Karina Toledo: Hoje há pouquíssimo espaço para ciência na chamada grande imprensa

Karina Toledo é editora da Agência FAPESP

Poderia contar sua trajetória profissional?

Quando ainda estava cursando o segundo ano do bacharelado em História, iniciei um estágio na Fundação Energia e Saneamento, criada logo após a privatização das empresas do setor elétrico de São Paulo. Essa fundação na época editava duas revistas de divulgação científica, para as quais escrevi alguns textos. Foi quando descobri que me identificava muito mais com aquele tipo de atividade do que com a pesquisa acadêmica ou mesmo com a licenciatura.

Como na época havia obrigatoriedade do diploma para atuar como jornalista, decidi cursar outra graduação quando acabei o curso de História. No último ano do curso de Jornalismo, passei na seleção do Curso de Focas do Estadão. E posso dizer que naqueles três meses aprendi mais sobre o jornalismo do que nos quatro anos da graduação. Ao entrar pela primeira vez naquele prédio enorme situado no bairro do Limão, que na época abrigava ao menos quatro redações diferentes (Estadão, Jornal da Tarde, Rádio Eldorado e Agência Estado), e ao sentir aquela energia e adrenalina que rolada durante o fechamento, tive a certeza de que era ali que eu queria estar.

Terminado o período como trainee me chamaram para uma vaga no caderno semanal Aliás, onde fiquei durante um ano e tive a oportunidade de trabalhar com mestres como Mônica Manir, Fred Mello Paiva e Pedro Dória. Mas para uma “foca” havia pouco espaço ali e, então, quando surgiu a oportunidade migrei para o saudoso caderno Vida, que cobria os temas que mais me interessavam: saúde e ciência (além de educação, religião e sociedade/comportamento). Fiquei um período no fechamento, até que pintou uma vaga de repórter. A ideia inicial era cobrir educação, mas eu sempre que possível emplacava uma pautinha de saúde aqui, outra ali.

Nessa época fiquei grávida do meu primeiro filho e, quando voltei da licença, metade da equipe havia mudado. Um dos repórteres que saiu era setorista de saúde e eu tive a sorte de ficar com a vaga. Finalmente pude me dedicar aos temas que mais gostava. Ao todo foram cinco anos no caderno Vida e foram cinco anos muito legais. Mas com filho pequeno a rotina de jornal diário – pescoções, plantões, horários imprevisíveis – começou a pesar. E o agravamento da crise do jornalismo impresso fez com que os temidos passaralhos se tornassem eventos cada mais vez frequentes. Foram quatro somente em 2011, meu último ano no Estadão. A redação foi encolhendo e, com ela, as perspectivas de futuro para mim ali.

Nessa época me chamaram para uma vaga de repórter na Agência FAPESP. Saí do jornal com o coração partido (talvez sofrendo um pouco de síndrome de Estocolmo). Mas hoje sei que foi a decisão certa. Já estou há 11 anos na Agência FAPESP, agora como editora.

Quais são em sua visão os principais “defeitos” do jornalismo científico praticado hoje?

Um primeiro problema a ser destacado é que hoje há pouquíssimo espaço para o jornalismo científico na chamada “grande imprensa”. Com menos páginas, equipes muito enxutas e anunciantes escassos, os jornalões já não podem se dar ao luxo de manter um setorista de ciência. Então hoje quem escreve sobre o tema, na maioria das vezes, não é um jornalista especializado. Não necessariamente sabe diferenciar o que é um artigo científico consistente, publicado em revista de alto impacto, de um artigo picareta. Não necessariamente sabe avaliar o que é inovador de fato em uma pesquisa. Aí a chance de comprar como verdade o que a fonte diz – sabe-se lá com que tipo de interesse – é muito maior.

Dessa situação decorrem diversos “pecadilhos”, como títulos sensacionalistas, resultados mal explicados ou descontextualizados e até erros de informação propriamente ditos. E isso tudo é agravado pela própria lógica do jornalismo digital. A busca por views, clicks, likes e outras formas de engajamento muitas vezes faz o repórter ou o editor “pesar a mão” para chamar mais atenção.

Qual seria seu foco se fosse responsável por uma oficina de JC de um semestre?

Depende do perfil dos alunos. Se a maioria fosse jornalista, sem background de pesquisa, acho que uma das coisas básicas é dar uma noção geral sobre método científico e comunicação científica. Em quais plataformas se pode buscar artigos científicos, como identificar qual é o autor mais importante de um estudo e como abordá-lo. Ensinar conceitos básicos como fator de impacto e por que isso importa. Como saber se um estudo foi bem desenhado, se tem uma amostra grande o suficiente para sustentar os resultados que apresenta, como avaliar possíveis conflitos de interesse etc.

Por outro lado, para uma turma composta de pesquisadores interessados em aprender a fazer divulgação, e partindo do pressuposto que os conceitos acima mencionados já fossem de conhecimento de todos, o foco seria em técnicas de redação jornalística: estrutura da notícia, lide (e seus diferentes tipos), sublide, como fazer um título e, principalmente, como não fazer um título. Diferenças entre texto noticioso e de opinião. Como tornar um texto atraente e quais os caminhos para divulgá-lo.