ARQUIVO (2014): ‘Gás natural associado ao óleo do pré-sal vai dotar o Brasil de independência em petroquímica e autossuficiência em fertilizantes’, diz Guilherme Estrella

“Soberania verdadeira só se materializa com investimentos permanentes em educação e pesquisa, que se realizam em instituições nacionais, públicas ou privadas. Empresas cujos centros de decisão localizam-se no exterior não farão isso”, afirmava há 8 anos o pai do pré-sal

 Por Juliana Ewers, para a Inovação – Revista Eletrônica de P,D&I (antiga parceria do Labjor com a Inova – Agência de Inovação da Unicamp)

A descoberta de grandes reservas de petróleo na camada do pré-sal, no Brasil, e de shale gas (também conhecido como gás de xisto), nos Estados Unidos, provocaram uma mudança nas perspectivas futuras para esses recursos não renováveis e, consequentemente, uma revolução geopolítica dentro desse cenário.

Complementares ou concorrentes? Descubra o que pensa o geólogo Guilherme Estrella – também conhecido como o “pai do pré-sal” por ter coordenado a descoberta das reservas no cargo de diretor de exploração e produção da Petrobras – sobre essa nova realidade.

Qual a sua opinião sobre o shale gas? O senhor acredita que essa produção possa vir a comprometer o mercado que até então se imaginava ser do pré-sal?

Estimativas da IEA (Agencia Internacional de Energia, sigla em inglês) apontam para uma demanda mundial de 100 milhões de barris/dia (bopd) por volta da terceira década deste século mesmo levando em consideração a participação no mercado tanto do óleo leve de folhelho (light tight oil) quanto do gás de folhelho (“shale”, em inglês). Com o agravante de que perto da metade destes 100 milhões provirão de campos ainda não descobertos.

A produção desses hidrocarbonetos sofre várias restrições, tanto ambientais como sociais e econômicas, tanto nos próprios Estados Unidos como em vários outros países. Alguns deles chegando até a proibir sua produção. As condicionantes às quais a produção desses hidrocarbonetos deverá obedecer são tão incertas que o próprio governo norte-americano não permite que as empresas produtoras de petróleo em seu território o exportem.

Em outra dimensão, não menos importante, até mais: existe o comportamento real, material e pragmático do mercado mundial que não vislumbra qualquer redução do preço do barril de petróleo nas próximas décadas, como informa também a IEA. O preço do barril vai permanecer em torno dos 110 dólares americanos.

De outro lado, todas as visões antecipadas da matriz energética mundial para os próximos 30 anos – ainda que a considerar a concretamente crescente participação dos renováveis e do gás natural – reserva para o petróleo uma presença praticamente estável em termos percentuais, mas crescente em termos volumétricos.

Não há, portanto, no horizonte visível, qualquer ameaça para o petróleo como a principal fonte de energia segura e confiável para a humanidade ao longo de, pelo menos, a metade deste século XXI.

Então, o senhor não avalia a possibilidade de haver uma crise do petróleo como observado no passado?

O futuro do petróleo e do gás natural do nosso pré-sal está propiciando ao Brasil alcançar a segurança energética indispensável para sustentar o desenvolvimento nacional por todo este século XXI.

Um aspecto crítico dessa afirmação é o fato de a Petrobras ser a operadora única para a produção do pré-sal nacional. Não há, dentre todas as empresas petrolíferas mundiais, outra empresa que não a estatal brasileira, que o descobriu, que detenha o conhecimento de geologia e de engenharia, a tecnologia e a experiência operacional que assegurem a produção em elevados padrões econômicos, tecnicamente segura e ambientalmente responsável do pré-sal brasileiro; além de estar dentro das expectativas e necessidades que o Brasil demanda por uma fonte segura e confiável de energia. Prova disso é o fato de termos atingido a marca dos 500 mil bopd em tempo recorde, feito espetacular que merece o amplo reconhecimento da indústria petrolífera mundial.

Um ponto de que se fala muito pouco e que exibe relevância são os gigantescos volumes de gás natural associado ao óleo do pré-sal brasileiro. O gás natural do nosso pré-sal chega num momento extremamente crítico do processo de desenvolvimento social e tecnológico brasileiro quanto a dois aspectos: é imprescindível contarmos com suprimento oriundo do território nacional. Matéria-prima esta que dotará o Brasil de sua independência na área petroquímica e de sua autossuficiência em fertilizantes, necessários para a segurança alimentar do nosso país. O gás natural do nosso pré-sal fornece com sobras esta demanda. [Fertilizantes nitrogenados são derivados da amônia – que é obtida a partir da transformação química do gás natural – e amplamente utilizados na agropecuária e na indústria. De acordo com a Petrobras, a demanda do mercado brasileiro de fertilizantes é maior que a produção nacional.]

Temos de considerar também que com o crescimento global, a demanda por petróleo aumenta proporcionalmente. As fontes tradicionais de petróleo, como os gigantescos campos no Oriente Médio, devem parar de crescer em 2030, segundo a Agência Internacional de Energia. Isso numa época em que o consumo de petróleo terá aumentado 50%. O senhor acredita que o Brasil vai conseguir elevar a produção no mesmo ritmo que a demanda dos próximos anos? O senhor enxerga um planejamento para isso dentro do nosso país?

Essa última pergunta é, talvez, a mais importante. Como fica o planejamento nacional para que tudo isso aconteça? Este é o ponto. O Brasil necessita urgentemente de um planejamento estratégico nacional. Que país, que sociedade queremos ser? Desenvolvimento integral significa processo de consecução de soberania também completa. O consagrado economista brasileiro Luis Gonzaga Belluzzo, recentemente, nos alertou para a nossa inapetência em discutir a estratégia nacional. A dimensão energética é fundamental, mas não basta.

Temos que olhar para trás e ver na história dos países hoje chamados de centrais que seus respectivos desenvolvimentos basearam-se em estratégias em que Estado e empresas privadas genuinamente nacionais estavam no centro de decisões.

Considero este um ponto decisivo pela simples razão de que a soberania verdadeira, a chamada autonomia de decisão, ao lado do controle das riquezas e potencialidades naturais nacionais, só se materializa verdadeiramente com conhecimento e capacitação tecnológica e das engenharias dos brasileiros e investimentos permanentes em educação e pesquisa, que se realizam em instituições nacionais, estatais ou privadas, no Brasil. Empresas cujo controle e centros de decisão localizam-se no exterior não farão isso.

+ARQUIVO – Leia abaixo a reportagem acompanhada pela entrevista acima, publicada em 17 de setembro de 2014:

Pré-sal cobra do Brasil estratégia e cautela com potenciais ameaças

Especialistas indicam gargalos e apontam necessidade de cooperação internacional, sustentabilidade da indústria nacional e investimentos em educação e ciência.

Por Juliana Ewers

Os sequenciais recordes de produção de petróleo verificados no Brasil no primeiro semestre deste ano –   classificados pela IEA (Agência Internacional de Energia, sigla em inglês) como um desempenho “excepcional” – demonstram que os ganhos com o pré-sal já são uma realidade. Mas também expõem os desafios tecnológicos de petroleiras e fornecedores do setor a serem superados nos próximos 50 anos – período estimado de duração das reservas brasileiras. A fim de acompanhar a pujança, defendem os especialistas, é preciso consolidar um plano estratégico, fechar parcerias com os países da Bacia Atlântica para neutralizar ameaças, compartilhar expertise e formar profissionais capacitados para o setor de óleo e gás.

A descoberta do pré-sal – algo em torno de 80 bilhões de barris em águas profundas ou ultraprofundas, a mais de 300 quilômetros de distância do continente – colocou o Brasil entre as seis maiores reservas de petróleo do mundo, tornando o país autossuficiente em energia por um longo prazo. De acordo com dados divulgados pela IEA, a matriz energética mundial baseava-se em 2010, principalmente, em petróleo (32%), carvão (27%), gás natural (22%) e bioenergia (10%). As expectativas dadas pela agência para 2035 são de que petróleo e gás natural continuem sendo os insumos energéticos prioritários para a humanidade, impulsionados pelo pré-sal brasileiro e pelo shale gas – ou gás de xisto – norte-americano. Isso demonstra que o conjunto de recursos energéticos encontrados no Brasil assegura a possibilidade de transformação do país, impulsionando-o de coadjuvante para protagonista no cenário geopolítico.

Na opinião do geólogo Guilherme Estrella – também conhecido como o “pai do pré-sal”, por ter coordenado a descoberta das reservas no cargo de diretor de exploração e produção da Petrobras –, esse cenário implica a necessidade de se pensar estrategicamente, para não pôr em xeque a soberania nacional. “Estamos a assistir um profundo período de mudanças. É necessário que o Brasil enfrente um processo de construção firme e irreversível desta sua nova, inusitada e inalienável missão. Dentro desta perspectiva, o efetivo controle, a gestão e a operação de produção de energia no país devem estar na mão do Estado nacional e de empresas genuinamente brasileiras. Temos mania de misturar estratégia com economia. Ela é importante, mas a estratégia nacional precisa se libertar um pouco disso”, defende.

Uma estratégia de segurança energética, avalia Rodrigo Garcia, mestre em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense e pesquisador do setor petrolífero, significa um plano institucional que projete o setor de energia brasileiro para os próximos 50 anos ou mais. “Nesse contexto, é preciso pensar na garantia plena de oferta de energia no país; no desenvolvimento do mercado de energia sob controle do governo brasileiro ou de empresas brasileiras, para oferecer autonomia ao país na área de energia; nas possibilidades industriais, econômicas, tecnológicas e geopolíticas do setor; nas questões sociais; e nas possibilidades de desenvolvimento de energias que substituam os combustíveis fósseis. Deve ser criado um plano político-institucional conjugado com dispositivos de legislação e estratégias de investimentos maciços. É uma questão de Estado e não de governo”, explica.

Cooperar para não ser ameaçado

O professor titular de Economia Industrial da UFRJ (Universidade Federal do Rio Janeiro) Adilson de Oliveira, argumenta ainda que esses pilares da segurança energética sejam sustentados por meio de cooperação entre o Brasil e os parceiros comerciais. No setor do petróleo, essa é uma fragilidade perceptível, segundo ele, tendo em vista que a gestão do pré-sal está sendo conduzida “em franco distanciamento dos parceiros da Bacia Atlântica”. “A segurança energética pode ser percebida como a busca da autossuficiência. Em minha opinião, essa é uma forma equivocada de segurança energética. No limite, ela pode se revelar um fomento à insegurança energética, na medida em que países que não possuem recursos energéticos suficientes para alcançar a autossuficiência são tentados a lançar ações agressivas contra seus vizinhos próximos ou longínquos, para romper as barreiras que limitam seu abastecimento”, alerta.

Esta é a realidade fatídica demonstrada à exaustão pelos acontecimentos que marcaram a história do mundo nas últimas décadas. E não há qualquer indício de que as atuais nações hegemônicas abandonem por decisão própria este modelo de dominação político-militar que adotam sem qualquer tipo de limites sejam éticos, políticos ou até mesmo humanitários”, afirma Estrella, lembrando da recomposição da Quarta Frota do Atlântico Sul norte-americana em 2008, um ano após o anúncio do governo brasileiro a respeito do potencial gigantesco do pré-sal.

“A humanidade precisa se rearranjar levando em conta a presença de novos e muito importantes atores na cena geopolítica internacional, suas mensagens e seus interesses. O Brasil é um destes países em razão de seu amplo território; de suas riquezas estratégicas naturais, minerais e energéticas; de sua potencialidade diferenciada como produtor de alimentos; de seu potencial hidrológico; das características igualmente diferenciadas para melhor do seu povo; por sua já aceita liderança continental latino-americana; e por outras tantas razões. Entretanto, esta posição de destaque geopolítico não será atingida por concessão amigável das atuais nações que compõem o grupo hegemônico de poder”, completa o geólogo.

Dentro dessa proposta de cooperação, surge também a oportunidade de levar a expertise adquirida com o pré-sal para a costa da África, onde se acredita que existam reservas equivalentes às brasileiras devido às semelhanças na formação dos continentes e as condições geológicas. “Essa estratégia deve ser fundamentalmente assentada na consolidação de laços energéticos estruturados em torno da cooperação industrial e econômica entre os países”, sugere Oliveira.

Estruturando os atores do setor energético

Contudo, antes de pensar na exploração do outro lado do Atlântico, há muito a ser arquitetado dentro do país para superar os gargalos existentes.

O primeiro deles diz respeito à necessidade de desenvolver novos materiais para explorar o pré-sal, considerando que o óleo está localizado em um ambiente diferente dos campos até então conhecidos, com gases corrosivos e nocivos.

Antonio Cláudio de França Corrêa, que é assessor de Planejamento Estratégico da Pré-Sal Petróleo S.A. – estatal criada pelo governo federal para gerenciar e fiscalizar os contratos de exploração de petróleo sob o regime de partilha, que passou a vigorar para a província marítima do Pré-Sal –, lembra que há também uma logística complexa para o abastecimento de plataformas, dadas as longas distâncias da costa.

Outra questão, destacada pelo geólogo Estrella, é a necessidade de o país “dominar profundamente” os processos que envolvem o pré-sal. “O Brasil precisa de uma infraestrutura de extenso conhecimento científico, que abrange: conhecimento geocientífico sobre a rocha em si; reservatórios produtores de óleo e gás; satélites espaciais, produtos industriais de alta tecnologia e confiabilidade, como bombas, válvulas, turbinas, embarcações navais e aéreas; sistemas eletrônicos integrados, que vão desde apoio e monitoramento dos poços produtores a apoio logístico, tendo a segurança operacional e a preservação ambiental como seus pilares; e projetos de engenharia exigentes de pessoal extremamente bem formado em nossas universidades. Enfim, estamos a tratar de um gigantesco e complexo sistema de competências e capacitações”, explica.

Essa complexa estrutura, por sua vez, depende de investimentos proporcionalmente pesados. Só para se ter uma ideia: mais da metade da produção nacional de petróleo sairá do pré-sal até o ano de 2018, de acordo com a Petrobras. Neste mesmo período, serão instaladas 20 novas plataformas – 19 na Bacia de Santos e uma na Bacia de Campos.

“Capacidade de investimento é uma questão primordial, principalmente em relação à Petrobras, que tem de assumir 30% de todos os campos do pré-sal. Nós sabemos que a empresa tem vivido uma situação difícil. Devido à crise, a Petrobras não tem gerado recursos suficientes para sustentar seu programa de investimentos. Além disso, por estar submetida ao regime de preços para conter as pressões inflacionárias, a empresa tem sofrido prejuízos. Por isso, parcerias são necessárias. No Campo de Libra, por exemplo, há a Shell, a Total e as estatais chinesas para colaborarem nesses desafios. Por outro lado, antes de qualquer coisa, o Brasil precisa ter regras muito claras e definidas para atuar com a maior transparência possível”, justifica o diretor do Cepetro (Centro de Estudos de Petróleo) da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Denis Schiozer.

“A indústria do petróleo é uma indústria universal. Petróleo é tão líquido quanto qualquer moeda. Atrás disso, vem uma indústria que é igualmente universal. As pessoas que trabalham nessa indústria necessariamente participam desse mercado global. Então, chega a ser engraçado falar em independência. Será uma eterna interdependência. Agora, uma coisa é ter interdependência e outra é ter capacidade de participar dessa interdependência entre os players. A indústria é globalizada, as atividades são globalizadas, as tecnologias empregadas aqui automaticamente se difundem e vice-versa. Só que é preciso ter capacidade nacional para fazer isso com autonomia”, complementa Osvair Trevisan, também do Cepetro.

Incentivar a inovação e estruturar a cadeia industrial

Um estudo da ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) estima que nos próximos dez anos os investimentos em P,D&I no setor totalizem R$ 30 bilhões. Já o BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) calcula que, entre 2014 e 2017, o setor de petróleo e gás receberá um investimento de R$ 488 bilhões, que representam 45% do total da indústria nacional.

Porém, na contramão desse processo estão empresas receosas em investir. Exemplo disso é o Inova Petro – criado com R$ 1,5 bilhão de recursos da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) e R$ 1,5 bilhão do BNDES – que não tem conseguido atrair o interesse de muitas empresas. Ainda que a Petrobras tenha auxiliado na escolha das linhas de pesquisa do programa de financiamento à inovação no setor de óleo e gás, não há nenhuma cláusula no edital que garanta o poder de compra da empresa. Sendo assim, há um temor dos empresários ligado ao desafio tecnológico e à falta de demanda futura para os serviços e equipamentos listados.

“O Brasil é um país interessante, porque é industrializado, mas é um país que não tem domínio. Ele é subdesenvolvido no domínio da tecnologia industrial. De modo geral, o país sofre muito com a falta de uma estrutura que o faça desenvolver isso de forma segura, sustentada e orgânica. No caso do petróleo, a Petrobras sempre foi um vetor muito importante no desenvolvimento das tecnologias associadas a serviços e a produtos ligados a petróleo, mas nós não tivemos um desenvolvimento industrial acoplado a isso. Essa é uma batalha a ser vencida. O pré-sal coloca grandes demandas. Tem alguns pontos aqui e outros ali que estão caminhando muito bem, mas se olharmos o todo, o quadro é fraco”, analisa Trevisan.

Situações estas que dificultam ainda mais a proposta de desenvolver fornecedores brasileiros para a cadeia produtiva do setor de petróleo e gás. E, consequentemente, colaborar com a política de aumento do conteúdo local. De acordo com as regras em vigor, a Petrobras deveria alcançar um índice de 55% a 65% de conteúdo local nos equipamentos que utilizar nas áreas adquiridas em 2005. Contudo, só tem sido possível comprar cerca de 15%.

Outra tentativa de dar mais sustentabilidade à cadeia é a nova regulamentação da ANP (Agência Nacional do Petróleo) que norteia os investimentos em P,D&I. “No ano passado, foram R$ 8 bilhões em investimentos, sendo que 97% foram empregados pela Petrobras. Além dela, existem hoje mais dez empresas devedoras dessa obrigação. Nossa expectativa, é que daqui quatro anos a Petrobras corresponda a 75%, pois teremos mais agentes nesse cenário”, afirma a superintendente de pesquisa e desenvolvimento tecnológico da ANP, Elias Ramos de Souza.

Segundo consta na nova regulamentação proposta, “a ANP introduziu nos contratos de concessão, desde a rodada zero de licitação dos blocos, a obrigação de investimento em pesquisa e desenvolvimento correspondente a 1% do faturamento bruto nos campos em que a participação especial é devida. De acordo com o dispositivo contratual, pelo menos 50% do montante deve ser aplicado em universidades e instituições de pesquisa credenciadas pela ANP. O restante dos recursos pode ser aplicado nas instalações do concessionário, suas afiliadas ou empresas contratadas para este fim”. Ao menos 10% dos recursos também devem ser destinados a projetos de fornecedores de micro, pequeno e médio porte brasileiros.

Outra modificação é a previsão de criar o Comtec (Comitê Técnico-Científico), com atribuições e composição definida pela ANP, com a missão de estabelecer diretrizes para a aplicação dos recursos correspondentes aos mínimos obrigatórios.

Em reuniões que antecederam as audiências públicas, representantes do setor questionaram a ANP quanto ao excesso de burocracia relacionado aos trâmites estabelecidos no documento e a forma com que os recursos destinados a P,D&I seriam geridos e aplicados, preocupados principalmente com o papel assumido pelo Comtec.

“As regras são sempre necessárias. Porém, é uma arte fazer um ordenamento, porque a dosagem é como um remédio: pode ajudar ou pode matar. No geral, ter um regulamento é bom. Nós tínhamos um regulamento para isso e a ideia era atualizar, até porque as condições mudam com o tempo. No passado, tínhamos basicamente a Petrobras. Hoje, temos outras empresas gerando esses recursos. Então, é importante que essas empresas também tenham a oportunidade de fazer esses investimentos, de forma a atender o que o país precisa. Tudo o que precisa ser trabalhado é não fazer com que o regulamento seja demasiadamente prescritivo ou apresente regras ultrapassadas. O objetivo é ajudar o conhecimento e o desenvolvimento de tecnologias para o país. Isso é o que está em jogo”, analisa Trevisan, que participou dos encontros prévios propostos pela ANP.

Após audiência pública realizada no fim de agosto, alguns pontos criticados por universidades, petroleiras e fornecedores passam por análise da ANP, que determinará se devem ser feitas alterações.

A disputa pelos royalties

Ainda tratando de investimentos, a comunidade científica questionou a decisão da presidente Dilma Rousseff de destinar 50% dos ganhos com royalties do pré-sal para o Fundo Social, sendo aplicados 75% na Educação e 25% Saúde.

Quando a lei começou a tramitar, a SBPC (Sociedade Brasileira para Progresso da Ciência) defendeu que esses ganhos fossem divididos entre Educação e Ciência. “O óleo é um recurso finito. Sem ciência, não vamos achar novas alternativas para darmos um salto depois que as reservas acabarem. Só descobrimos o pré-sal porque investiram em ciência. A questão é que o investimento em ciência não gera lucro imediato, não é bolsa de valores. São ganhos a longo prazo, mas que também são muito importantes para o desenvolvimento do país”, afirma a presidente da SBPC, Helena Nader. Ela lembra ainda que hoje o Brasil investe 1,2% em ciência e tecnologia, enquanto a China investe 3%. “Temos um número cada vez maior de doutores e universidades, mas sem investimento isso vai morrer na praia.”

Para o diretor do Cepetro, saúde e educação são pontos críticos e todos os setores deveriam contribuir para melhorar as condições dessas áreas. “Creio realmente que parte dos royalties devam ser direcionados à saúde e à educação. Mas novas fontes de energia também precisam ser pensadas. Por isso, é importantíssimo investir em P,D&I. Compara-se muito o Brasil com a Noruega, que conseguiu dar um salto impulsionado principalmente pelo petróleo. Porém, são realidades muito diferentes. Quando a Noruega conseguiu dar o salto, o país estava com a casa em ordem. Daí é fácil pensar em um fundo petrolífero para os próximos 30 anos”, explica. O fundo petrolífero da Noruega foi criado com o objetivo de resguardar partes dos lucros gerados pela extração de óleo para as gerações futuras. “Agora no Brasil, onde esses problemas são gritantes, fica difícil pensar em um fundo com essas características, sabendo que convivemos com graves problemas na rede de ensino e no sistema de saúde público. Por isso, eu defendo que haja um equilíbrio entre os dois”, completa Schiozer.

Paralelamente, há a necessidade de recuperar recursos do Fundo CT-Petro, que já significaram 40% do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, e hoje está ameaçado pelos constantes contingenciamentos (limitação dos gastos frente à receita para economizar e reduzir a dívida do poder público) feitos pelo governo federal, reduzindo assim a capacidade de investimentos nas pesquisas científicas e tecnológicas.

“A perspectiva é a de que o CT-Petro decline, porque refere-se a campos que estão hoje com produção em baixa. A menos que o governo mude a perspectiva de continuar contingenciando, caso contrário vai minguar. Ao longo dos anos, podemos dizer que a característica essencial do fundo foi mudando. Hoje, cerca de 90% é contingenciado”, afirma Trevisan.

“O pré-sal era nossa esperança, porque o CT-Petro já praticamente não existe mais. Vai desaparecer. A luta agora é para que dos outros 50% dos royalties referentes ao pré-sal, pelo menos 10% sejam direcionados ao MCTI para fazer a gestão e investimentos em C&T. Se o país quer assumir a liderança, terá de investir”, diz a presidente da SBPC.

Os recursos não-reembolsáveis do CT-Petro são operados pela Finep e hoje representam apenas R$ 150 milhões.

“Se o Brasil quer interagir com o mundo inteiro, falar com autoridade e ser ouvido com respeito, precisa ter gente preparada e com capacidade. É preciso trilhar, sabendo que essa é uma relação de interdependência global. Por isso, precisamos de pessoal capacitado. A chave é essa. No fundo, só depende de nós. Estamos em um mercado, já participamos dessa atividade, mas precisamos fazer nossa lição de casa”, conclui Trevisan.

A Inovação – Revista Eletrônica de P,D&I tentou contato com os ministérios de Minas e Energia, de Ciência, Tecnologia e Inovação, e com a Casa Civil por três vezes, mas até o fechamento desta edição não obtivemos retorno referente à questão dos royalties e do CT-Petro.

17 de setembro de 2014