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Mapa da exclusão/inclusão social


Aldaíza Sposati

O Mapa da Exclusão/Inclusão Social é uma metodologia1 que usando de linguagens quantitativas, qualitativas e de geoprocessamento produz dois índices territoriais que hierarquizam regiões de uma cidade quanto ao grau de exclusão/inclusão social. Tratam-se do IEX (Índice de Exclusão/Inclusão Social) e do IDI (Índice de Discrepância). Estes índices expressam o grau de exclusão e inclusão das condições de vida das pessoas ao território onde vivem. De certo modo produz uma medida de vizinhança pois associa dados individuais ao convívio em um mesmo território.

O primeiro produto foi lançado em 1995, tendo como base os dados do Censo de 1991 desagregados pelos 96 distritos da cidade de São Paulo. O segundo produto consistiu na análise da dinâmica social da década de 90, referenciado nos dados do Censo 1991 e da Contagem Populacional de 1996. O terceiro produto recentemente lançado examina o comportamento da exclusão/inclusão social nos 96 distritos da cidade, utilizando os mesmos padrões de 1991 para construção dos índices relativos ao ano de 2000. Os dois mapas finais em anexo demonstram como o perverso modelo excludente prevaleceu na cidade durante esses nove anos.

Metodologia - a superação de análises auto-explicativas
Tem sido mais usual o exame do grau de precariedade de condições de vida de uma população a partir de variáveis auto-explicativas para aquele grupo ou segmento. Mede-se a pobreza, por exemplo, através de diversos critérios que mostram seu agravamento, mas é ela desvinculada do exame de outras situações.

Os primeiros estudos de Rowntree sobre a pobreza em 1901, por exemplo, consideram o padrão de pobreza individualizando as famílias e aplicando estimativas de exigência nutricional para sua sobrevivência, entre outras necessidades. É interessante que até hoje pobreza e nutrição permaneçam associados levando quase de forma carmática à frase bíblica: "ganharás teu pão com o suor do teu rosto".

Assim, o Mapa da Fome produzido pelo Ipea e divulgado por Betinho, Herbert de Souza, do Ibase, que pode ser assinalado como um marco no exame da realidade brasileira, nos informou que 32 milhões de brasileiros não ganharam sequer o suficiente para adquirir uma cesta básica e por isso eram pobres.

Inicia-se uma dúvida sobre qual é o conteúdo de uma cesta básica que se toma como parâmetro para afirmar que: "indigente é aquele que ganha tão só o suficiente para uma cesta básica/mês, e pobre, o que ganha o suficiente para duas cestas básicas/mês".

Ainda no âmbito de análise da precariedade das condições de vida foi adotado como condição, a partir da Comissão Person, Parceiros no Desenvolvimento, de 1969, usar como referência um indicador macroeconômico refletido na distribuição do PIB per capita.

A partir dos anos 1970 e do emblemático Relatório da Pobreza de MacNamara apresentado pelo encontro do Banco Mundial de 1973, outros ingredientes foram acrescidos à análise. Peter Townsend, discriminalizando o pobre, mostra que não se tratava de uma falha do indivíduo em conseguir um nível mínimo de alimentação, mas um impedimento criado para que parte da população alcance padrões prevalentes de condições de vida em uma sociedade.

Mais que comida, outros fatores levaram à explicação e à caracterização da pobreza. Os estudos de Amartya Sen, Prêmio Nobel de Economia de 1998, e o trabalho de Mahbub ul Haq ao criar o Relatório de Desenvolvimento Humano trouxeram um novo marco a essa discussão.

A medida do PIB per capita de um país padece e falece de dois grandes males: primeiro, mede a opulência econômica; segundo, enxerga a realidade pela média e não pela sua distribuição real. Ao tomar como centro da discussão o desenvolvimento humano, lembram esses economistas que, ao tratar de pessoas, seres vivos e humanos com dignidade, são suas condições objetivas que necessitam ser avaliadas e não a média da distribuição de um recurso nacional que em países como o Brasil é atravessada pelo contexto histórico de desigualdade econômico-social.

Intervenções na realidade, desenvolvimento de políticas econômicas e sociais afetam as condições objetivas e concretas de vida das pessoas e as médias são supra-realidades principalmente em contextos de forte desigualdade social.

O IDH buscou concentrar em um número, um índice de fato, um conjunto de condições, mostrando que não bastam tabelas sociais para contrapor o índice econômico "PIB per capita". É preciso uma medida que não seja "tão cega como o PIB em relação aos aspectos sociais da vida humana", como diz Mahbub ul Haq.

O Mapa da Exclusão/Inclusão Social parte deste conceito, no sentido de criar um índice composto, inteligível, capaz de dialogar com a realidade concreta de um contexto urbano. Mais ainda, é um índice construído sob os parâmetros reais da pior e da melhor incidência de uma variável. Diversamente do IDH o Mapa da Exclusão/Inclusão Social traz duas outras aquisições:
- primeiro, compara índices de um mesmo contexto cultural. Isto é, não compara países onde algumas situações podem estar diferenciadas por usos e costumes culturais desde alimentares, vestimentas, moradias etc. Assim, pode-se dizer que as diferenças estão referidas a um mesmo contexto;
- segundo, instala uma forma de medição através de notas decimais que têm maior inteligibilidade para o senso comum adestrado para o uso decimal e em atribuir boas notas a boas situações e más notas a más situações. Assim, o mapa confere a condição de nota negativa ao se referir à exclusão e positiva ao se referir à inclusão. Esta condição agrega uma dimensão simbólica necessária sobre o que se quer e o que não se quer quanto às condições de vida.

Base territorial
A base territorial é o primeiro conhecimento com o qual o Mapa se aproxima e com ela o território geoprocessado. O segundo conhecimento necessário diz respeito à malha territorial a ser adotada a fim de comparar o território de uma cidade em suas partes.

Via de regra se tem uma representação da cidade a partir do trajeto de circulação entre o bairro onde se mora e aquele onde se trabalha, estuda ou mantém vínculos de amizade, culturais e afetivos. A visão da totalidade de uma cidade é, quando muito, enquistada em órgãos técnicos das prefeituras, quando a tem. Agregar partes e todo enxergando diferenças é algo de difícil aquisição.

O cidadão não conhece a geografia da cidade nem a estuda na escola. O território é considerado como acidente de percurso e não como condição efetiva de como se distribui os acessos, riqueza e as condições de vida de uma população, principalmente nos modelos das cidades brasileiras pautadas no urbanismo de risco, como nos mostra Raquel Rolnik em seus estudos.

O país tem, em geral, dois microparcelamentos territoriais para as cidades: um, de gestão municipal que diz respeito ao parcelamento do uso e ocupação do solo para o IPTU, trata-se do SQL (setor, quadra, lote) nem sempre geoprocessado. Outro, procedido pelo IBGE que define os setores censitários e pelos quais se pode conhecer o território.

Um e outro não dialogam entre si como também não o fazem com o CEP - o Código de Endereçamento Postal -, ou com as telecomunicações ao definir a abrangência das linhas telefônicas. O crescimento das cidades por agregação tem seu parcelamento em bairros e loteamentos também desconectados de todas estas bases territoriais. Criar a linguagem unitária do território é o primeiro grande desafio. Em São Paulo, isto foi obtido com a distritalização da cidade a partir do dispositivo constitucional que afiançou essa condição aos municípios.

O parcelamento interno do mapa da cidade é uma primeira condição para a constituição dessa metodologia. Assim, o Mapa da Exclusão/Inclusão Social é a construção de indicadores territoriais intra-urbanos que partem do conceito de heterogeneidade dos territórios internos da cidade.

Variáveis censitárias
Só é possível comparar as condições de vida intra-urbanas a partir da produção de dados censitários, isto é, de cobertura de toda a cidade. É fundamental a identificação das agregações territoriais com os setores censitários. Obteve-se este resultado na cidade de São Paulo, quando em comum acordo entre IBGE e a Prefeitura, então sob a gestão do PT, se pôde já publicar o censo de 1991 com os dados dos 96 distritos de São Paulo.

O Mapa da Exclusão/Inclusão Social parte da releitura e inter-relação desses dados censitários e de mais outros dados produzidos por órgãos municipais sobre toda a cidade. Portanto, não há um prévio modelo de variáveis a adotar para o mapa, mas um estudo a partir das variáveis ofertadas de forma censitária sobre todo o território de uma cidade.

Medir a exclusão social
Alguns consideram que, o conceito de exclusão, marcado pela discriminação e apartação social, torna-se uma situação não mensurável pela fluidez e dinâmica de seus componentes. O primeiro desafio metodológico foi o de tornar a exclusão mensurável e isto só foi possível através de três decisões metodológicas:

a) a construção do índice de discrepância de cada variável, o IDI

O IDI consiste na medição da distância entre a pior e a melhor variável em cada uma das áreas intra-urbanas. Trata-se de uma medida do GAP da desigualdade.

b) a construção referencial da utopia da inclusão social

O que se constatou é que a relação exclusão/inclusão social é indissolúvel ao contrário das metodologias que realizam a medição da riqueza ou da pobreza como unidades autônomas com variáveis autoexplicativas. A exclusão e inclusão social são necessariamente interdependentes. Alguém é excluído de uma dada situação de inclusão. O desafio foi, portanto, o de resolver essa questão através da construção metodológica. O referencial da utopia de inclusão social é uma construção qualitativa que, no caso do Mapa, supõe sete campos, nem todos mensuráveis:

autonomia: o conceito de autonomia é compreendido, no âmbito do Mapa da Exclusão/Inclusão Social, como a capacidade e a possibilidade do cidadão em suprir suas necessidades vitais, especiais, culturais, políticas e sociais, sob as condições de respeito às idéias individuais e coletivas, supondo uma relação com o mercado, onde parte das necessidades deve ser adquirida, e com o Estado, responsável por assegurar outra parte das necessidades; a possibilidade de exercício de sua liberdade, tendo reconhecida a sua dignidade, e a possibilidade de representar pública e partidariamente os seus interesses sem ser obstaculizado por ações de violação dos direitos humanos e políticos ou pelo cerceamento à sua expressão. Sob esta concepção o campo da autonomia inclui não só a capacidade do cidadão se autosuprir, desde o mínimo de sobrevivência até necessidades mais específicas, como a de usufruir de segurança social pessoal mesmo quando na situação de recluso ou apenado. É esse o campo dos direitos humanos fundamentais.

qualidade de vida: a noção de qualidade de vida envolve duas grandes questões: a qualidade e a democratização dos acessos às condições de preservação do homem, da natureza e do meio ambiente. Sob esta dupla consideração entendeu-se que a qualidade de vida é a possibilidade de melhor redistribuição - e usufruto - da riqueza social e tecnológica aos cidadãos de uma comunidade; a garantia de um ambiente de desenvolvimento ecológico e participativo de respeito ao homem e à natureza, com o menor grau de degradação e precariedade.

desenvolvimento humano: o estudo do desenvolvimento humano tem sido realizado pela ONU/PNUD, por meio do Indicador de Desenvolvimento Humano (IDH). Com base em suas reflexões, entende-se que o desenvolvimento humano é a possibilidade de todos os cidadãos de uma sociedade, melhor desenvolverem seu potencial com menor grau possível de privação e de sofrimento; a possibilidade da sociedade poder usufruir coletivamente do mais alto grau de capacidade humana.

eqüidade: o conceito de eqüidade é concebido como o reconhecimento e a efetivação, com igualdade, dos direitos da população, sem restringir o acesso a eles nem estigmatizar as diferenças que conformam os diversos segmentos que a compõem. Assim, eqüidade é entendida como possibilidade das diferenças serem manifestadas e respeitadas, sem discriminação; condição que favoreça o combate das práticas de subordinação ou de preconceito em relação às diferenças de gênero, políticas, étnicas, religiosas, culturais, de minorias etc.

cidadania: é aqui considerada como o reconhecimento de acesso a um conjunto de condições básicas para que a identidade de morador de um lugar se construa pela dignidade, solidariedade e não só pela propriedade. Esta dignidade supõe não só o usufruto de um padrão básico de vida como a condição de presença, interferência e decisão na esfera pública da vida coletiva.

democracia: a possibilidade do exercício democrático é componente de inclusão local na medida em que esta supõe cidadania e não acesso a renda e serviços, o que coloca as pessoas no patamar da sobrevida sem alcançar a condição de sujeitos cidadãos.

felicidade: seguramente, o caminho maior da inclusão é a felicidade. Atingi-la supõe muito mais do que a posse, o acesso a condições objetivas de vida. Ela traz à cena a subjetividade, e nela o desejo, a alegria entre um conjunto de sentimento em busca da plenitude humana. Vale dizer, uma situação que permita que o potencial das capacidades humanas sem restrições a povos ou pessoas possa se expandir. De cada um conforme a sua capacidade, e a cada um conforme sua necessidade!

Fonte: Mapa da Exclusão/Inclusão Social da Cidade de São Paulo.

c) a definição do padrão básico de inclusão social

O padrão básico de inclusão é o ponto de mutação de uma dada situação de exclusão ou de inclusão. Isto exige construir e objetivar o conhecimento que se tem sobre padrões básicos de vida humana, dignidade, cidadania na condição de inclusão em contraponto a medidas de pobreza ou de indigência que estão aquém da não pobreza e seguramente da inclusão.

Este padrão é o ponto de inflexão para análise de uma variável e não sua média. A fixação do padrão é também campo de linguagem qualitativa e participativa, pois ela supõe em primeiro lugar, uma convenção do que se entende como condição desejável para todos em uma dada sociedade.

A seguir é examinada a distância negativa (a menos) ou positiva (a mais) de cada variável desse padrão. Os limites dessa escala estão no IDI, isto é, no maior "gap" detectado para cada variável em uma cidade.

O segundo suposto da construção do índice de exclusão/inclusão social consiste na agregação da incidência das variáveis em intervalos de classes percentuais através de quartis negativos e positivos.

O terceiro suposto consiste na conversão das incidências negativas e positivas em notas na escala de -1 a +1 mediadas pelo 0 (zero) que é o padrão de inclusão.

Por fim, o índice será a soma entre negativo e positivo de forma que em uma mesma região a presença da exclusão diminui a condição de inclusão pois o objetivo é a aproximação do padrão e não sua distância para positivo ou negativo.

A soma final dessas notas é o IEX. Ele permite o ranking das regiões de uma cidade de diversas formas: por variável; por campo de utopia de inclusão; por índice final.

Mapeamento
A terceira linguagem do geoprocessamento supõe a digitalização da base cartográfica da cidade em estudo, o que permite a leitura da sua topografia social. Como topografia social a pesquisa tem buscado delinear o processo pelo qual o espaço urbano vai tecendo diferentes malhas sobre seu território, indo desde a configuração topográfica até as intervenções urbanísticas e as diferentes apropriações realizadas pelos seus moradores. Captar essas diferentes camadas produzidas, transformadas no cotidiano das cidades tem representado o desafio para a configuração dessa topografia social.
Apesar de suas inúmeras possibilidades de representação, o GIS também apresenta seus limites e continua em busca de aperfeiçoamento. Segundo análise de Gilberto Câmara e alguns pesquisadores do Inpe, "as técnicas de geoestatística ainda estão em processo de integração aos principais sistemas de informação geográfica, e os processos de modelagem e propagação de incerteza (Heuvelink,1998) ainda precisam ser plenamente incorporados aos GIS. Adicionalmente, a tecnologia atual de geoprocessamento ainda enfatiza a representação de fenômenos espaciais no computador de forma estática. No entanto, um significativo conjunto de fenômenos espaciais, tais como escoamento de água da chuva, planejamento urbano e dispersão de sementes, entre outros, são inerentemente dinâmicos e as representações estáticas utilizadas em GIS não os capturam de forma adequada. Deste modo, um dos grandes desafios da Ciência da Informação Espacial é o desenvolvimento de técnicas e abstrações que sejam capazes de representar adequadamente fenômenos dinâmicos". (Câmara, Monteiro & Medeiros, Representações computacionais do espaço: um diálogo entre a geografia e a ciência da geoinformação . DPI/Inpe, São José dos Campos, 2002:7)

O reconhecimento dos limites presentes nas ciências na sua busca pela apreensão do movimento que se dá na realidade, no cotidiano das pessoas e dos lugares onde se dão estas relações, representa, por sua vez, um estímulo pela continuidade da busca, de forma transdisciplinar, na qual a perspectiva de totalidade seja uma constante.

Aldaíza Sposati é professora no Programa de Estudos Pós Graduados em Serviço Social da PUC/SP e secretária municipal da Assistência Social de São Paulo.

Notas:
1. A pesquisa é coordenada por Aldaíza Sposati, pelo Núcleo de Seguridade e Assistência Social da PUC/SP, em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - Inpe e Instituto Pólis, com apoio da Fapesp - linha de pesquisa em Políticas Públicas (2001-2003). Pesquisadores: Anderson Kazuo Nakano, Antônio Miguel Vieira Monteiro, Corina Costa Freitas, Dirce Koga, Frederico Roman Ramos, Gilberto Câmara, Jorge Kayano, Patricia Genovez. [voltar]

 
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Atualizado em 10/10/2002
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