Ações afirmativas: linha do tempo

1993 – Movimento pelas Reparações Já estima* que 3,6 milhões de africanos foram trazidos à força ao Brasil, gerando em quase 400 anos uma força de trabalho escravizada de 30,7 milhões de pessoas, com “vida útil” média de 20 anos, gerando 6,14 trilhões de dólares de receita aos escravizadores; considerando que em 1993 havia 60 milhões de descendentes de africanos escravizados (40% da população total do Brasil estimada pelo IBGE), a indenização justa por pessoa deveria ser de 102 mil dólares.

* partindo dos estudos de João Luís Ribeiro Fragoso e Manolo Florentino em O arcaísmo como projeto (editora Civilização Brasileira, 1958)

1996 – Governo brasileiro institui o primeiro Programa Nacional de Direitos Humanos. O segundo foi publicado em 2002, dando maior ênfase aos direitos sociais – entre os quais a educação – e o terceiro, em 2009.

1997 – Apenas 4% dos jovens negros (1,8% pretos e 2,2% pardos) frequentam ou concluíram o ensino superior no Brasil, segundo o Censo do Ensino Superior (2011) divulgado em 16 de outubro de 2012 pelo Ministério da Educação.

2001 – Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlatas na cidade de Durban, África do Sul, entre os dias 31 de agosto e 8 de setembro.

2002 – No dia 18 de julho, a Universidade do Estado da Bahia (Uneb) aprova no seu Conselho Superior a implementação do sistema de cotas para o acesso aos seus cursos de graduação e pós-graduação.

2003 – Primeiro vestibular com ações afirmativas étnico-raciais da UERJ e da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf). Em 2001 e 2002, leis aprovadas pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro haviam determinado o estabelecimento de cotas para egressos do ensino público e autodeclarados negros e pardos nas universidades públicas estaduais. A lei 4.151 de 2003 fixou 20% das vagas para estudantes oriundos da rede pública de ensino; 20% para negros e 5% para pessoas com deficiência e indígenas.

2004 – Entra em vigência o Plano de Metas para Integração Social, Étnica e Racial da Universidade de Brasília (UnB), aprovado no Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão em 6 de junho de 2003. O plano estabelece que 20% das vagas do vestibular seriam destinadas a candidatos negros. A UnB torna-se a primeira federal a adotar cotas raciais em seus processos seletivos de ingresso na graduação.

2005 – Dagoberto José Fonseca, antropólogo da Faculdade de Ciências e Letras (Araraquara) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e coordenador de seu Núcleo Negro para Pesquisa e Extensão (Nupe) entre 2002 e 2007, publica uma carta aberta de 13 páginas sobre cotas raciais em 21 de março. [Carta Aberta do NUPE]

2006 – Um manifesto contra cotas (“Todos têm direitos iguais na República”) com 114 signatários é publicado pela Folha de S.Paulo em 30 de maio: “Qual Brasil queremos? Almejamos um Brasil no qual ninguém seja discriminado, de forma positiva ou negativa, pela sua cor […] Nosso sonho é o de Martin Luther King, que lutou para viver numa nação onde as pessoas não seriam avaliadas pela cor de sua pele, mas pela força de seu caráter”. Entre os signatários constam personalidades como Caetano Veloso, Ferreira Gullar, Demétrio Magnoli e Lilia Schwarcz, muitos docentes das mais diversas universidades e até alguns membros do Partido dos Trabalhadores (PT), então no poder.

2008 – Mais de 80 instituições de ensino superior já empregam algum tipo de ação afirmativa, apesar do debate em torno da constitucionalidade da medida. Para universidades que adotaram ações afirmativas, utilizando os dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de 2008, pesquisadores concluem que a avaliação de desempenho dos cotistas em relação aos não cotistas é próxima, similar ou até melhor. Na Federal da Bahia o coeficiente de rendimento de cotistas é igual ou superior aos demais em 11 de 16 cursos. Na UnB, os índices de aprovação de cotistas e não cotistas são similares (4 pontos percentuais de diferença).

2010 – Promulgada em 20 de julho a lei 12.288, que institui o Estatuto da Igualdade Racial

2012, 26 de abril – Em 26 de abril o Supremo Tribunal Federal (STF) decide por unanimidade que as ações afirmativas são constitucionais, derrotando o partido “Democratas” (antiga Arena, antigo PFL e atual União pelo Brasil, fusão DEM+PSL, partido pelo qual Jair Bolsonaro se elegeu presidente em 2018) na ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 186) contra cotas étnico-raciais adotadas pela UnB.

2012, 27 de abril –Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) publica o texto Cotas raciais, um erro 

2012, 29 de agosto – É publicada a lei 12.711 no Diário Oficial da União, que institui a reserva de no mínimo 50% das vagas de cada turno e curso das instituições federais de ensino superior (IFES) para os estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas; metade desta fatia é reservada a estudantes de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita; ainda daquela fatia, uma proporção variável por Estado será preenchida por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência no mínimo igual à sua proporção na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, com base no censo do IBGE mais recente disponível. O artigo 7º estabelece a avaliação da lei no prazo de dez anos a contar da data de sua publicação.

2012, 20 de novembro – Governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, lança o Pimesp, um programa de “inclusão com mérito” que estabelecia metas no lugar de cotas, previa um fundo de apoio à permanência e criava o Instituto Comunitário de Ensino Superior (ICES) envolvendo todas as instituições estaduais públicas de ensino superior. O ICES seria um curso de tipo sequencial de dois anos voltado para o desenvolvimento de estudos gerais de nível superior com uma distribuição das atividades didáticas 50% presencial e 50% a distância. A seleção seria pelas notas no Enem. [Plano do Pimesp]

2013 – Em 27 de agosto a Unesp aprova resolução (nº 43) instituindo cotas étnico-raciais a partir do vestibular 2014. De 7.259 vagas, 15% (1.134) foram oferecidas aos estudantes que tinham cursado integralmente o ensino médio ou a educação de jovens e adultos em escolas públicas, e destas, 35% da vagas (391) foram destinadas aos candidatos autodeclarados pretos, pardos ou indígenas. A resolução prevê a ampliação dessas faixas nos anos seguintes.

2014 – Lei 12.990 reserva aos negros 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União.

2015 – A cientista Adriana Alves, professora do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP) especializada em mineralogia e petrologia, publica artigo de 9 páginas na revista da Associação de Docentes da USP (Adusp) em dezembro com um apanhado histórico de como a instituição vinha tratando –  ou ignorando – a questão da inclusão racial.

2017 – USP aprova em 4 de julho a introdução de políticas afirmativas na Fuvest 2018 e Sisu. Na votação no Conselho Universitário, 75 membros dizem sim ao sistema de cotas; 8, não e 9 se abstêm, totalizando 92 votos. Das vagas do vestibular da Fuvest 2018, 37% são destinadas aos alunos de escolas públicas. A cada ano a reserva de cotas deve subir, até atingir a meta, em 2021, de 50% das vagas destinadas ao sistema de cotas. As vagas reservadas para PPIs devem ser proporcionais à presença desses segmentos no Estado de São Paulo. Unicamp, que neste ano matricula metade de estudantes egressos da escola pública, aprova em 21 de novembro sistema de cotas para estudantes autodeclarados pretos e pardos, que começa a vigorar em 2019, mesmo ano em que ocorre primeiro vestibular indígena.

Desempenho acadêmico de estudantes da Unesp – 2017

  coeficiente de rendimento índice de desempenho frequência média
SU 6,7 88,8 89,2
EP 6,4 84,6 88,6
PPI 6,0 80,7 87,5
coeficiente de rendimento: média das notas finais das disciplinas cursadas
índice de desempenho: % de disciplinas em que foi aprovado
SU: sistema universal (não cotistas)
EP: egressos de escola pública
PPI: autodeclarados pretos, pardos e indígenas

fonte: Eduardo Galhardo, Mário Sérgio Vasconcelos, Fernando Frei e Edgar Bendahan Rodrigues – Faculdade de Ciências e Letras de Assis (Unesp) – “Desempenho acadêmico e frequência dos estudantes ingressantes pelo Programa de Inclusão da Unesp” in revista Avaliação – publicação da Rede de Avaliação Institucional da Educação Superior (RAIES), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade de Sorocaba (Uniso), volume 25, nº 3, p. 701-723, publicado em novembro 2020

2018 – Unesp atinge a meta de 50% de ingressantes da escola pública mais pretos, pardos e indígenas.

2021 – Unicamp aprova em 30 de abril 20% de cotas étnico-raciais para concursos públicos de servidores da carreira de Profissionais de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão.

USP atinge a meta de 50% de ingressantes oriundos da escola pública, incluindo PPIs.

ingressantes pretos, pardos e indígenas
  USP Unicamp Unesp
2018 16,8% 23,9% 17,6%
2019 19,2% 37,2% 17,7%
2020 21,1% 33,5% 18,5%
2021 22,8% 31,5% 17,7%

fontes: Jornal da USP (28/5/21, por Adriana Cruz); Comvest (acessado em 7/2/22); Eduardo Galhardo, Prograd/Vunesp/Cope-Unesp

OBS: No caso da USP, esta tabela contabiliza PPIs a partir da porcentagem informada da cota EP

2022 – Unicamp e UFSCar realizam vestibular indígena unificado.