Editorial:

O alarde dos transgênicos
Carlos Vogt

Reportagens:
Brasil e mundo se dividem em aceitar ou não os transgênicos
A batalha jurídica ainda não terminou
Pequenos produtores rurais são contra transgênicos
Contrabando, contaminções e experiências no Brasil
Sementeiras brasileiras foram engolidas pelas multinacionais
Agricultura orgânica pode ser alternativa aos transgênicos
Faltam pesquisas para avaliar os riscos à saúde
Brasil terá de desenvolver protocolos de segurança ambiental
Animais transgênicos de laboratório e a saúde humana
Ética para os animais transgênicos
Artigos:
OGMS: a estrutura da controvérsia
Hugh Lacey

O futuro que ninguém pediu: favelas e transgênicos!
Enrique Ortega

A questão da saúde nos alimentos geneticamente modificados
Franco Lajolo
Patentes em biotecnologia no Brasil
Maria Isabel de Oliveira Penteado
Transgênicos x Genômica: etapas no melhoramento vegetal
Marcos Machado
Oportunidades e desafios
João Paulo Feijão Teixeira
Riscos ecológicos dos OGMs: o que se diz e o que se entende
Flávia Natércia
Os transgênicos rondam sua cozinha
Luisa Massarani e Ildeu de Castro Moreira
Poema:
Inconcluso
Carlos Vogt
 
Bibliografia
Créditos
Glossário
 
Sementeiras brasileiras foram engolidas pelas multinacionais

A grande corrente de fusões e aquisições envolvendo as empresas de sementes, defensivos agrícolas e a indústria farmacêutica tornou-se notória durante os anos 90. No entanto, o movimentou iniciou-se ainda no final dos anos 70, acentuando-se na década seguinte. A consolidação desse processo acontece no final dos anos 90, acelerado pela euforia causada pela "nova biotecnologia" - que dá origem aos transgênicos - e atinge também as empresas de sementes brasileiras. São esses novos grandes grupos multinacionais, oriundos da reunião de empresas com especialidades diferentes mas com produtos que podem ser aplicados no mesmo mercado, que têm realizado os maiores investimentos em pesquisa & desenvolvimento (P&D) de transgênicos.

A maior parte das informações deste texto foi obtida no livro A Transnacionalização da Indústria de Sementes no Brasil, de John Wilkinson e Pierina German Castelli.

Os dois movimentos de agregação das empresas, contudo, acontecem por motivos diferentes. O primeiro movimento de aquisições aconteceu - segundo consta no relatório de pesquisa intitulado Inovações Biotecnológicas e a Indústria de Sementes, coordenado por José Maia Silveira - por três principais motivos: empresas farmacêuticas procuravam diversificar seus negócios; empresas baseadas no comércio de commodities procuraram diversificar suas atividades e usavam a indústria de sementes como fonte de informação para sua atividade principal; e empresas agroquímicas viram possibilidades de crescimento com a biotecnologia. Com isso, surgiram as primeiras grandes empresas como a Cargill, a Ciba-Geigy, a ICI, a Dekalb, a Rhône Poulenc, a Sandoz e a Upjohn.

O segundo, que acontece a partir de 1994, é ainda mais radical do que o outro movimento e leva à formação de grupos de empresas ainda maiores. Nessa etapa, consolidam-se os oito maiores grupos de empresas na área de sementes. Entre elas está a Monsanto, que adquire 34 outras empresas, a Aventis, que adquire 18, a DowAgro Science, que adquire 13, e a Syngenta, formada pela união da Novartis (que adquiriu 18 empresas) e da AstraZeneca (formada pela junção de mais 13 empresas). Entre essas companhias produtoras de sementes que foram objeto de aquisição estão algumas brasileiras. A Monsanto adquiriu cinco empresas brasileiras - entre elas a Agroceres, maior empresa de capital nacional privado do setor -, a DowAgro Science, cinco e a Aventis, quatro.

Segundo o professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, John Wilkinson, autor do livro A Transnacionalização da Indústria de Sementes no Brasil, Monsanto, DuPont, ICI e Ciba-Geigy (as duas últimas incorporadas depois pela Syngenta) foram empresas que realizaram grandes investimentos em pesquisa & desenvolvimento desde a década de 80. Ele explica o último movimento em direção às aquisições pelo papel promissor demonstrado pelas novas biotecnologias. Os altos investimentos em P&D feitos por essas empresas só podem ser justificados com grande expansão dos lucros, por isso a busca do mercado de insumos agrícolas internacional.

Além disso, a necessidade de adequação do produto semente às condições climáticas e de solo locais e a insuficiência do sistema de patentes no sentido de garantir os benefícios às empresas levou-as a buscar a cooperação com produtores de sementes locais. "As inovações vegetais não podem ser transferidas de seu país de origem para o resto do mundo sem modificações e adaptações subsequentes", afirma Wilkinson.

O modo como essas empresas estão entrando no Brasil, baseia-se em uma estratégia de mercado no sentido de participar dos setores da indústria de sementes com produtos de maior valor agregado. Wilkinson descreve os três principais setores da indústria de sementes brasileira: o setor de híbridos (milho); o mercado de variedades (soja, arroz, trigo); e o mercado de hortaliças (o menor dos três).

A principal característica das sementes híbridas é que apenas a sua primeira geração é adequada para o plantio. Os descendentes de suas sementes de primeira geração perdem suas características originais. Com isso, os produtores são obrigados a sempre comprar sementes novas. O mercado de híbridos é, então, o mais lucrativo. Wilkinson descreve esse mercado como oligopolista, internacionalizado e como o que dá mais espaço para inovações.

O mercado de sementes de milho é o terceiro maior do Brasil. Com as aquisições feitas no final dos anos 90 ele deixou de ser disputado pela Agroceres e pela Cargill para ser comandado pela Monsanto. A empresa adquiriu a subsidiária da Cargill para a América Latina, a Agroceres - que dividiam o mercado em 1997 com 26% para cada - e a Braskalb - que tinha 8% do mercado. Assim passou a vender 60% das sementes de milho no Brasil. A única empresa nacional de sementes de milho é a Unimilho que, através de um convênio com a Embrapa, ocupa 5% do mercado.

Mas o interesse das indústrias não está apenas na participação no mercado. Ao adquirir as empresas nacionais elas buscaram também controlar o conhecimento que as empresas nacionais detinham. A Aventis passou a deter o maior banco de germoplasma de milho tropical do Brasil ao adquirir as empresas de sementes Mitla, Fartura e Ribeiral e assim prepara a introdução da variação transgênica no Brasil - o Liberty Link, resistente ao herbicida Link, também fabricado pela Aventis.

As empresas também tem procurado se associar a Institutos de Pesquisas nacionais como a Monsanto fez com a Embrapa. De acordo com o acordo, a Embrapa vêm desenvolvendo pesquisas para desenvolver variedades transgênicas de soja, resistentes ao herbicida glifosato, um produto genérico que também é vendido pela multinacional com o nome Roundup. Por utilizar uma tecnologia registrada pela Monsanto - o gene Roundup Ready - essa variedade de soja significará o pagamento de royalties à empresa americana. Pelo contrato, entretanto, ficou acordado que os cultivares pertecerão à Embrapa.

O maior mercado de sementes no Brasil é o de soja, ocupando, em 1999, 64% do total. A soja faz parte do mercado de variedades que possui menor margem de lucro para as empresas e, até hoje, é dominado por uma empresa pública - a Embrapa, que detém 65% desse mercado. A participação da Embrapa nesse mercado, entretanto, já foi maior (70% até 1997) e a Monsanto - após adquirir a nacional FT-Pesquisas e Sementes em 1997, que detinha 12% do total - já conseguiu atingir a 18% do mercado em 1999, ou seja, um crescimento de 6% em apenas dois anos.

Segundo Wilkinson, "a entrada das transnacionais no mercado de variedades deve-se em parte à geração das ´novas biotecnologias´, que tem a semente como o principal vetor de sua aplicação". Ele afirma que a biotecnologia é genérica, ou seja, pode ser aplicada em híbridos ou em variedades. O pesquisador ressalta também a Lei de Proteção aos Cultivares, em vigor desde 1997, que "garante propriedade intelectual sobre os cultivares, permitindo a cobrança de royalties pelo uso das sementes e taxas tecnológicas dos sementeiros nacionais". "Assim, a semente tornou-se o insumo mais importante na estratégia de ocupação do mercado pelas transnacionais", analisa ele.

O presidente da Associação Paulista de Produtores de Sementes, Cássio Camargo, vê, atualmente, uma acomodação e até mesmo um refluxo no impulso das multinacionais em direção à incorporação de empresas de sementes brasileiras. Para ele, as empresas que vieram de setores estranhos ao de sementes - como o de defensivos agrícolas - encontraram dificuldades iniciais. "O momento é de sedimentação desse movimento abrupto e muito forte, que teve fusões tumultuadas e até mesmo supervalorizadas", diz.

"As multinacionais têm franqueado o acesso às novas tecnologias, inclusive em cooperação com os institutos de pesquisa", diz Camargo. "É claro que mediante pagamento de royalties às empresas detentoras", completa.

Camargo não tem medo de que as tecnologias transgênicas, se comercializadas no Brasil, possam ser monopolizadas pelas empresas de biotecnologia. "Existem programas nos institutos de tecnologia brasileiros, o Brasil já apreendeu esse tipo de tecnologia", afirma. Ele acredita que a chegada desse tipo de tecnologia ao Brasil é irreversível. "Há muitos casos de contaminação de plantações através sementes vindas de outros países", aponta.

Por outro lado, os pequenos produtores rurais, através de movimentos sociais como a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) (veja reportagem nesta edição), promovem uma dura luta contra as sementes transgênicas, antevendo uma dependência em relação às empresas internacionais.

Wilson Campos, trabalhor rural da Costa Rica e membro da Via Campesina, organização mundial que envolve trabalhadores rurais, disse que a Monsanto já criou um telefone especial para que os trabalhadores possam denunciar plantações piratas. Segundo ele, as empresas estariam criando uma cultura de deleção entre os agricultores, algo estranho a seus costumes originais. Os trabalhadores temem que, em função de interações com o meio ambiente ou por contaminação da plantações originais, as sementes transgênicas tornem-se a única alternativa. Com isso, a indústria poderia praticar uma alta no preço das sementes, dada sua grande participação no mercado. Isso significaria uma piora nas condições econômicas dos agricultores, que ficariam entre os preços altos e a pirataria.

(R.E.)

Atualizado em 10/05/2002

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