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Programas de renda mínima

O elevadíssimo grau de concentração de renda e de riqueza é uma das características marcantes da economia brasileira. Os índices de desigualdade na nossa sociedade estão entre os mais altos do mundo. Neste cenário, a implantação da garantia de uma renda mínima - a transferência de recursos em dinheiro para pessoas ou famílias que não alcançam determinado patamar de renda - é um dos instrumentos fundamentais para combater a miséria e minimizar esse dramático quadro social.

O Surgimento dos Programas de Renda Mínima no Mundo

No mundo todo, há diferentes programas e mecanismos de garantia de renda mínima destinados a públicos diversos e com objetivos e critérios variados. As discussões sobre a renda mínima começaram a ser formuladas por pensadores liberais no século XVIII. Mas as experiências com programas de garantia de renda mínima (PGRM) surgem nos países desenvolvidos, no século XX, à medida que vai se consolidando o chamado Estado de Bem-Estar-Social. Seu objetivo era criar uma rede de proteção social para as populações mais pobres, através de uma transferência de renda complementar. Um dos primeiros programas de transferência de renda de que se tem notícia foi instituído pelo governo britânico em 1908. Muitos países europeus já nos anos 30-40 passam a adotar políticas com esse perfil redistributivo. A partir de 1975, quando os empregos passam a se tornar escassos na Europa, os governos introduziram políticas compensatórias, como o salário-desemprego. Em 1986 fundou-se a Rede Européia da Renda Básica, a Basic Income European Network (BIEN), com o propósito de se tornar um fórum para debater intensamente todas as experiências de renda de mínima, básica ou de cidadania, nos mais diversos países, rede que difundiu esta idéia mundialmente. Saiba mais clicando aqui.

Segundo o assessor de políticas sociais do Instituto Pólis, Silvio Caccia Bava, "as políticas de combate à pobreza entraram na agenda nacional nos anos 90 pela influência de vários fatores. O mais importante, sem dúvida, foi a campanha nacional da Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e pela Vida, um dos mais importantes movimentos sociais dos últimos anos que, liderado pelo sociólogo Betinho, conclamou a sociedade brasileira a indignar-se e a mobilizar-se na luta contra a fome e a pobreza."

Outra importante iniciativa, que abriu o campo para a ação governamental, foi a aprovação no Senado, em 1991, do projeto de lei do senador Eduardo Suplicy (PT/SP), que institui o Programa de Garantia de Renda Mínima (PGRM), segundo o qual toda a pessoa de 25 anos ou mais que não recebesse o equivalente, hoje, a cerca de R$ 350,00 teria o direito de receber 30%, ou até 50%, da diferença entre aquela quantia e sua renda. Posteriormente enviado à Câmara dos Deputados, o projeto recebeu parecer favorável do deputado Germano Rigotto (PMDB-RS) mas, até hoje, apesar de pronto, aguarda para ser votado.

A partir dos exemplos pioneiros e simultâneos do prefeito Magalhães Teixeira (PSDB), de Campinas, com o PGRM, e do governador Cristovam Buarque (PT), do Distrito Federal, com o Bolsa-Escola, ambos em 1995, os resultados dessas e de outras experiências positivas de Renda Mínima e Bolsa-Escola se alastraram por muitos municípios e alguns estados, vindo a ter repercussão no Congresso Nacional, onde surgiram mais seis projetos de lei dos deputados Nelson Marquezan, (PSDB/RS), Chico Vigilante (PT/DF) e Pedro Wilson (PT/GO) e dos senadores Ney Suassuna (PMDB/PB), Renan Calheiros (PMDB/AL) e José Roberto Arruda (PSDB/DF).

A novidade da Bolsa-Escola brasileira foi justamente estabelecer a vinculação estreita da renda mínima com a política educacional. O sucesso da experiência no Distrito Federal fez com que a Bolsa-Escola se transformasse em referência para vários países.

O "Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à educação - Bolsa Escola", que é um programa de complementação de renda, tem como objetivo elevar o bem-estar de famílias carentes e incentivar a escolarização de seus filhos ou dependentes. Atende atualmente 5,6 milhões de famílias em benefício de 8,6 milhões de crianças em 5.531 municípios brasileiros dos 5.561 existentes. O número equivale a 5% da população brasileira. "Apenas 25 municípios ainda estão fora por questões operacionais", explica o secretário nacional do Bolsa-Escola, Israel Luiz Stal.

Pelas regras do programa federal, cada criança com idade entre 6 e 15 anos, freqüentando regularmente as escolas da rede pública de ensino, tem direito a R$ 15,00 mensais. O benefício máximo por família é de R$ 45,00. O dinheiro é depositado em nome da mãe ou responsável legal pelo aluno e pode ser sacado mensalmente nas agências da Caixa Econômica Federal por meio de um cartão magnético, sem a intermediação de líderes políticos. A escolha dos beneficiários obedece a critérios definidos em lei. Ao completar 16 anos, o adolescente é desligado do programa. O pagamento do Bolsa-Escola às famílias é suspenso caso as crianças atendidas não obtenham freqüência escolar mensal mínima de 85%. O controle da freqüência é feito pelas prefeituras participantes do programa a cada trimestre.

A pesquisadora Lena Lavinas, que participou de uma pesquisa de avaliação dos programas de renda mínima coordenada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), aponta que, na sua versão atual, os programas de renda mínima pretendem combater a pobreza evitando o trabalho precoce infantil e aumentando o grau de instrução dos mais pobres, em particular dos seus dependentes. "A idéia é que a elevação do nível educacional dessas crianças permitirá ampliar sua capacidade futura de geração autônoma de renda, rompendo com o círculo vicioso de reprodução da pobreza. Portanto, são programas cujos efeitos se farão sentir muito mais no médio e longo prazo". Lavinas, contudo, afirma que, nessa versão, o programa acaba excluindo, aqui e agora, "uma parcela relevante da população pobre em idade adulta, notadamente os jovens adultos sem filhos, ou famílias com crianças em idade pré-escolar, ou ainda aquelas com jovens cuja idade varia entre 15 e 18 anos, que não concluíram o primeiro grau."

A professora da Universidade Federal do Maranhão, Maria Ozanira da Silva e Silva, constata que "apesar dos limites existentes, não se pode esquecer também do significado desse programa em termos de assistência social, onde o recebimento de R$15,00 é absolutamente relevante numa situação de extremada miséria. Comparativamente com os programas tradicionais de política social no Brasil, esses programas de transferência de renda trazem um avanço no seu desenho institucional ao dispor diretrizes sócio-educativas e manifestar a preocupação explícita de articulação com outros programas, mas na prática isto não ocorre."

Prosseguindo sua análise, a pesquisadora disse que a quantidade de pessoas e o volume de recursos hoje envolvidos nos programas nacionais é tão grande que, se devidamente articulados, já haveria condições de se pensar numa grande política nacional, em que cada município não precisasse tentar resolver por si só o problema. "Não adianta cada município, por mais avançado que esteja na sua perspectiva política, ficar angustiado e isolado querendo resolver o problema da pobreza da sua região através de programas de transferência de renda específicos, sem que estes programas se articulem com a educação, com a saúde, com o trabalho e outros programas afins."

Afirmando que os programas de transferência monetária isoladamente não vão acabar com a pobreza, nem resolver os problemas de desemprego do país, prognosticou que "já é tempo de se começar a pensar em sair de uma política de renda mínima para uma política de renda de cidadania, que significa a garantia do direito à vida para toda a população. Pois temos a necessidade que os programas de transferência de renda se transformem numa grande política nacional que seja implementada de modo coordenado e descentralizado."

Como estudiosa do assunto, apontou ainda que, o grande nó desses programas é o tempo de estruturação, que se relaciona diretamente com a questão da autonomização da família. "A sociedade precisa entender que a pobreza é um problema estrutural. Portanto, têm pessoas que vão ser pobres a vida inteira. Um programa pode dar um auxílio por seis meses, ou por um ano e meio, a situação pode até melhorar naquele tempo, mas a questão não vai ser resolvida. As políticas sociais por si só não solucionam os problemas econômicos. Se não houver uma mudança de modelo econômico, os problemas vão continuar," finaliza.

"Cria-se muita expectativa em torno dos programas de transferência de renda, mas não se atenta para a pobreza estrutural. As políticas de complementação de renda são residuais, temos que reconhecer a magnitude de nossos problemas" pondera Geraldo Di Giovanni, coordenador do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP), da Unicamp. "Renda não é mínima, nem máxima, a renda é o mínimo. Assim como também, o tempo da emancipação não é cronológico, é um 'tempo social'. As relações de dependência têm que mudar para relações de solidariedade, senão, essas famílias vão ser emancipadas para quê? Para serem inseridas no mercado de consumo?"

Expressando também a sua preocupação, a Diretora de Operações da Secretaria de Assistência Social de Campinas, Martha de Souza, indaga: "Um programa de renda mínima é capaz de realizar inserção social no modelo de exclusão que nós temos? É possível, através da ação de um assistente social e um psicólogo, atendendo em média 200 famílias, fazer essa inserção social? Dezoito meses, é tempo suficiente para tão amplo objetivo?"

Mais informações:
Secretaria do Programa Nacional de Bolsa Escola - Ministério da Educação

(MP)

 
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Atualizado em 10/10/2002
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