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Os caminhos e descaminhos da progressão continuada

Ainda persiste a idéia de que o sistema de progressão continuada é uma política que visa a promoção automática dos alunos, na qual não há avaliação. Os problemas de aprendizagem dos alunos seriam empurrados para anos seguintes e serviriam simplesmente para maquiar estatísticas de evasão escolar, atendendo às exigências de instituições internacionais. "Esta política tem sido mal compreendida pela sociedade", diz Therezinha Fran, pedagoga e especialista em políticas sociais. Parte da comunidade científica também pensa dessa forma, apesar de reconhecer que os dados que indicam a presença de cerca de 98% de alunos nas escolas têm sido usados até mesmo em campanhas políticas. A crítica feita pelos pesquisadores está mais focada no processo de implantação do sistema, do que em seu conjunto de propostas.

Ao invés de uma política de proteção social, que procura garantir o direito constitucional à educação, o sistema de progressão continuada "é uma escolha por uma proposta pedagógica que busca promover uma transformação na concepção de educação, atingindo a rede social que envolve alunos, pais, professores e pesquisadores", diz Fran. Diferente de políticas como a bolsa-escola e a merenda-escolar, que surgem em um cenário de fragilidade sócio-econômica brasileira, o sistema de progressão continuada questiona o processo de ensino-aprendizagem da escola tendo como fundamentação teórica os estudos da psicologia e da psicanálise, que buscam compreender como a criança se desenvolve e aprende. Aparecida Huet, professora da Universidade Federal de São Carlos (SP) comenta que a proposta envolve um dos desafios enfrentados pelos pesquisadores no campo educacional, "o de pensar como o conhecimento teórico se transforma em algo prático".

O sistema de progressão continuada se insere em um conjunto de orientações criadas em 1996 pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). As mudanças mais conhecidas estão relacionadas à avaliação: a criação de uma recuperação paralela ao ensino por meio de classes de aceleração; o estímulo a formas de avaliação flexíveis e diversificadas; a auto-avaliação. Tornar a avaliação "formativa" e "diagnóstica", focalizando o processo de ensino-aprendizagem e não apenas o produto final, é a intenção da proposta, segundo o Conselho Estadual de Educação (CEE). Porém, as mudanças sugeridas não se restringem à avaliação, mas envolvem uma "alteração radical" da organização da escola, da proposta pedagógica e da concepção de educação, segundo o CEE.

Outras mudanças propostas pelo Sistema de Progressão Continuada
  • construir coletivamente a proposta pedagógica de trabalho
  • fazer diferentes registros para o acompanhamento da aprendizagem dos alunos
  • organizar e usar tarefas suplementares adequadas para possibilitar variadas formas de trabalho escolar
  • desenvolver o trabalho pedagógico em sala de aula através de uma combinação de atividades comuns e diversificadas
  • modificar a dimensão das turmas, os critérios de composição das mesmas, a rigidez dos horários, dos programas e regulamentos, das formas de os alunos trabalharem em grupos, e aperfeiçoar os ambientes e materiais de aprendizagem
  • dotar as escolas das condições necessárias (salas, materiais, orientação dos professores etc.) para a recuperação paralela
  • Há indicativos de que as classes de aceleração já estão em funcionamento e que a avaliação de professores e pesquisadores sobre sua implementação, como meio de "recuperar" os alunos paralelamente ao ensino, tem sido positiva. As mudanças de nomes também já estão sendo assimiladas pela comunidade escolar, 1o ciclo, ao invés de 1a a 4a séries, e 2o ciclo, no lugar de 5a a 8a séries. Porém, outras mudanças propostas têm encontrado resistências de diferentes ordens na sua implementação gerando a idéia de que "mudaram apenas os nomes". Compreender os motivos que levam algumas mudanças a ocorrerem e outras não, também tem sido uma meta dos pesquisadores.

    Dúvidas e desafios
    A professora Mariley Gouveia, do grupo Formar-Ciências da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), comenta que a progressão continuada vem de encontro a muitas das expectativas dos pesquisadores no campo educacional. Porém, uma vez que não tem sido dadas as condições de trabalho necessárias para a realização de transformações importantes, tal política tem se transformado em mera progressão automática. Gouveia ressalta que "se a política não está preocupada com as condições de trabalho dos professores, deixa de ser política educacional e vira pura estatística".

    Aparecida Huet reforça a idéia de que a progressão continuada é "uma boa idéia implantada de forma inadequada". Para ela, para que a escola possa elaborar uma proposta pedagógica, é preciso que haja um diálogo entre professores, coordenadores e diretores. Porém, as condições de trabalho dos professores - jornadas fragmentadas, contrato por hora aula, alta rotatividade e baixos salários - não propiciam condições para que o trabalho coletivo aconteça. Ela comenta ainda que "o trabalho do professor não é apenas dar aulas, mas também estudar e planejar com a comunidade, e isso precisa ser remunerado".

    Luiza Alonso Silva, pesquisadora na área da educação ligada ao Núcleo de Apoio à Pesquisa sobre Populações Humanas em Áreas Úmidas Brasileiras (NUPAUB) da USP, acrescenta mais um problema: na passagem da formulação para a implementação, algumas medidas tomadas pelas Secretarias e Conselhos de Educação têm sido consideradas prescritivas e normatizadoras em relação ao sistema de progressão continuada, conta Silva. A falta de participação dos professores, e também de muitos pesquisadores, na criação e viabilização das políticas educacionais tem criado um desencontro entre o papel da escola, da universidade e as diretrizes educacionais estabelecidas pela legislação.

    Revendo tradições do ensino e da pesquisa
    Entre os cientistas há posições diferentes sobre a necessidade de "formar" ou "capacitar" os professores para que essa política educacional tenha sucesso. Miguel Arroyo, professor e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais, em seu artigo Ciclos de desenvolvimento humano e formação de educadores (Leia o artigo publicado na revista Educação e Sociedade v.20 n. 68, analisa a implementação do sistema de progressão continuada em escolas no Distrito Federal e diz que "não se implantarão propostas inovadoras listando o que queremos inovar, as competências que os educadores devem aprender e montando cursos de treinamento para formá-los".

    Estas medidas, para Arroyo, são pautadas na racionalidade técnica e na lógica dedutiva que partem do princípio de que "as normas criam a realidade social e que os papéis sociais podem ser modificados com as normas". Para o pesquisador, é importante olhar como, diante da legislação e das condições oferecidas, os professores têm repensado seus papéis sociais de educadores, e modificado suas práticas. Nas escolas que acompanhou, os professores não participaram de cursos de treinamento, mas têm tentado discutir e reformular o currículo, a avaliação e a proposta pedagógica. Esse tipo de experiência é, para Arroyo, um processo formador mais potente, porque coloca em debate o papel dos professores e possibilita repensar a tradição nas pesquisas e intervenções no campo da formação de professores.

    "Mudança radical" ou "Mudança nenhuma"
    Luiza Alonso recordando suas experiências diz que os estudantes de hoje não conhecem os esforços realizados na área educacional na década de sessenta. "Nós queríamos efetivamente a transformação e achávamos que ela estava logo ali. Hoje sabemos que é diferente". As avaliações de que "nada mudou" porque a "mudança radical" no ensino, proposta pelo sistema de progressão continuada, não aconteceu, situa essa questão em pólos opostos e extremos, desconsiderando que entre essas duas posições existem nuances do que tem se chamado de "mudança".

    A visão de que é necessário modificar a escola, por meio de um conjunto de ações externas a ela e alheias ao seu contexto cultural ainda persiste no campo educacional. Porém, um outro olhar, que coloca esses sujeitos como parte do processo de planejamento e ação de transformação das práticas, tornando-os parceiros na produção de conhecimentos, tem ganhado espaço.

    Anuncia-se a necessidade de novos questionamentos no campo educacional: Como a universidade se aproxima da escola? Quanto valem as teorias educacionais para analisar uma realidade e ajudar a modificá-la? Para Huet é necessário formular um conhecimento conjunto de professores e pesquisadores, porque a universidade não tem a resposta pronta. "Experimentar é bom, pois você recria o mundo sempre", esse comentário de Luiza Alonso abre possibilidades de pensar que as discussões que afloraram sobre o sistema de progressão continuada já produziram mudanças. Destacando-se a busca, que tem mobilizado parte da comunidade científica, por repensar o processo de formulação, operacionalização, implementação e avaliação de uma política educacional, no qual professores, pesquisadores, pais e alunos também reavaliem o seu papel na tarefa de educar.

    (SD)

     
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    Atualizado em 10/10/2002
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