero” para o dicionário. Ele aponta que esse tipo de jogo linguístico “simplifica coisas que, em termos conceituais, são muito complexas. E não o fazem porque não entendem, simplificam justamente porque entendem bem, a ponto de usar de forma muito estratégica, selecionando os trechos que serão mais polêmicos”.

A inquietação do professor para participar do projeto foi observar que, ainda que o uso desses verbetes fosse bastante discutido na academia, não estava alcançando a população mais atingida pelo discurso. Por isso a preocupação de que os verbetes fossem escritos de uma maneira compreensível para o público-alvo.

No primeiro momento, o foco eram estudantes de graduação. Depois, o dicionário ganhou uma segunda edição, voltada especialmente para alunos do ensino médio. Os textos explicativos foram reduzidos e assumiram um tom mais narrativo, na tentativa de torná-los atrativos para um público mais jovem. O pesquisador reforça que, dessa maneira, além de aumentar o alcance do dicionário, atingindo um público mais amplo, se possibilita também o trabalho pedagógico, incluindo o uso em sala de aula.

Esse é, inclusive, um dos objetivos para dar sequência ao trabalho. Segundo Sônia, eles pretendem realizar oficinas de formação nas escolas, mostrando aos professores as potencialidades do dicionário. Além disso, ao longo da elaboração da obra, a equipe percebeu a circulação de novos termos. “Entendemos esses truques discursivos que estão sendo utilizados. Agora é fácil identificar termos à medida em que começam a se popularizar. Durante a elaboração do dicionário percebemos que liberdade e globalismo começaram a tomar força”, explica Rodrigo. O grupo pretende lançar, ainda esse ano, uma edição com cinco novos verbetes: cidadão de bem, globalismo, liberdade, identitarismo e linguagem neutra.

Guia de educação política

Outra iniciativa com foco na educação política dos jovens é o Projeto de Extensão em Educação Política (Proeep), da Unicamp. Os alunos participantes elaboraram a cartilha Tudo que não te contaram sobre o seu voto: um guia das eleições no Brasil.

No material, disponibilizado para as escolas de ensino básico da região de Campinas (SP), os alunos encontram informações sobre como tirar o título de eleitor, o funcionamento de votos nulos e brancos, e a eleição de deputados e senadores. Em entrevista, Andrea Freitas, coordenadora do projeto, falou sobre o destaque do material. “O nosso é um pouco mais lúdico, com linguagem mais simples, muito desenho, arte, e isso torna a leitura mais envolvente para um assunto que a maioria das pessoas acha chato”, diz.

Matheus Schulze, aluno da graduação em ciências sociais e ilustrador do guia, diz que o objetivo do grupo era construir um material de qualidade e que ajudasse o público a entender algumas noções complexas. “Aliado à escrita, a cartilha também utiliza ilustrações para guiar a leitura, reforçar e esclarecer alguns conceitos, e também para tornar a leitura mais convidativa para um público de diversas faixas etárias. As ilustrações foram usadas tanto para exibir tabelas quanto para mostrar, de forma lúdica, o processo de transformação de votos em cadeiras. Tudo foi construído utilizando o lema da cartilha: política se aprende”.

Além de disponibilizar o material, o grupo vai até as escolas para trabalhar com os alunos e orientá-los sobre como funciona o sistema eleitoral brasileiro. “Nessas visitas conversamos sobre política e jogamos o FuraCâmara. O objetivo desse jogo que desenvolvemos é organizar os projetos em ordem cronológica e adivinhar aqueles que foram ou não aprovados. Através dessa atividade conseguimos levantar diversas discussões sobre democracia representativa, direitos, a forma como esses projetos são elaborados e sobre como a política também é feita fora dos espaços legislativos. Há um debate bastante rico e engajado em que as turmas compartilham suas experiências e pontos de vista”, explica Matheus.

O grupo aplicou questionários após as visitas e os resultados têm sido positivos, demonstrando que há demanda por mais acesso à educação política. “O que pretendemos era que o público pudesse compreender a importância das eleições, e como cada voto tem impacto”, comenta Matheus.

Mayra Deltreggia Trinca é bióloga e mestranda em divulgação científica e cultural pelo Labjor/Unicamp.

Fernanda Priscilla Capuvilla é bióloga, especialista em gestão ambiental e mestranda em divulgação científica e cultural pelo Labjor/Unicamp.