Por um mundo sustentável e energeticamente inclusivo, sem emissões e omissões: Campus Sustentável Unicamp

Por Inácio de Paula

O livro Campus Sustentável: um modelo de inovação em gestão energética para a América Latina e o Caribe é uma obra que apresentam a interdisciplinaridade do conhecimento científico e a sua articulação intersetorial.

A criação do programa Campus Sustentável representa um marco no modo como a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a partir de 2017, passou a conduzir os processos do seu sistema de eletricidade. Os esforços de professores, estudantes e servidores possibilitaram a implementação do Laboratório Vivo de Transição, Eficiência e Sustentabilidade Energética (LV TESE Campus Sustentável Unicamp). Desde então, centradas principalmente no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 7, diferentes pesquisas dão origem a projetos experimentados nos campi universitários. Essa mobilização produz saberes científicos voltados à garantia do acesso à energia elétrica, numa perspectiva inclusiva e sustentável, sem omissões e emissões. A iniciativa se consolidou como um modelo de inovação em gestão energética para a América Latina e o Caribe.

Em 2022, essas experimentações foram relatadas no livro Campus Sustentável: um modelo de inovação em gestão energética para a América Latina e o Caribe. Uma obra com cinco seções, 19 capítulos e seis entrevistas, que apresenta a interdisciplinaridade do conhecimento científico e a sua articulação intersetorial. O ponto alto dessa discussão é a proposição de soluções tanto para o setor elétrico, quanto para o comportamento das pessoas. O abandono do modelo convencional de exploração de recursos naturais não-renováveis, a emissão de poluentes e o modo de consumo dos usuários são questões latentes nessa literatura científica, demonstrando a preocupação dos pesquisadores em produzir impactos positivos frente a problemática mundial das mudanças climáticas. Com versões em português e espanhol, esse material está disponibilizado gratuitamente.

A seção inicial — Alianças para o Desenvolvimento Sustentável — oferece um panorama das universidades latino-americanas e caribenhas conforme o papel que essas comunidades científicas desempenham nas sociedades. O primeiro capítulo recorre aos indicadores World University Rankings, THE Impact Ranking e UI GreenMetric Rankings, contextualizando a participação dessas instituições na dinâmica sócio-histórica, cultural e política, da qual geograficamente fazem parte. Em seguida, centrada no cenário brasileiro, a abordagem trazida no segundo capítulo ressalta a importância das políticas públicas para a gestão e a eficiência energética. Na relação entre os tipos de governança, a eficiência energética tem seu potencial explorado como instrumento de política de desenvolvimento capaz de gerar benefícios sistêmicos à sociedade.

Na sequência, o terceiro capítulo situa a Unicamp como agente social e os seus campi universitários como extensões das cidades onde estão localizados. Com esse movimento, revisita o planejamento territorial-urbano sustentável universitário, pondera sobre as áreas estabelecidas no Plano Diretor Integrado (PD-Integrado), como um modelo e uma base metodológica para sua reprodução ou adaptação em outras universidades. Nesse sentido, o quarto capítulo realiza um apanhado dos resultados primários do LV para cidades inteligentes, alcançados por meio dos projetos constitutivos da primeira fase do Campus Sustentável Unicamp. Por fim, essa primeira seção do livro é encerrada com o quinto capítulo, abordando as alianças intersetoriais e a governança como a quinta hélice da sustentabilidade para o aperfeiçoamento do sistema energético institucional. 

Os resultados trazidos no quarto capítulo são retomados e melhor detalhados na seção seguinte — Projetos Estruturantes — como capítulos que descrevem os processos dessas pesquisas, discutindo mais pragmaticamente a inovação tecnológica para a TESE da Unicamp. Do monitoramento do sistema elétrico à capacitação de recursos humanos em sustentabilidade energética, respectivamente, são assuntos tratados nos capítulos que abrem e fecham essa segunda seção. Nesse entremeio, a questão da geração fotovoltaica, a adesão ao programa de eficiência energética, o uso da internet das coisas e o processo de etiquetagem das edificações também se somam a essa estrutura de pesquisas e projetos que dão forma ao Campus Sustentável Unicamp na sua primeira fase.  

Com o efeito de continuidade, a terceira seção — Projetos Conceituais — destaca a consolidação do caráter permanente das experimentações no âmbito do Campus Sustentável Unicamp. E nesse vai-e-vem se tece o conceito de Laboratório Vivo, ou seja, de uma iniciativa que se encontra em constante transformação.  A inserção de um ônibus elétrico circulando no campus da Cidade Universitária Zeferino Vaz, por exemplo, permite compreender a viabilidade da adoção mais expressiva desse tipo de veículo para a mobilidade urbana. São relatados também nessa seção os projetos de microrredes, bem como os que desenvolvem sistemas inteligentes de iluminação pública e o surgimento do programa interdisciplinar de extensão comunitária Olhos no Futuro, dialogando com a formação de estudantes principalmente da rede pública de ensino. 

A penúltima seção — Ecossistema de Governança para a Inovação — reporta a gestão estratégica da Unicamp com a criação do escritório de projetos especiais Campus Sustentável. Além disso, traz para primeiro plano a articulação institucional elaborada para a consolidação de uma equipe técnica de gerenciamento dos processos capazes de tornar a Unicamp uma universidade sustentável. Junto desse grupo gestor, surgem as câmaras técnicas e, entre elas, a câmara técnica de gestão de energia.  Finalizando essa seção, o Hub Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (HIDS) destaca os interesses frente à área ambiental conhecida como Fazenda Argentina, que ampliou em 60% o território da Unicamp. O HIDS é tomado, então, pelo seu potencial de se tornar um complexo de laboratórios vivos, a partir do comprometimento universitário com a Agenda 2030.

Por fim, a última seção — Parcerias e Entrevistas — proporciona a visão de gestões institucionais e empresariais, imprescindível para a concretização dos processos e produtos que foram sucintamente relatados aqui. Entre essas entrevistas estão a própria Unicamp, com a gestão (2017 – 2021) do período de implantação do escritório de projetos especiais Campus Sustentável, da Eletrobras, da Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL), da Organização Latino-Americana de Energia (Olade), da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e da Escola Estadual Dr. Telêmaco Paioli Melges. São informações que apontam para o reconhecimento da importância desses agentes sociais para o fomento de iniciativas inovadoras que surgem com o propósito de buscar soluções viáveis para problemas complexos da sociedade.

Assim, como é possível perceber, essa obra é um importante gesto político do conhecimento científico, que escapa a uma crítica banal dos modos de produção e consumo, sem ignorá-los, nos quais estão imersos a forma capital do setor elétrico e dos indivíduos dependentes da eletricidade. Trata-se de um comprometimento da ciência em acolher os problemas sociais, (re)pensá-los, e retornar à sociedade com propostas viáveis capazes de solucionar ou mitigar suas preocupações. Desse modo, a sustentabilidade do mercado energético da eletricidade se aproxima mais de um tratamento (processo) do que de uma cura (produto), pois o que está em jogo não é somente uma questão de tecnologias, mas também aquilo que regula as tomadas de decisões políticas e culturais representadas sócio historicamente pelo funcionamento da ideia de progresso, por vezes sinonimizado de desenvolvimento, sob a égide do capitalismo e mais atualmente, nos contornos neoliberais.

De fato, é uma leitura recomendada para o setor elétrico e promissora no âmbito universitário, tendo em vista que apresenta com riqueza de detalhes diferentes processos ligados à ideia de transição, eficiência e sustentabilidade energética. Todavia, até por envolver diversas áreas do conhecimento científico, não é um conteúdo específico destinado apenas a profissionais e estudantes de engenharias — o que de todo modo já seria satisfatório — mesmo apesar do uso demasiado de tecnicismos e jargões comuns a essas áreas do conhecimento científico. A predominância do debate em torno da sustentabilidade e governança, em certa medida, invoca também a quem se interessa pelas questões das mudanças climáticas e da gestão pública. Sem dúvidas, um trabalho que aquece o debate entre instituições, empresas e atores sociais, reposicionando no centro do palco assuntos ligados intrinsecamente aos riscos do coletivo social.

É importante ressaltar que este livro foi escrito por 70 pesquisadores e que suas versões em português e espanhol, respectivamente, só foram possíveis devido ao apoio financeiro da Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) e da Organização Latino-Americana de Energia (Olade).

Inácio de Paula é jornalista bolsista do CPTEn e do Campus Sustentável Unicamp – http://lattes.cnpq.br/4888708241501352