Mercado editorial no Brasil: números da crise e perspectivas

Por Carolina Sotério e Raquel Torres

O ramo dos livros científicos, técnicos e profissionais encolheu 45% entre 2014 e 2018. No setor como um todo, em 2018 foram produzidos 43 milhões de livros a menos do que em 2017. Para criar uma geração de leitores de mais qualidade, é preciso cultivar hábitos de leitura de pai para filho, diz especialista. “Escola tem muito a contribuir, mas não sozinha.”

Em 2018 o setor editorial brasileiro produziu 11% menos livros do que em 2017, o que significa 43 milhões de exemplares a menos. Em faturamento, a queda foi de 4,5%, já descontada a inflação acumulada no período. Se não se considerar as vendas para o governo (encomendas de didáticos), o tombo foi de 10%. O subsetor de livros científicos, técnicos e profissionais apresenta uma queda real acumulada de quase 45%, no período 2014-2018, sendo mais de 20,3% só no ano passado. Os dados são da pesquisa “Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro” realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) e pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel).

Na visão de Josélia Aguiar, jornalista, escritora e diretora da Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, há quinze anos houve um período de expansão, com a entrada de grupos editoriais estrangeiros. Havia uma expectativa de crescimento grande do país, com economia estabilizada, aumento do poder de compra e entrada de mais pessoas em cursos superiores. “Creio que a aposta editorial foi mais alta do que o país conseguiu absorver. Há também a constatação de que houve imprudência na gestão administrativa e financeira [das grandes redes de livrarias, com destaque negativo para Saraiva e Cultura], de novo com aposta muito alta no retorno de investimento.”

Para Eduardo Lacerda, fundador da Editora Patuá, a situação difícil representa uma crise de modelo: “As grandes editoras se mantinham, em parte, com as vendas governamentais, que chegaram a responder por metade de todos os livros vendidos no país, uma situação insustentável. Quando os últimos governos pararam as compras, muitas não conseguiram mais segurar suas atividades ou não viram mais como manter o lucro que sempre tiveram”, explica.

A pesquisa da Fipe indica, ainda, que, se não forem levadas em conta as vendas para o governo, o único subsetor que teve um resultado relativamente bom foi o de livros religiosos: resultado nominal positivo de 1,1%. Mas fazendo a conta com a inflação, até este lucrativo mercado da fé levou um tombo razoável, com recuo de 2,6%.

Hábitos e preferências de leitura no Brasil
Segundo a pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, de 2016, elaborada pelo Instituto Pró-Livro, a Bíblia é o livro mais lido no país, com 42% de leitores. Os gêneros mais lidos são religiosos, contos e romances (com 22% dos leitores cada um deles). Entre 2011 e 2015, a porcentagem de brasileiros que consome livros passou de 50% para 56%, o que representa 104,7 milhões de pessoas. A média anual de livros lidos por habitante subiu de 4 para 4,96. Entretanto, somente 2,43 livros por habitante, por ano, foram lidos até o fim.

No ranking mundial de países leitores, o Brasil está nas últimas colocações. De acordo com o World Culture Score Index, com dados de 2011, nosso tempo semanal dedicado à leitura se resume a 5 horas e 12 minutos.

Segundo Judith de Almeida, gerente comercial do Grupo Autêntica, o Brasil lê muito sim, mas não nos padrões internacionais. “Para termos, digamos, leitores ‘de mais qualidade’, precisamos de educação e hábitos de leitura passados de pai para filho. Escola tem muito a contribuir, mas não sozinha”, diz.

O editor da Quelônio, Bruno Zeni, acredita que o consumidor que realmente gosta de ler precisa agora ser mais ativo, procurar a livraria com que se identifica e a editora que publica os livros de que gosta. “O leitor continua comprando livros, mesmo com a onipresença das novas tecnologias. Mas hoje o mercado é mais pulverizado e o leitor não encontra mais tudo o que ele quer em uma única livraria.” Para Lacerda, da Patuá, o hábito de leitura é uma questão cultural. “Se a leitura vira hábito, vira parte de nossa cultura. A televisão, os jogos, os celulares na verdade servem para aumentar o número de leitores, e não para reduzir.”

Mas muitas pessoas já têm criado ações para reverter esse cenário, como a promoção de feiras de publicação – como a Feira Plana, a Tinta Fresca e a Miolo –, saraus, clubes de leitura e até por intermédio de programas de assinatura [leia reportagem a respeito]. “Em termos históricos, ainda não conseguimos resolver o problema dos baixos índices de leitura, ainda que eu veja sinais de crescimento, pequenos mas constantes, por meio de um engajamento sobretudo de leitoras mulheres e da proliferação de clubes de leitura”, afirma Josélia, da Mário de Andrade.

Lacerda frisa também a importância do trabalho em conjunto em prol da formação de leitores. “Um escritor, há algumas semanas, lembrou que nos últimos dez anos reduzimos em quase 60% o número de fumantes. Não foi proibido, mas o hábito mudou, a cultura mudou. Hoje não é mais bonito fumar. (…) E se ler for bom? For incentivado? Veja, em dez anos é possível mudar o Brasil e transformá-lo em um país de leitores. É preciso querer. Nós queremos.”

Editoras grandes versus pequenas
Atualmente ocorre um fenômeno de fortalecimento de pequenas editoras e crise das grandes. O estabelecimento desse cenário parece estar relacionado ao fato de que pequenas editoras têm respondido de modo mais adequado às transformações da produção e do mercado editorial, como a introdução de tecnologias digitais, a mudança no perfil dos leitores, a diversificação do mercado e o surgimento de nichos.

“As pequenas editoras operam com tiragens menores, impressão sob demanda, custos mais baixos, equipe menor. Não é um critério de melhor ou pior, mas talvez mais adequado ao momento que vivemos”, diz Lacerda. As pequenas respondem por um nicho de publicação de gêneros menos trabalhados, como poesia, conto, crônica, mas também romances de autores estreantes ou que não têm um potencial tão grande de vendas, que não atendem às necessidades de uma grande editora, com toda sua estrutura. “Para uma pequena editora, um bom autor que venda 200 exemplares é um best-seller, mas para uma editora média ou grande é um fracasso”, complementa.

Para Zeni, da Quelônio, a ascensão das tecnologias digitais de produção (impressão digital), de circulação do livro (e-book) e da leitura (internet, smartphones, redes sociais) tem provocado mudanças no perfil do leitor. O mercado editorial ficou mais diversificado, com muitos nichos, com livros mais caprichados ou mesmo mais segmentados, em formatos diferentes. Por um lado, o tempo de leitura diminuiu muito, mas por outro, a quantidade de material a ser lido cresceu enormemente. “É uma equação difícil para todo mundo. E as grandes livrarias acabaram perdendo um pouco a conexão com o leitor mais qualificado. As pequenas e médias livrarias, que têm surgido e crescido, fazendo um trabalho de curadoria mais cuidadoso e atento, entenderam melhor esse fenômeno”.

As novas tecnologias, de acordo com Lacerda, também contribuem para o crescimento de pequenas editoras, já que a impressão digital possibilita imprimir tiragens de, por exemplo, 10 a 500 exemplares com praticamente o mesmo custo.

Amazon
Plataformas de compra e venda online, como a Amazon, têm ganhado destaque em meio a esse cenário. Para Judith de Almeida, da Autêntica, é mais uma questão de parceria do que de concorrência. “Apesar de ter suas plataformas de autopublicação além do seu e-reader, o Kindle para quem gosta de e-book, ela é a maior vendedora de livros físicos e o faz com grande eficiência. Pode se tornar uma parceira predadora nas suas políticas comerciais? Pode. Se o mercado ceder, certamente vai. Mas ainda não se tornou.”

Nesse cenário editorial crítico, o Brasil lida com muitas variáveis: novos perfis de leitores,  surgimento de novas tecnologias, o fenômeno das plataformas online e muito mais. O que parece se pautar em questões econômicas cruciais, pode ter uma solução social nos próximos capítulos: esforços unificados que resultem na leitura como hábito cultural.

Carolina Sotério é escritora, formada em química (USP), mestranda na área de divulgação científica e aluna do curso de especialização em jornalismo científico pelo LabJor/Unicamp.

Raquel Torres é formada em comunicação (USP), mestranda em divulgação científica e cultural, na área de linguística, e aluna do curso de especialização em jornalismo científico pelo LabJor/Unicamp.