Maria Homem: Distrair-se de tudo o que nos distrai de nós mesmos é talvez o melhor caminho para a criação

Por Cristiane Kämpf

Maria Homem é psicanalista. Pesquisadora do Núcleo Diversitas FFLCH/USP e professora da Faap. Tem pós-graduação em psicanálise e estética pela Universidade de Paris VIII / Collège International de Philosophie e Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Autora de Coisa de menina?, No limiar do silêncio e da letra, entre outros.

O que é distração para a psicanálise e como se explica este mecanismo mental?
Do ponto de vista de um aparelho psíquico, sempre trançado em faces conscientes e inconscientes, qualquer coisa em que se coloque foco ou se desfoque, diz de nós. Quando a gente se esforça para se “concentrar” e não deixar de prestar atenção em algo, mas de repente um pensamento nos invade, nos “distrai” do objetivo primário, é porque essa ideia é a fundamental. Se ela atravessou as barreiras da ordem, das categorias encaixadas e da previsibilidade, é porque as censuras tombaram e conteúdos inconscientes puderam vir à tona.

Neste sentido, o que são distrações boas e distrações ruins?
Se os conteúdos que surgiram, para além do foco, da razão e da consciência, podem revelar algo do sujeito e lhe trazer algo da ordem do novo, essa seria a melhor distração. Distrair-se de tudo o que nos distrai de nós mesmos é talvez o melhor caminho para a criação. Por outro lado, se as inúmeras distrações do foco servem para nos tirar do foco do que somos nós, da realidade ou da verdade que poderia nos trazer sofrimento, então essa família de estratégias distrativas é só um mecanismo de defesa. Defesa da angústia e da verdade.

Quão severa é nossa dificuldade de concentração atualmente? Em sua opinião, quais os piores males que ela causa?
Eu desconfiaria que o coletivo humano, de forma geral, mais se afasta do sofrimento e da realidade do que se aproxima do real núcleo dos problemas. Vide as várias facetas disso: o aumento de jogos e formatos de experimentação das redes sociais a partir de uma segunda instância da vida (Second life); as fake news e os vários estilos de informações fictícias sobre a vida e seus acontecimentos; o aumento visceral da química, sob diversos formatos, para nos entorpecer (legal, ilegal, sob forma de ervas, pílulas, líquidos, pós…).

Estamos realmente entre os países que mais consomem ansiolíticos no mundo? O que explica esse nosso comportamento?
Mecanismos de defesa e por vezes de repressão das ideias que trazem a verdade do que se é e de como se vive. Com o detalhe de que a ansiedade e a depressão são as formas contemporâneas mais comuns de sofrer, juntamente com os transtornos que incidem sobre o corpo e a comida.

Quais são as formas saudáveis de nos distrairmos? O que precisamos aprender sobre isso? 
Talvez possamos aprender a nos distrair dos velhos modelos de si mesmo e de organização coletiva para enfim sonhar outras realidades e ter a coragem de criar novas.

Cristiane Kämpf é jornalista especializada em jornalismo científico e é assessora de imprensa na Unicamp