| Agricultura 
              familiar predomina no Brasil  Aproximadamente 
              85% do total de propriedades rurais do país pertencem a grupos 
              familiares. De acordo com a Secretaria de Agricultura Familiar são 
              13,8 milhões de pessoas em cerca de 4,1 milhões de 
              estabelecimentos familiares, o que corresponde a 77% da população 
              ocupada na agricultura. Cerca de 60% dos alimentos consumidos pela 
              população brasileira e 37,8% do Valor Bruto da Produção 
              Agropecuária são produzidos por agricultores familiares. 
               Só 
              os dados quantitativos em relação ao universo de pessoas, 
              área ocupada e produtos envolvidos na atividade já 
              seriam suficientes para justificar a elaboração de 
              políticas públicas que visam ao fortalecimento da 
              agricultura familiar. Sua importância é ainda maior 
              considerando-se que cria oportunidades de trabalho local, reduzindo 
              o êxodo rural, diversifica a atividade econômica e busca 
              promover o desenvolvimento de pequenos e médios municípios. As 
              políticas públicas em prol da agricultura familiar 
              surgiram, no Brasil, a partir de meados da década de 90, 
              em decorrência do contexto macroeconômico da reforma 
              do Estado. Foram dois os fatores principais que motivaram o surgimento 
              dessas políticas públicas: a crescente necessidade 
              de intervenção estatal frente ao quadro crescente 
              de exclusão social e o fortalecimento dos movimentos sociais 
              rurais.  O crescimento 
              da miséria, da violência e da insegurança nas 
              grandes cidades fez com que também crescesse o apoio da sociedade 
              urbana às políticas de valorização do 
              meio rural. O Programa Nacional da Agricultura Familiar (Pronaf) 
              surgiu em 1996, graças à luta dos trabalhadores rurais 
              por uma política pública específica e diferenciada 
              para a agricultura familiar. A heterogeneidade 
              e a desigualdade na distribuição de estabelecimentos 
              e produção são marcantes na agricultura familiar. 
              A Secretaria de Agricultura Familiar, órgão do Ministério 
              do Desenvolvimento Agrário, separa os agricultores em 
              três grupos: 1) os que estão inseridos no campo de 
              atividades econômicas integradas ao mercado, classificados 
              como capitalizados; 2) os descapitalizados ou em transição, 
              mas com algum nível de produção destinada ao 
              mercado; 3) os residentes no espaço rural, assalariados agrícolas 
              e não agrícolas com produção agropecuária 
              voltada quase que exclusivamente ao auto-consumo. O primeiro 
              grupo, representado por cerca de 800.000 estabelecimentos, é 
              responsável por algo em torno de 71% do valor da produção 
              familiar. O segundo grupo, formado por outros 1.400.000 estabelecimentos, 
              responde por cerca de 19% do valor da produção familiar. 
              Os outros 1.900.000 estabelecimentos produzem apenas 10% de todo 
              o valor da produção familiar. Ou seja, a parcela majoritária 
              dos agricultores não está inserida no mercado e sua 
              produção é no máximo suficiente para 
              a sobrevivência. Gestão 
              e trabalhoDe acordo com Ricardo Abramovay, professor do departamento de Economia 
              da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade 
              (FEA) da Universidade de São Paulo (USP), não existe 
              modelo agrícola industrial. Para ele, a oposição 
              é de natureza social entre a agricultura que se apoia fundamentalmente 
              na gestão e trabalho de família e aquela que separa 
              gestão e trabalho. "O Brasil é um país 
              com tradição escravista e latifundiário, com 
              raiz histórica no modelo empresa, no qual o trabalhador é 
              'pau para toda obra'", afirma.
 Abramovay 
              explica que o modelo adotado pelo Brasil, o patronal, não 
              foi o que prevaleceu em países desenvolvidos, como os Estados 
              Unidos. A ocupação histórica do território 
              americano foi na unidade entre gestão e trabalho e a agricultura 
              foi inteiramente baseada na estrutura familiar. Abramovay ressalta 
              que os países que mais prosperaram na agricultura são 
              justamente aqueles cuja a atividade teve como base a familiar e 
              não a patronal, enquanto que os países que dissociaram 
              gestão e trabalho tiveram como resultado social uma imensa 
              desigualdade. As 
              cooperativas de produção, cujo crescimento no Brasil, 
              principalmente na região Sul, tem sido grande, na opinião 
              do professor da USP representam uma forma de auxiliar no desenvolvimento 
              da agricultura familiar, ao permitirem que os agricultores familiares 
              tenham um melhor "poder de barganha" tanto na compra de 
              insumos como na venda da produção. No entanto, é 
              fundamental que se estabeleçam regras democráticas 
              de funcionamento, estimulando a participação dos associados. 
              Caso contrário, como ressalta Abramovay, tornam-se grandes 
              empresas disfarçadas de cooperativas. A outra 
              forma de cooperativa entre agricultores, a de crédito, tem 
              como principal desafio atingir o público que, em função 
              da pobreza, não tem acesso aos agentes financeiros. A maioria 
              das cooperativas brasileiras não trabalha com esse público. 
              Uma das poucas experiências de atendimento ao público 
              excluído é a do sistema Cresol 
              de Crédito Solidário , que possui 46 cooperativas 
              nos três estados da região Sul com 20 mil associados 
              em mais de 100 municípios. Para 
              a professora Sônia Bergamasco, da Faculdade de Engenharia 
              Agrícola (Feagri) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), 
              as cooperativas têm a vantagem de estar mais perto dos agricultores 
              e de conhecer melhor suas dificuldades, pelo fato de serem geridas 
              no seio da própria comunidade. Os agentes financiadores, 
              como os bancos, são instituições extremamente 
              formais, que lidam com os agricultores como um cliente qualquer, 
              com um grau de exigência que muitas vezes impossibilita o 
              acesso deles às linhas de crédito. Nesse sentido, 
              as cooperativas muitas vezes se tornam um agente intermediário 
              entre os bancos e seus programas de crédito e os pequenos 
              agricultores, em essencial os agricultores familiares. As cooperativas 
              de crédito rural vêm cumprindo eficientemente esse 
              papel de atender às demandas de crédito por parte 
              do produtor rural. Bergamasco 
              observa também que na agricultura familiar brasileira, as 
              atividades não agrícolas vêm crescendo nas últimas 
              décadas. "Elas são fruto de um processo de transformação 
              que tem suas bases na urbanização do campo brasileiro, 
              como o crescimento dos serviços e o aumento das agroindústrias 
              e isto vem se dando também no espaço de domínio 
              da agricultura patronal. Na agricultura familiar, as atividades 
              não agrícolas vêm se verificando, principalmente, 
              no processo de agregação de valor ao produto a ser 
              comercializado", explica. Estado 
              mais participativoNa opinião da professora da Unicamp a formulação 
              de políticas públicas para a agricultura brasileira 
              precisa levar em conta, principalmente, a grande diversidade regional 
              e fundiária registrada no país. Uma política 
              como a que sempre ocorreu no Brasil, leva ao agravamento dessas 
              disparidades regionais, sociais e econômicas.
 As 
              políticas públicas, na opinião do aluno de 
              doutorado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), 
              Dino Sandro Borges de Castilhos, devem se orientar, em suas estratégias 
              de desenvolvimento, para os territórios mais marginalizados 
              e empobrecidos do país. Essas políticas têm 
              que ter como principal objetivo a minimização das 
              fortes desigualdades regionais. Para que isso aconteça, as 
              regiões mais atrasadas econômica e socialmente deverão 
              contar com maior presença de agentes e organismos estatais, 
              ao contrário de regiões mais desenvolvidas, que poderão 
              contar com menor apoio do Estado.  Na 
              dissertação "Capital 
              Social e Políticas Públicas: um estudo da linha 
              infra-estrutura e serviços aos municípios do Programa 
              Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar", Castilhos 
              afirma que o desenvolvimento dos territórios rurais depende 
              da dinamização da agricultura familiar, da diversificação 
              das economias, da capacidade de criação de ocupações 
              geradoras de novas fontes de renda agrícola ou não 
              agrícola. Um 
              dos resultados da pesquisa de Castilhos foi demonstrar que, particularmente 
              quando ações governamentais pretendem promover o desenvolvimento, 
              o Estado deve ser mais atuante. Cabe ao Estado organizar ações 
              com intenção explícita de induzir a formação 
              de capital social (construção de relações 
              sociais entre os agricultores familiares, entre estes e outros espaços 
              sociais fora dos seus municípios e entre estes agricultores 
              familiares e o poder público municipal) e definir estratégias 
              operacionais que assumam tal intenção, especialmente 
              nos territórios mais marginalizados, social e economicamente. Analisando 
              a linha infra-estrutura do Pronaf, a dissertação conclui 
              que em políticas públicas descentralizadas e voltadas 
              a grupos sociais mais empobrecidos é impossível ter-se 
              sucesso, caso as mesmas não contenham alguns pressupostos 
              operacionais em sua ação, tais como a presença 
              de funcionários públicos dos governos centrais, que 
              cumpram uma função de autonomia inserida ao nível 
              local, e que a coordenação dos conselhos de gestão 
              dessas políticas não sejam exercidos pelos representantes 
              dos governos locais. "Para 
              o êxito dessas políticas é necessário 
              que elas contenham mecanismos operacionais, instituídos pelos 
              governos centrais, que protejam o débil capital social das 
              populações empobrecidas em relação aos 
              interesses dominantes dos seus governos locais", destaca o 
              pós-graduando em Sociologia pela UFRGS. 
              
                | Linhas 
                    de ação do Pronaf beneficiam trabalhadores rurais As 
                    características básicas da agricultura familiar 
                    são: a direção da unidade produtiva é 
                    exercida pela família; a área do estabelecimento 
                    não ultrapassa quatro módulos fiscais; a mão-de-obra 
                    familiar é superior à contratada e a propriedade 
                    dos meios de produção é da família. 
                    Os beneficiários são agricultores, pescadores 
                    artesanais, aqüicultores, extrativistas, indígenas 
                    e membros de comunidades remanescentes de quilombos. O 
                    Pronaf atua com linhas de crédito rural, infra-estrutura 
                    e serviços aos municípios, assistência 
                    técnica e extensão rural, capacitação 
                    e pesquisa. As linhas de crédito rural são diferenciadas 
                    em custeio e investimento para os agricultores familiares 
                    classificados em quatro grupos, conforme a renda bruta anual. 
                    Em 2001, foram aplicados R$ 2,1 bilhões em 909 mil 
                    contratos de crédito rural. Através 
                    da linha infra-estrutura, o Pronaf financia recursos para 
                    recuperação de estradas, aquisição 
                    de veículos de transporte da produção, 
                    construção de pequenas unidades para armazenamento 
                    e comercialização, instalação 
                    de unidades comunitárias de agregação 
                    de valor à produção, construção 
                    de centros comunitários e melhorias no abastecimento 
                    de água. A previsão para 2002 é de aplicar 
                    R$ 213 milhões em 1.506 municípios. Em 
                    2002, a linha de capacitação lançou um 
                    programa com 11 temas prioritários (cooperativas de 
                    crédito, experiências inovadoras de assistência 
                    técnica, uso de tecnologias alternativas, mulheres 
                    rurais, escolas com regime de alternância, agroecologia, 
                    agências regionais de comercialização, 
                    agroindústria familiar rural, associativismo e cooperativismo, 
                    atividades não-agrícolas no meio rural, certificação 
                    de produtos de origem familiar) em que organizações 
                    governamentais e não governamentais apresentaram projetos. 
                    Serão destinados R$ 30 milhões para esses temas 
                    e R$ 6 milhões para a capacitação de 
                    conselheiros municipais de desenvolvimento rural em cerca 
                    de 1.600 municípios. |  (LC) 
              
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