| Descentralização 
              e a municipalização da saúde   Está 
              escrito na Constituição Brasileira: "todos 
              são iguais perante a lei, sem distinção de 
              qualquer natureza". Na prática não é 
              bem assim, e as desigualdades sociais no Brasil atingem proporções 
              gigantescas. A grande extensão e a diversidade de realidades 
              torna difícil a aplicação à risca do 
              que está estabelecido na constituição. Dá 
              para haver igualdade onde a pobreza absoluta convive com a riqueza 
              ostensiva? Na área da saúde esse preceito tem sido 
              exercido de forma plena? Essas perguntas começaram a obter 
              resposta a partir da Proposta de Emenda Constitucional da Saúde 
              (PEC 29), que estabeleceu a participação da União, 
              dos Estados, Municípios e Distrito Federal, no financiamento 
              das ações e dos serviços públicos de 
              saúde, através de uma aplicação mínima 
              de recursos, fixada por lei. A PEC 29 foi o primeiro passo em direção 
              ao Sistema Único de Saúde (SUS), que definiu o direito 
              à saúde, recuperação e prevenção, 
              a todo brasileiro. Esse modelo acaba de completar doze anos. Eis 
              algumas de suas diretrizes básicas: universalidade, integridade, 
              eqüidade, descentralização e participação 
              da sociedade.  Segundo 
              o pesquisador Hudson Pacífico da Silva, do Núcleo 
              de Estudos de Políticas Públicas (Nepp), da Unicamp, 
              o processo de descentralização da saúde nos 
              últimos doze anos tem apresentado resultados positivos. Mas, 
              devido à heterogeneidade dos estados e municípios 
              brasileiros, muitos não apresentam condições 
              financeiras e humanas para assumir todos os compromissos requeridos 
              nesse novo processo. Para a pesquisadora Silvia Gerschman, do Departamento 
              de Administração e Planejamento da Escola Nacional 
              de Saúde Pública/Fiocruz, o sistema de saúde 
              melhorou, fundamentalmente, porque permanece o ideal incorporado 
              à Constituição do 1988 de um sistema público, 
              único, universal, com níveis de atenção 
              integrados e descentralizados em estados e municípios. "Ainda 
              que se tenha colocado grandes empecilhos nestes 12 anos, não 
              houve mudanças na definição constitucional, 
              que é, no capítulo da saúde, a mais adiantada 
              da América Latina". Apesar 
              dos problemas enfrentados pela população, a grande 
              maioria classifica seu atendimento como bom, em especial para os 
              usuários que necessitam de cirurgias, transplantes ou tratamentos 
              especializados. A 
              Política de descentralizaçãoO processo de descentralização da saúde, não 
              ocorreu de forma homogênea no país. De acordo com dados 
              do Nepp em seu relatório do ano de 2000, pesquisas permitiram 
              observar "modelos próprios" de descentralização, 
              isto é, estados e municípios tentando buscar nos recursos 
              locais - físicos, financeiros e humanos - a melhor maneira 
              de se adaptar às novas regras. A criação e 
              a implementação de uma série de programas com 
              a descentralização e a municipalização 
              da saúde, permitiu a cada município, conhecedor de 
              seus problemas, agir de acordo com as suas necessidades.
 Os 
              resultados da descentralização também não 
              são homogêneos. São diversas as razões: 
              dimensão continental do país, diferenças regionais 
              e uma enorme quantidade de municípios existentes, mais de 
              5000, dos quais a maioria de pequeno porte. Segundo Gerschman, "a 
              implementação da política de saúde do 
              SUS é marcada por procedimentos clientelísticos, patrimonialistas, 
              associados ao tráfico de influências no exercício 
              da política pública e muito arraigados na cultura 
              política e institucional". Elementos que influenciaram 
              e continuam influenciando nos resultados da descentralização. Dada 
              a extensão do país e os diferentes "Brasis" 
              existentes dentro dele, são grandes as dificuldades de muitos 
              municípios para assumir o novo modelo, uma vez que nossa 
              tradição histórica está ligada a um 
              padrão centralizador administrativo e financeiro, em que 
              aqueles que estão fora do núcleo central quase não 
              têm participação social no processo decisório. 
              Para viabilizar o processo de descentralização, Silva 
              explica que foram criadas três Normas Operacionais (NO) no 
              SUS durante a década de 90, NOB 91, NOB 93 e NOB 96, que 
              procuraram estabelecer critérios gerais no modelo assistencial 
              de saúde, incluindo seus aspectos organizacionais e financeiros. 
               A Norma 
              Operacional Básica 96 (NOB 96), dividiu as condições 
              em: Gestão Plena do Sistema Municipal, que incorpora a gestão 
              de média e alta complexidade e Gestão Plena de Atenção 
              Básica, onde os municípios se responsabilizam pela 
              gestão dos serviços básicos de saúde. 
              Para garantir a operalização desses novos procedimentos, 
              em 1998 foi criado o Piso de Atenção Básica 
              (PAB), no qual os recursos passaram a ser diretamente proporcionais 
              ao número de habitantes do município, o que possibilitou 
              uma maior estabilidade no planejamento das ações de 
              saúde local. O PAB vem contribuindo para a redução 
              das disparidades regionais, conforme constataram os pesquisadores 
              do Nepp, em recente pesquisa. O 
              que melhorou com a descentralizaçãoEm alguns municípios houve importantes avanços através 
              de iniciativas da gestão municipal, que injetou recursos 
              próprios e foi além das diretrizes estaduais e federais. 
              Em outros, observa-se que as implementações de programas 
              e experiências assistenciais são formuladas exclusivamente 
              no nível federal e são incorporadas pela gestão 
              municipal, apenas como "uma forma de injetar recursos externos, 
              principalmente federais, no município", afirma Gerschman.
 Para 
              a pesquisadora, com a descentralização, o sistema 
              de saúde melhorou na transferência dos recursos, que 
              passou a ser direta para estados e municípios, houve transferência 
              de responsabilidades e atribuições do nível 
              federal fundamentalmente para o municipal. Houve também expansão 
              e desconcentração da oferta de serviços, aumento 
              da parte de alguns municípios no financiamento à saúde, 
              criação de instâncias mais democráticas 
              de participação da sociedade na implementação 
              da política de saúde, formação de instâncias 
              intergestoras de gestão entre estados e municípios, 
              expansão da atenção primária à 
              saúde e mudança nas práticas assistenciais 
              da saúde mental. Segundo 
              Silva, alguns programas colocados em prática com a descentralização 
              já apresentam resultados positivos. "A meu ver, o mais 
              significativo deles é o Programa de Saúde da Família 
              (PSF) que está implantado em 60% dos municípios brasileiros 
              e teve seu início ligado ao Programa de Agentes Comunitários 
              de Saúde (PACS)". A equipe 
              do PSF é composta por um médico, um enfermeiro, um 
              auxiliar de enfermagem e agentes comunitários de saúde. 
              Cada equipe fica responsável pelo atendimento de um certo 
              número de famílias, realizando consultas médicas, 
              consultas de enfermagem, visitas domiciliares, acompanhamento de 
              gestantes e nutrizes. Com a implantação PSF espera-se 
              uma melhora nos indicadores de saúde, como a redução 
              da mortalidade infantil, melhora no atendimento pré-natal, 
              maior número de atendimentos, diminuição do 
              número de internações. Um dos fatores fundamentais 
              para o sucesso desse programa é o vínculo entre os 
              profissionais da saúde e os atendidos, uma vez que, na grande 
              maioria, além da carência financeira, existe a carência 
              afetiva e emocional. A contratação de pessoas qualificadas 
              é um dos grandes problemas enfrentados pelo programa. Papel 
              do estado na descentralização da saúdeO papel do estado no processo de descentralização 
              é o de formulação de políticas e programas, 
              de orientação quanto às políticas e 
              aos programas já existentes, e o comprometimento com a melhora 
              na qualidade dos serviços prestados.
 Porém, 
              no processo de descentralização da saúde, a 
              maioria dos estados ainda é ausente. A grande maioria oferece 
              pouco ou nenhum empenho na organização e no desenvolvimento 
              de áreas supramunicipais de saúde, e usam a prática 
              de levar "seus doentes" para serem atendidos em cidades 
              vizinhas, que acabam ficando sobrecarregadas, uma prática 
              que prejudica o atendimento dos moradores locais. A falta 
              de investimento de muitos estados e municípios, principalmente 
              nas ações de prevenção, formação 
              e desenvolvimento de capacitação de recursos humanos, 
              levou vários municípios do país a enfrentarem 
              verdadeiras epidemias, sem que seus hospitais estivessem preparados 
              para receber os doentes. Um exemplo a ser citado é o episódio 
              da dengue, no qual a falta de estrutura para agir na prevenção, 
              mediante a eliminação do mosquito transmissor, levou 
              muitos lugares a um verdadeiro "estado" de calamidade 
              pública. Porém, 
              é preciso reconhecer que houve boas iniciativas, como a transferência 
              automática de recursos aos municípios através 
              do PAB, para pagamento por serviços prestados, a implementação 
              de programas de estratégia de saúde familiar PSF, 
              PACS, e a regulamentação dos planos e seguros privados 
              de saúde, quando da criação da Agência 
              Nacional de Saúde Suplementar em 2000. A expansão 
              do número de medicamentos genéricos, de custo mais 
              baixo, a distribuição gratuita de medicamentos básicos 
              para a população carente e o fortalecimento do programa 
              governamental de combate à AIDS, que colocou o Brasil como 
              referência Mundial, são outro avanços que merecem 
              registro.  Gerschman 
              conclui que, quanto aos estados, houve pouca participação 
              no financiamento dos programas de saúde. No caso dos municípios, 
              de maneira geral, houve maior adequação à definição 
              constitucional. 
 
              
                | Cronologia 
                    da descentralização/municipalização 1980 
                    - Sistema de saúde centralizador.1987 - Inicia-se a criação do Sistema Unificado 
                    e Descentralizado de Saúde (SUDS) - primeiro movimento 
                    na direção da descentralização 
                    e hierarquização.
 1988 - A Constituição estabelece os princípios 
                    de universalização do direito à saúde 
                    e ao atendimento médico gratuito como deveres do Estado. 
                    Rede regionalizada e hierarquizada. Criação 
                    do Fundo de Seguridade Social.
 1990 - Criação do Conselho Nacional de Saúde 
                    - 7 de agosto de 1990
 1990 - Lei Orgânica da Saúde /LOS - Lei 8.080/90, 
                    que dispõe sobre a criação do Serviço 
                    Único de Saúde (SUS) e estabelece o conjunto 
                    de ações que devem ser seguidas por instituições 
                    públicas, federais, estaduais e municipais.
 1990 - A Conferência de Saúde e o Conselho de 
                    Saúde, regulamentam a participação da 
                    comunidade na gestão do SUS - Lei 8142/90.
 |  (LO)    Para saber mais:Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da 
              Unicamp - Nepp
 11a Conferência 
              Nacional de Saúde
 Conselho 
              Nacional de Saúde
 Ministério da Saúde - http://www.Saude.gov.br
 Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz
 
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