Evanildo da Silveira: Não considero nenhum assunto mais ‘quente’ do que ciência

Evanildo da Silveira é jornalista e publica reportagens na área de ciência em veículos como BBC Brasil, Mongabay, site da revista Piauí e revista Galileu

Gostaríamos que você contasse sua trajetória, e como foi seu envolvimento com jornalismo de ciência

Foi aos poucos.

Mas antes de continuar, um parêntesis: não me considero um jornalista científico ou de ciência. Sou jornalista que escreve sobre ciência, mas também sobre outras áreas – sem que isso me torne melhor do que ninguém, claro. Muito antes pelo contrário.

Continuando. Eu sempre gostei de ciência. Mas quando comecei minha carreira, não tinha como objetivo específico escrever nessa área. Mas as outras nunca me deixaram satisfeito. Eu queria aprender algo com minhas matérias e que os leitores também tivessem essa experiência, de aumentar seu conhecimento com cada reportagem que lessem. Pode parecer cabotino e pretensioso, mas para mim escrever sobre ciência é a única área de jornalismo que torna isso possível. O conhecimento, as informações passadas por cada matéria são cumulativas. Nas outras áreas tudo é efêmero, no dia seguinte o leitor já esqueceu. Não é à toa que existe aquela frase, de que o jornal de hoje embrulha o peixe de amanhã… [risos].

Mas voltando ao foco da pergunta, enveredei pela área de ciência pelas bordas, em espiral para o centro, aonde até hoje não cheguei… [risos]. Embora seja gaúcho, comecei minha carreira, em 1985, no jornal O Estado, de Florianópolis, que não existe mais. Um ano depois fui para São Paulo e comecei a trabalhar na antiga revista Istoé – que também não existe mais – antes de ser vendida para o controlador atual.

Na Istoé já havia grandes repórteres de ciência. Mas sempre que possível, eu sugeria algumas pautas na área e até fiz algumas raras matérias – se bem me lembro. Com a venda da revista para o dono atual, todo mundo foi demitido. Mas meu editor foi para o Jornal do Brasil – que também não existe mais, o que deve ser mera coincidência… [risos] –, no Rio, e me convidou para trabalhar lá. Lá fui para a editoria de Nacional e não fiz matérias de ciência. Fiquei um ano, voltei para o São Paulo, para o Estadão, no qual também fiquei um ano, sem escrever matérias na área.

Comecei a escrever sobre ciência de fato, com mais regularidade, a partir de 1990, quando passei a trabalhar na sucursal do Jornal do Brasil em São Paulo, na qual fiquei por quatro anos. Havia mais espaço e comecei a sugerir pautas na área. Um exemplo: conheci e fiquei amigo do então chefe da assessoria de imprensa da Unicamp – hoje não precisa ser jornalista para chefiar uma assessoria de imprensa de uma universidade –, Eustáquio Gomes. Ele fazia um “pacote” de três sugestões de pesquisas, descobertas da universidade, e eu viajava até Campinas. Voltava com três matérias.

Depois saí do JB, perambulei por assessorias, até quando comecei a trabalhar no Jornal da Unesp. Aí, sim, só fazendo matérias de ciência, com um grande editor, Paulo Velloso, e um grande assessor-chefe, José Roberto Ferreira, ambos jornalistas de primeira.

Entre 2001 e 2005, trabalhei de novo no Estadão, no qual escrevi matérias de várias áreas, inclusive ciência. Saí e perambulei por aí. Trabalhei numa secretaria estadual, fui chefe por um ano da assessoria de imprensa da SBPC, uma espécie de frila fixo da revista Pesquisa FAPESP (nesse, só escrevendo sobre ciência). Hoje colaboro com certa regularidade, como mais frequência na área de ciência, em revistas e sites como BBC Brasil, Mongabay, site da revista Piauí, revistas Galileu, Plant Project, Um Só Planeta e esporadicamente para alguns outros veículos.

Quais seriam os principais defeitos, ou mazelas ou carências, do jornalismo científico praticado hoje no Brasil em sua opinião?

Como diria o Conselheiro Acácio, há defeitos, mazelas e carências em todas as atividades humanas. No jornalismo científico não poderia ser diferente, mas muitas delas não são da atividade em si, do trabalho dos jornalistas da área. São mais das empresas, dos veículos. Não sei como está agora, pois estou fora das grandes Redações, vivendo de frilas há mais 15 anos. Mas quando estava, em vários jornais não havia editorias específicas de ciência. A área era enfiada como uma subeditoria – ou nem isso – numa editoria, como a Geral ou Nacional, por exemplo, dependendo do veículo.

As matérias de ciências eram normalmente consideradas “frias”, menos importantes, e as primeiras a cair se houvesse assunto mais “quente” – eu, de minha parte, não considero nenhum assunto mais “quente” do que ciência. Pode ser assunto quente naquele dia, mas no outro já esfriou. E a ciência continua…

Mais recentemente, com o jornalismo digital, surgiu a praga dos “clicks”. E dá-lhe apuração e redação apressadas e títulos sensacionalistas, para angariar clicks, ou seja, leitura. Mas também não sou especialista no assunto e não saberia dizer se isso afeta o jornalismo de ciência com a mesma intensidade que atinge outras áreas.

E tem ainda aquelas matérias apressadas, meio sensacionalistas, sobre resultados preliminares de um estudo ou pesquisa como se fossem definitivos, dando a entender – para fazer uma caricatura – que a cura do câncer ou uma vacina para a aids estão ali na esquina.

Caso você tivesse um semestre para ministrar uma oficina de jornalismo científico, qual seria seu foco ou prioridade na formação dos futuros jornalistas de ciência?

Bom, eu jamais me atreveria a ministrar um curso ou oficina de jornalismo científico. Não é falsa modéstia, eu de fato acredito que tenho pouco ou nada a ensinar na área. Cada um faz seu caminho e não sei ensinar o das pedras a ninguém. Mas para não deixar a pergunta sem resposta, diria para os malucos que se atrevessem a se inscrever num curso ministrado por mim que para exercer o jornalismo – de ciência ou de qualquer outra área – é fundamental ter formação em jornalismo, não necessariamente numa faculdade – embora eu seja defensor do diploma – pode ser na prática mesmo.

O que acho que não pode é um economista, um sociólogo, um químico ou qualquer profissional de outra área criar um blog, um canal no Youtube, um site ou qualquer coisa do gênero e dizer que está fazendo jornalismo. Se for um cientista, é divulgação científica, não jornalismo. Trabalho muito válido e importante, mas não é jornalismo. Pelo menos como eu entendo, claro. O jornalista pesquisa, lê, coleta informações, entrevista fontes e escreve uma matéria. É uma ponte entre a fonte, a origem da informação, e a sociedade. No caso da ciência, além disso, ele “traduz” para o leitor os conceitos e informações complicadas obtidas dos cientistas. Falou de novo o Conselheiro Acácio… [risos].

Também diria para os incautos alunos nunca esquecerem o que disse o grande jornalista Cláudio Abramo: “O jornalismo é o exercício diário da inteligência e a prática cotidiana do caráter.” Infelizmente, não é o que se vê hoje na maioria do veículos da mídia comercial.

Por isso, entre outras coisas, não gosto desses cursos internos dos jornais para formar seus quadros. Desculpe, não formam jornalistas. Adestram jovens para dar continuidade aos valores políticos e interesses econômicos da empresa e do jornal, que, hoje em dia, na maioria dos veículos tem pouco a ver com jornalismo.