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Inconcluso
Carlos Vogt
 
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A propósito da segurança para a saúde dos alimentos geneticamente modificados

Franco Lajolo

Durante milhares de anos o homem foi intuitivamente selecionando, para uso alimentar, plantas que apresentassem maior rendimento, maior resistência a pragas e melhor qualidade . Com o tempo, a ciência veio auxiliá-lo nesta tarefa. Manifestação mais contemporânea desta aliança é o desenvolvimento, nas últimas décadas , de variedades de trigo, arroz, milho e soja com alto rendimento agrícola, capazes de alimentar uma população mundial crescente e urbanizada.

Podemos assim, dizer, que do velho Mendel aos contemporâneos Watson e Creek o melhoramento de plantas segue de perto o desenvolvimento científico

Há já muito tempo novas variedades vêm sendo produzidas a partir de técnicas tradicionais de cruzamento e melhoramento envolvendo transferência de genes através da reprodução normal, ou através de metodologias que alteram cromossomos, como a mutagênese química e a irradiação. Nos últimos 10 ou 15 anos , no entanto, introduziu-se uma nova tecnologia : a modificação genética para a produção de alimentos, chamada de "tecnologia do DNA recombinante".

E o que vem a ser isso ?

A tecnologia de DNA consiste num avanço nos processos naturais de melhoramento de plantas.

Nos cruzamentos convencionais misturam-se ou transferem-se para uma planta, ao acaso e ao mesmo tempo, grupo de genes, sendo o resultado a produção de uma variedade com múltiplas características, nem todas desejáveis. Como esse processo convencional é impreciso, separar as características desejáveis das indesejáveis é bastante demorado .

Com a tecnologia do DNA recombinante pode-se, de forma rápida, alterar a operação de um gene pré-existente ou incorporar numa nova planta um único gene exógeno, correspondente a uma determinada característica que se deseja desenvolver . A transferência de genes pode ocorrer entre espécies, famílias e mesmo reinos diferentes, de forma que, por exemplo, uma qualidade presente numa leguminosa pode ser transferida para um cereal, transferência impraticável sem essa tecnologia .

A tecnologia do DNA recombinante é, assim, uma tecnologia moderna com importante potencial para aumentar a produtividade agrícola, reduzir o impacto ambiental da agricultura minimizando o uso de herbicidas e pesticidas e melhorar a qualidade nutricional e tecnológica dos alimentos. E os alimentos que ela produz não são, necessariamente, menos seguros para a saúde. Como toda tecnologia, porém, ela deve ser avaliada e acompanhada e isso tem ocupado instituições de pesquisa, organismos governamentais nacionais e internacionais e organizações de defesa do comsumidor.

A história mostra que mudanças na forma de produção e conservação dos alimentos sempre causaram preocupação e, quando recentes, geraram medo . Foi o caso do enlatamento , da pasteurização, da comercialização da margarina, do milho híbrido, do uso da irradiação e de microondas. É, pois, respeitando este cenário ancestral de desconfiança face ao novo, que se inserem as questões relativas à segurança dos alimentos geneticamente modificados, uma tecnologia distante e desconhecida da maioria dos consumidores.

O assunto tem gerado polêmica, e para que a polêmica tenha resultados positivos é preciso que dela participem vários segmentos sociais e não apenas tecnólogos e cientistas . Se é óbvio que a questão não se limita à ciência, é também óbvio que sem a ciência ela não será resolvida e sequer bem encaminhada .

Mas onde se origina a polêmica relativa à segurança desses alimentos?

Da aparente incontrolabilidade de certos resultados.

A tecnologia do DNA recombinante permite a transferência específica de novos genes ( fragmentos de DNA) para uma planta, alterando, portanto, a sua composição. Esta alteração acarreta efeitos intencionais, correspondendo à característica do gene introduzido (por exemplo, resistência a herbicidas) mas também pode gerar efeitos não intencionais (por exemplo, alteração do teor de um composto químico). Os riscos potenciais estão, portanto, associados ao novo DNA introduzido, ou ao produto de expressão desse DNA (proteína) ou a efeitos não intencionais, decorrentes da introdução no genoma e da expressão desse novo gene .

Mas a simples ingestão de DNA adicional não é necessariamente perigosa: DNA/RNA vêm sendo ingeridos normalmente através de dietas, desde quando esta se limitava aos frutos coletados ou aos animais abatidos pelo homem das cavernas . Os produtos de expressão, porém, que são proteínas(enzimas), podem, potencialmente, ter ação anti-nutricional, podem produzir alergias ou causar algumas mudanças no valor nutricional do alimento.

Podem, ainda , ocorrer efeitos não intencionais. Mudanças morfológicas são facilmente detectáveis, mas uma alteração no genoma não é visível e pode levar a mudanças na expressão enzimática , alterando os fluxos de vias metabólicas por mecanismos ainda não totalmente conhecidos. Além disso, a inserção de um DNA nos cromossomos pode alterar a expressão de outros genes, reativando, por exemplo, genes silenciados por processos evolutivos ou tecnológicos que, ativados, poderiam passar a produzir substâncias indesejáveis.

É importante, no entanto, mencionar que todas essas mudanças não intencionais são possibilidades teóricas e podem acontecer também nos processos convencionais de melhoramento . Nestes, inclusive , as mudanças podem atingir maiores proporções , devido à sua inespecificidade o que faz com que em ambos os processos - melhoramento convencional ou tecnologia do DNA recombinante - os produtos resultantes precisem ser objeto de avaliações de segurança, como acontece, aliás, com qualquer alimento .

Isso tudo pode ser avaliado?

Muitos genes já foram transferidos de um organismo a outro com o objetivo de desenvolver características desejáveis , como melhoria do valor nutricional, da conservação ou da resistência a pragas. A segurança desses alimentos, obtidos por modernas técnicas da biotecnologia como é a engenharia genética, é avaliada através da análise de risco que se baseia em princípios básicos que medem sua segurança em relação à segurança dos alimentos que lhe deram origem.

Em geral, a avaliação necessária para a aprovação da comercialização desses produtos inclui a análise dos vetores de transformação, estrutura molecular do novo gene inserido, efeitos intencionais e não intencionais associados à sua expressão, composição química em macro e micro nutrientes bem como em compostos tóxicos e produtos secundários do metabolismo. A isso seguem-se ensaios biológicos (nutricionais e toxicológicos), com particular ênfase no potencial alergênico, avaliado a partir de análises químicas, com o uso da bioinformática e de ensaios bioquímicos e biológicos

Técnicas novas de genômica funcional para análise de proteínas e de metabolômica para compostos secundários vêm aumentando a segurança dos métodos de análise.

Completa-se a avaliação de laboratório da identificação do eventual risco , com medidas de gerenciamento e comunicação dos resultados por parte dos órgãos e setores responsáveis pelo estabelecimento de políticas relativas aos alimentos geneticamente modificados.

No Brasil, esses novos alimentos estarão submetidos ao Ministérios da Saúde , da Agricultura e da Ciência e Tecnologia, sujeitos a legislação específica relativa a normas de segurança e rotulagem, e avaliados através de várias comissões técnico-científicas, responsáveis pela aprovação de sua comercialização. Por isso, quanto mais qualificada for a discussão em torno dos alimentos contendo organismos geneticamente modificados, maior será a informação de que disporão seus eventuais consumidores e mais exigentes e mais adequadas serão as políticas reguladoras de sua produção , divulgação e distribuição.


Franco Lajolo é professor na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP

Atualizado em 10/05/2002

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