Educação midiática é essencial para a leitura crítica de mundo, incorporando a tecnologia como linguagem e cultura

Por Bárbara Paro Giovani e Camila Carvalho

Nem sempre a desinformação veio disfarçada de letras garrafais, muitos adjetivos e repleta de pontos de exclamação. Mas hoje, com o volume e a velocidade proporcionados pela tecnologia, há a necessidade de ações educativas específicas com o objetivo de fornecer subsídios para a leitura crítica da mídia.

“Não dá mais para educar sem incluir as mídias, porque elas permeiam todas as nossas relações. A gente se relaciona política, social e pessoalmente por meio delas”, aponta Januária Cristina Alves, jornalista, mestre em comunicação social e uma das autoras do livro Como não ser enganado pelas fake news. 

O principal desafio consiste no fato de que a educomunicação e a educação midiática abrangida por esta não são uma fórmula, mas sim um trabalho de desenvolvimento de competências. Por isso, leitura, análise, contextualização e também a produção de conteúdo devem fazer parte do processo.

“Capacidade de curadoria de conteúdo digital, fluência digital, saber fazer pesquisa – não é conteúdo que você deu hoje e amanhã envelheceu, é uma habilidade que você desenvolve”, afirma Alexandre Sayad, jornalista, educador e diretor internacional da Aliança pela Alfabetização Midiática e Informacional da Unesco.

Educação midiática

A história da relação indivíduo-mídia passa pela invenção do rádio, da televisão, do computador e da internet. Há um histórico de décadas em que essa questão está na pauta social: ora educação midiática, alfabetização midiática e informacional, ora educação para comunicação e educomunicação.

A diversidade de termos e conceitos reflete a preocupação com essa questão em diferentes localidades e momentos. Os estudos da área remontam aos anos 1950 e 1960 na Europa, Estados Unidos e Canadá, devido a uma preocupação com os aspectos políticos e ideológicos da crescente presença das mídias no cotidiano, e como uma estratégia de defesa em relação aos veículos de informação de massa.

A expressão “educação para as mídias” aparece na Unesco em 1960 e, ao longo do tempo, dado o processo histórico e cultural de transformação das tecnologias, a compreensão sobre o tema foi se ampliando. Surge na América Latina, a partir dos anos 1970, um movimento que resulta na educomunicação, após anos de construção participativa e com apontamentos de Paulo Freire sobre a relação entre comunicação e educação e a vivência contextualizada pelo professor Ismar de Oliveira Soares, do Núcleo de Comunicação e Educação (ECA/USP).

Para Claudemir Edson Viana, professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) e coordenador do Núcleo de Comunicação e Educação da USP, a educomunicação tem grande importância na era da desinformação. “A educomunicação é o que há de mais atual, contemporâneo e inovador, em termos até científicos, de tratar essa questão da educação midiática, não se restringindo a ela. Então, lógico, fake news faz parte, mas a educomunicação não se limita ao suporte, à linguagem, à instituição chamada mídia. Tem a ver com as práticas humanas de se comunicar”, diz.

Nas escolas

As mídias digitais trouxeram novos desafios para essas práticas de comunicação e para o ambiente escolar. “Isso sacode um pouco o universo da escola porque os professores falam “poxa, os alunos estão vindo com informação que eles não pegaram nos livros, não é dos pais, não é da escola. De onde veio?”, comenta Alexandre Sayad. Assim, a educação crítica em relação à mídia e fontes de informação deve estar presente ao longo de todo o processo de formação do indivíduo, sendo importante sua inserção no contexto da educação formal.

Atualmente, no sistema educacional brasileiro os pilares da educação midiática são contemplados pela Base Nacional Comum Curricular, documento que define o conjunto de aprendizagens essenciais que os alunos devem desenvolver ao cursar as etapas da educação básica. As referências à educação midiática ocorrem principalmente nas áreas de linguagens e ciências humanas e abrangem, dentre outros pontos, a cultura digital e o campo jornalístico-midiático.

Guilherme Marcom, físico, doutor em ensino de ciências e matemática pela Unicamp, e professor da rede estadual de São Paulo, comenta que a abordagem das fake news dentro das escolas na área de ciências da natureza é mais recente e que, em São Paulo, o conteúdo está no componente curricular Tecnologia desde 2020. “Dentro dessa discussão de letramento digital aparece a discussão sobre fake news”, relata.

Januária Alves reforça a importância de trabalhar o tema de forma transversal. “A educomunicação é transdisciplinar, multidisciplinar”. Além disso, comenta que os conteúdos são mais voltados para o ensino fundamental e médio devido ao enfoque nesses ciclos na base curricular, mas ressalta que o campo pode ser abordado desde a educação infantil.

A inclusão da educação midiática no currículo é uma estratégia que tem se mostrado efetiva. A Finlândia, desde 2014, aborda o conteúdo no currículo regular, sendo atualmente referência mundial na área. O país ocupa o primeiro lugar no ranking do Media Literacy Index, avaliado pelo Open Society Institute – Sofia, índice que mede o potencial de resiliência às fake news em 35 países europeus.

A formação de professores

Embora haja experiências de sucesso da inclusão da educação midiática no currículo escolar, um dos desafios enfrentados no Brasil é a formação de professores.

Januária Alves reforça essa preocupação, que está em consonância com as ideias apresentadas no livro The media education manifesto, escrito pelo acadêmico David Buckingham. “A próxima grande tarefa que temos é formar os professores adequadamente, porque é uma dificuldade também de todos nós trafegar nesse universo digital. Dominar as mídias sociais é um grande desafio”, acredita a jornalista.

Pensando nisso, a Educamídia foi um programa criado para capacitar professores e engajar a sociedade no processo de educação midiática dos jovens. Atua tanto no ambiente informal – por meio de conteúdos disponibilizados gratuitamente para professores, como planos de aula, roteiros, artigos, jogos de cartas, e outras didáticas – quanto no ambiente formal, em parceria com redes de ensino privadas e públicas.

Outra iniciativa que é referência para a integração da educação midiática na formação dos professores é a publicação, pela Unesco, do currículo de alfabetização midiática e informacional elaborado por educadores do mundo todo, juntamente com a Aliança pela Alfabetização Midiática e Informacional.

A participação de diversos atores é muito importante para o alcance da resiliência às fake news. A criação de políticas públicas, inserção do conteúdo na base curricular nacional, nos currículos regionais e formação de professores são atividades imprescindíveis para o aprimoramento da relação indivíduo-mídia. E para que seja efetiva, é importante ter em mente que a educação midiática implica não apenas no conhecimento de conteúdo, mas no desenvolvimento de habilidades e competências “para lidar com a impermanência da contemporaneidade”, como aponta Alexandre Sayad.

Bárbara Paro Giovani é formada em jornalismo (Unesp). Cursa especialização em jornalismo científico (Labjor/Unicamp)

Camila Carvalho é formada em biologia (UFSCar), com mestrado em oceanografia biológica (FURG). Cursa especialização em jornalismo científico (Labjor/Unicamp)

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