O que um punhado de areia pode contar sobre o passado e o futuro?

Por Felipe Toledo

Os mares e regiões costeiras possuem uma íntima relação com a evolução das civilizações há milhares de anos. Inicialmente, grupos humanos caçadores/coletores devem ter se aproveitado dos recursos – vivos e não vivos – disponíveis nas regiões costeiras.  Possivelmente, suas primeiras incursões foram motivadas pela curiosidade e necessidade de encontrar esses recursos e, assim, localizar áreas com melhores condições para viver.

Nos dias atuais, o principal uso que se faz dos oceanos é a navegação (em especial o transporte de cargas), além do turismo em regiões costeiras. Mas, mesmo assim, os oceanos ainda são como uma enorme “caixa preta”, que guarda segredos à espera de serem desvendados.

No entanto, muito já foi descoberto. Ao nos sentarmos na areia da praia, estamos sobre um registro da evolução geológica do planeta. Milhares de anos podem ser contados a partir da composição de um simples punhado de areia. Compostas por fragmentos de rochas que contam a história da sua origem continental, a partir da erosão de montanhas, as areias contêm também fragmentos de microrganismos marinhos que guardam em suas carapaças informações importantes sobre a história da evolução climática dos oceanos e do planeta.

Desse modo, a areia da praia sob seus pés pode conter diversas conchas de microorganismos, como por exemplo os foraminíferos, que são organismos protistas com uma concha muito pequena (~1mm) de composição carbonática. Tais organismos são sensíveis às condições de temperatura e salinidade dos oceanos no momento que formam suas conchas, e tais parâmetros ficam registrados na composição química das conchas (como se fosse uma “fotografia”) sendo possível estimar as condições climáticas daquele momento em que a concha foi depositada.

Um outro exemplo de organismo presente em grande abundância nos oceanos e nos sedimentos são os cocolitoforídeos, que são algas muito pequenas (tamanho aproximado de uma bactéria) que possuem uma característica muito curiosa: produzem pequenas placas calcárias que, preservadas nos sedimentos, também são utilizadas para contar a história de climas passados. Atualmente, embora essas algas sejam tão pequenas, suas florações podem ser observadas do espaço, formando belíssimas imagens de cores azul turquesa e verde esmeralda. Elas são valiosos personagens no ciclo do carbono, ou seja, fornecem oxigênio para a atmosfera do planeta e sequestram CO2 da atmosfera, tendo um importante papel na evolução do clima da Terra.

O estudo feito a partir desses organismos, incluindo foraminíferos e cocolitoforídeos, é conhecido como micropaleontologia. Os cientistas observam os sedimentos e interpretam os dados, assim como detetives, e desvendam o momento de formação desses organismos.

Efeitos das atividades humanas – principalmente o aumento das emissões de CO2 – vêm causando mudanças na temperatura e contribuindo para acidificação dos oceanos. Em breve, esse fenômeno também ficará registrado nos sedimentos, como uma “fotografia” do momento atual no planeta.

A próxima vez que estiver na praia, observe com atenção a areia sob seus pés. As cores, o tamanho e a composição dos grãos de areia têm muita história para contar sobre a evolução do planeta. E você consegue imaginar qual será a história registrada nos sedimentos que estão sendo depositados hoje? Qual é nossa contribuição para essa história? 

Felipe Toledo é professor associado no Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO/USP), onde coordena o Laboratório de Paleoceanografia do Atlântico Sul (LaPAS). Tem experiência na área de oceanografia geológica com ênfase em paleoceanografia, nanofósseis calcários e foraminíferos planctônicos. Tem experiência em monitoramento ambiental em áreas de exploração de petróleo e gás.