Editorial:

O alarde dos transgênicos
Carlos Vogt

Reportagens:
Brasil e mundo se dividem em aceitar ou não os transgênicos
A batalha jurídica ainda não terminou
Pequenos produtores rurais são contra transgênicos
Contrabando, contaminções e experiências no Brasil
Sementeiras brasileiras foram engolidas pelas multinacionais
Agricultura orgânica pode ser alternativa aos transgênicos
Faltam pesquisas para avaliar os riscos à saúde
Brasil terá de desenvolver protocolos de segurança ambiental
Animais transgênicos de laboratório e a saúde humana
Ética para os animais transgênicos
Artigos:
OGMS: a estrutura da controvérsia
Hugh Lacey

O futuro que ninguém pediu: favelas e transgênicos!
Enrique Ortega

A questão da saúde nos alimentos geneticamente modificados
Franco Lajolo
Patentes em biotecnologia no Brasil
Maria Isabel de Oliveira Penteado
Transgênicos x Genômica: etapas no melhoramento vegetal
Marcos Machado
Oportunidades e desafios
João Paulo Feijão Teixeira
Riscos ecológicos dos OGMs: o que se diz e o que se entende
Flávia Natércia
Os transgênicos rondam sua cozinha
Luisa Massarani e Ildeu de Castro Moreira
Poema:
Inconcluso
Carlos Vogt
 
Bibliografia
Créditos
Glossário
 

O futuro que ninguém pediu: favelas e transgênicos!

Enrique Ortega-Rodríguez

Introdução

Durante a elaboração da proposta de Agricultura Sustentável da Agenda 21 do Brasil, em 1997, se colocava nos textos para discussão, mais ou menos, o seguinte: "O país se encontra no mesmo dilema de 35 anos atrás: escolher entre uma nova 'revolução verde' que intensifica insumos, mecanização e concentra a propriedade ou promover a transição agroambiental, implementando uma política agrícola alternativa de cunho ecológico e atendimento às demandas sociais. Os transgênicos eram apontados como a ameaça concreta de uma nova intervenção do capital internacional na agricultura".

O lobby dos transgênicos é poderoso e aos poucos foi mudando as regras do sistema agrícola do país. Esse grupo conseguiu:

  • Mudança nas normas brasileiras relativas a quantidade residual de glifosato no solo agrícola;
  • Compra de quase todas as empresas brasileiras produtoras de sementes;
  • Formação de oligopólios internacionais na produção de sementes;
  • Convênio com Embrapa para atuar no desenvolvimento de sementes de soja;
  • Realização de pesquisas sobre soja transgênica em vários lugares do país;
  • Omissão frente ao plantio proibido de soja transgênica no Brasil;
  • Mudança de prioridades da discussão sobre o futuro da agricultura do país, roubando o espaço e o tempo da análise de programas e projetos voltados às prioridades nacionais e transformando essa discussão em um confronto entre pessoas com posturas a favor ou contra os transgênicos, esquecendo todo o restante.

Apesar de tudo eles não conseguiram enganar a opinião pública, pois várias das suas argumentações enganosas foram derrubadas. Fracassaram ao intentar:

  • Vender a idéia de que era uma proposta ecológica;
  • Veicular a imagem de produto seguro e benéfico à família;
  • Convencer que era uma proposta social que acabaria com a fome no mundo;
  • Vincular modernidade tecnológica a uma proposta destrutiva da biodiversidade, do emprego e da cultura nacional.

Mas o lobby não desiste facilmente, e nos obriga a desviar nossa atenção e nossa pesquisa para analisar propostas anti-sociais, anti-ecológicas, energeticamente ineficientes e anti-econômicas.

Qual é a verdade sobre os transgênicos? Como podemos nos defender dessa ameaça?

Dados de uma pesquisa em andamento

Pela importância da soja para o Brasil decidimos analisar os principais sistemas de produção em termos ecológicos e econômicos e sociais usando para tal a metodologia energética de base sistêmica (Odum, 1996).

Figura 1. Diagrama de fluxos de energia do sistema de produção de soja.

Todos os fluxos de materiais, energia e monetários mostrados na Figura 1 foram convertidos em fluxos de energia solar equivalente (emergia) usando os índices denominados Transformidades. A emergia é a quantidade de Joules (de um certo tipo) necessária para a produção de um bem ou de um serviço, esse custo energético representa o verdadeiro valor do recurso produzido (Odum, 2000). Construímos uma tabela com os valores de custo energético de cada insumo para elaborar um diagnóstico energético-ecológico. Os dados foram levantados e analisados por Ortega, Miller & Anami (2000) e Miller & Ortega (2001). As tabelas contem como dados básicos os valores dos fluxos de insumos por hectare de produção de soja no período de um ano. Para avaliar o impacto no país, foi feita uma extrapolação considerando que a área inteira de soja no Brasil (12,6 milhões de hectares) fosse cultivada com apenas uma opção de cultivo. Na preparação das tabelas foram considerados os insumos correspondentes aos rendimentos habituais.

Identificamos três modelos de produção que competem para constituir-se na opção a ser adotada pela sociedade:

  1. A produção da pequena propriedade de gestão familiar com práticas de cunho agroecológico herdadas do padrão de agricultura européia dos colonos que ocuparam, e ainda usam, as terras de regiões serranas dos estados do Sul do país;
  2. A produção de médio produtor com tecnologia da primeira revolução verde intensiva no uso de maquinário e insumos (fertilizantes químicos e pesticidas tóxicos) e que emprega poucos trabalhadores;
  3. A produção de sistemas grandes que adotaram o plantio direto e o uso de herbicidas com aplicação pré-emergente, os quais dispensam a mão-de-obra rural existente e tendem a adotar a opção transgênica.

Ainda há outras opções interessantes que não tivemos tempo de estudar, entre elas o pequeno produtor com agricultura convencional ou plantio direto-herbicida, e o médio e o grande produtor orgânicos. Esta pesquisa será retomada em breve.

Fatos que começam a se tornar evidentes

Uso de herbicidas e fertilizantes

  Agroquímica Plantio direto/ herbicida Agroecolócia
Itens US$ milhões / ano
Fertilizante nitrogenado 0,00 0,00 0,00
Fertilizante fosfatado 340,20 567,00 756,00
Fertilizante de potássio 756,00 504,00 113,40
Herbicidas 812,70 1568,70 0,00
Total 1908,90 2639,70 869,40

Fontes: FNP, 2000 e Empresa Agrorgânica.

Na opção agroquímica são gastos anualmente quase US$ 2 bilhões com fertilizantes e herbicidas. No plantio direto-herbicida são gastos US$ 2,6 bilhões, pois o consumo de herbicidas é maior!. Ambos valores são muito maiores que os da opção agroecológica, na qual gasta-se US$ 869 milhões com fertilizantes (os herbicidas são proibidos).

Pesticidas

  Agroquímica Plantio direto / herbicida Agroecológica
Itens US$ milhões / ano
Inseticidas 294,16 234,28 130,16
Formicidas 106,34 106,34 0,00
Fungicidas 23,37 23,37 0,00

Fontes: FNP, 2000 e Empresa Agrorgânica.

Gasta-se em inseticidas três vezes mais na agroquímica e duas vezes mais na opção plantio direto-herbicida que na agroecológica. Outros pesticidas: nos sistemas agroquímico e plantio direto/herbicida os gastos giram em torno de US$ 130 milhões. Na opção agroecológica plenamente desenvolvida o custo é nulo.

Esterco, calcário e inoculante

  Agroquímica Plantio direto / herbicida Agroecológica
Itens US$ milhões / ano
Esterco (20%U) 0,03 0,00 579,67
Calcário 264,60 264,60 0,00
Inoculante 294,16 234,28 130,16

Fontes: FNP, 2000 e Empresa Agrorgânica.

Há um gasto de US$ 600 milhões com esterco no sistema orgânico. A vantagem é que este insumo provém de fontes renováveis locais e, se usado corretamente, não acarretará problemas para a natureza. A opção orgânica economiza quando se trata do uso de calcário pois não utiliza este insumo. Os dois outros sistemas têm praticamente o mesmo gasto: US$ 264 milhões cada um. A opção orgânica também economiza quando se trata do uso de inoculante. São mais de US$ 8 milhões a menos.

Mão-de-obra

  Agroquímica Plantio direto / herbicida Agroecológica
Itens US$ milhões / ano
Mão-de-obra simples 13,44 0,00 638,40
Mão-de-obra qualificada 23,52 5,88 0,00
Mão-de-obra administrativa 53,93 53,93 53,93

Fontes: FNP, 2000 e Empresa Agrorgânica.

A agroecológica usa mão-de-obra. As opções agroquímica e plantio direto/herbicida fazem maior uso de tecnologia mecânica e, por isso, os gastos são principalmente com a mão-de-obra administrativa, já que dispensam trabalho manual na lavoura.

Indicadores econômicos e sociais dos tipos de produção de soja no Brasil.

  Agroquimico Plantio direto / herbicida Agroecológico
Rentabilidade Econômica 0,89 0,73 1,08
Preço Obtido (dolares/kg) 0,22 0,22 0,29
Empregos país / anos 30240 3700 701820
Insumos Importados (bilhões de dólares / ano) 2,3 3,0 1,0

A partir de dados de FNP, 2000 e Agrorgânica, 2000.

O lucro econômico por hectare é maior na opção agroecológica. A rentabilidade é consideravelmente maior para agricultura agroecológica (1,08) que para a agroquímica (0,89) e plantio direto / herbicida (0,73). A razão é que os insumos químicos são caros e o preço para a soja agroecológica é melhor. Hoje em dia, a opção agroquímica sustenta 30240 trabalhos rurais no país inteiro. Se opção de plantio direto/herbicida se tornar dominante o trabalho diminuirá a 3700 trabalhos e 26000 pessoas migrarão para cidades. No caso de produção agroecológica crescerá o número de trabalhos e poderiam ser criados 701.820 trabalhos novos se houvesse uma intenção política de gerar emprego nesse setor da economia. A balança de pagamentos poderia ser melhorada pela opção agroecológica em forma importante 2,0 bilhões de dólares cada ano!

 

Sustentabilidade % R= 100*(R/Y) = emergia dos recursos renováveis / emergia total

A renovabilidade nos fornece um valor numérico da sustentabilidade. A renovabilidade do sistema químico e do plantio direto-herbicida é similar (24%), mas ambas são menores que a correspondente ao cultivo agroecológico (55%). A opção agroecológica tem uma maior auto-suficiência. O índice poderia ser maior se a metodologia permitisse considerar o esterco como recurso renovável e não como um insumo da economia.

Figura 2: Comparação entre rentabilidade, renovabilidade e o tamanho de fazendas.

Figura 3. Tamanho da unidade agrícola versus Emprego e Renda da propriedade .

Descobrimos o seguinte:

  1. A agricultura familiar agroecológica usa com eficiência os recursos naturais e econômicos. Obtém insumos gratuitos do ecossistema devido às práticas ecológicas que adota, assim torna-se sustentável e consegue produzir a baixo custo. Preserva a reserva legal, obtém benefício dela e colabora com os serviços ambientais regionais. Mantém o emprego e se for adotada como modelo na Reforma Agrária ou na re-estruturação fundiária geraria muito trabalho direto e indireto, de boa qualidade.
  2. O médio produtor convencional sofre com o aumento do preço dos insumos e existe uma tendência à baixa do preço da soja. O sistema de cultivo perde muito solo (riqueza produzida pela natureza em longo tempo). O impacto ambiental que produz é grande. Caso mude para o sistema de plantio direto-herbicida gera desemprego. Se quiser mudar para agricultura orgânica na transição perderá o apoio dos bancos para as verbas de custeio. A conversão destes sistemas para a agroecologia deve considerar valores sociais e a questão de escala;
  3. As grandes fazendas, que adotaram o plantio direto com herbicidas de aplicação pré-emergente, não sofrem qualquer tipo de ônus pela destruição dos ecossistemas naturais, pelo não cumprimento das disposições legais de tipo ambiental vigentes, pela dispensa de trabalho humano que é substituído pelo trabalho químico, pela poluição das águas do subsolo e dos rios. O lucro por fazenda é grande não por causa da produtividade apenas pela extensão do terreno utilizado. No caso de adotar a opção transgênica, passariam a ser totalmente controlados desde o exterior: sementes, fertilizantes, herbicidas e pesticidas importados, cujos preços são fixados fora. Em outras palavras: esse tipo de agricultor seria terceirizado pelos oligopólios que dominam esse tipo de agricultura no mundo. Veja os problemas sociais do país vizinho, a Argentina que correu atrás dos transgênicos e empobreceu as cidades e a nação, apesar de ter recursos naturais abundantes.

Para pensar com cuidado antes de decidir pois o custo social será muito alto

  • Que conjuntos humanos seriam beneficiados e quais prejudicados pela adoção dos transgênicos? O interesse de uns poucos se sobrepondo ao da maioria!
  • Poderá ocorrer anualmente uma enorme saída de dinheiro sem necessidade!
  • Êxodo rural previsto de 30 milhões de pessoas! Haja crescimento de favelas!
  • Lembre que a fome e o desassossego são fruto desse desemprego.

Enrique Ortega-Rodríguez é professor da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp

 

Referência citada:

Odum, H.T. Environmental Accounting. Emergy in Environmental Decision Making. John Wiley, New York, 1996.

Outras informações na página web do Laboratório de Engenharia Ecológica:

URL: http://www.unicamp.br/fea/ortega/

Dados econômicos de grande atualidade em:

Flávia Londres. Transgênicos no Brasil: as verdadeiras conseqüências. Revista Candeia, uma publicação do IFAS- Instituto de Formação e Assessoria Sindical Rural "Sebastião Rosa da Paz". No prelo.


Atualizado em 10/05/2002

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