Por Steven Poole
No livro de Klaus Schwab, fundador do Fórum Econômico Mundial, o termo chave é “adaptar-se” ao mundo novo que a tecnologia criará. A ideia raramente é contestada, mas, na verdade, é uma atualização velada do darwinismo social, segundo o qual as pessoas que sobreviverem ao dilúvio robótico que se aproxima terão sido o tempo todo, por definição, os mais aptos. O apelo para nos adaptarmos implica que as circunstâncias em mutação que Schwab prevê são como forças inexoráveis da natureza. Mas, obviamente, não são.
Houve muita diversão recentemente quando a equipe de publicidade de Jeremy Corbyn [líder trabalhista britânico] emitiu uma foto do estimado líder com uma citação resumida de seu discurso: “Enfrentamos agora a tarefa de criar uma Nova Inglaterra da quarta revolução industrial – movida pela internet das coisas e por big data para desenvolver ciber-sistemas físicos e fábricas inteligentes.” Espera, como é que é???
Pode-se perdoar alguém por suspeitar que Corbyn não fizesse ideia do que estava dizendo, mas a “quarta revolução industrial” é uma coisa real, pelo menos segundo alguns analistas. A primeira revolução foi movida a vapor; a segunda foi movida a eletricidade; a terceira se deveu ao nascimento da era do computador; e a quarta – que alguns alegam que é apenas uma continuação da terceira – é a era dos dispositivos “vestíveis” (wearable), impressão 3D, edição de genes, inteligência de máquinas e dispositivos em rede tais como iluminação de ruas cheias de sensores eletrônicos, ou geladeiras inteligentes que encomendam ovos quando os que você tinha na geladeira acabaram. O sonho de colocar em rede objetos comuns com processadores baratos e comunicação sem fio se encaixa na rubrica de “internet das coisas” [IoT], que é (ou deveria ser) abreviação de “internet de coisas que não deveriam estar conectadas à internet”. Inevitavelmente, algum adolescente entediado vai “hackear” sua geladeira inteligente para inundar sua cozinha enquanto você estiver fora de casa; quanto mais infraestrutura urbana estiver computadorizada, mais vulnerável ela será a ciber-ataques. A “cidade inteligente” é a cidade “hackeável”.
No entanto, muitas pessoas acham que esse tipo de coisa acontecerá de um jeito ou de outro. Então, como vamos fazer? Surge Klaus Schwab, fundador do Fórum Econômico Mundial, com um pequeno livro expondo os desafios e oportunidades que nos esperam. Eu chamo de “livro”, mas ele é escrito mais na linguagem de tópicos de um relatório produzido por um thinktank, com muito pouco argumento discursivo, opinião ou ilustração. Foi redigido na linguagem anestesiante do jargão executivo, para “líderes” que querem saber como navegar em uma era de “desafios exponencialmente destrutivos”. “Para algumas empresas”, escreve Schwab, “conquistar novas fronteiras de valor pode consistir em desenvolver novos negócios em segmentos adjacentes, enquanto que, para outros, trata-se de identificar mudanças em bolsões de valor nos setores existentes.”. (Isso poderia ter sido verdade em qualquer momento do século passado).
Como de costume, esse estilo de alta gerência contém muito discurso vazio, mas moderno (devemos evitar o “pensamento linear”, diz ele, algo sem sentido, não importando a forma como você o interpretar) e também um tipo esquisito de brutalidade imagística – as empresas de “economia gig” tais como Uber são “plataformas humanas de nuvem”, como se os servos que trabalham para elas fossem anjos eufóricos tocando harpa num leito de cumulonimbus. Para completar o estilo, acrescente apenas uma dose pesada de clichês tecnológicos utópicos, tais como a alegação de que “a tecnologia digital desconhece fronteiras”, mas que, na realidade conhece, sim: por exemplo, a recente decisão do Facebook de obedecer às leis de censura da China para poder operar no país.
Para ser justo, Schwab mostra em um apêndice que ele sabe que a ideia de que “a tecnologia digital desconhece fronteiras” é simplesmente falsa, e, o tempo todo, tem cuidado para ser imparcial a respeito das vantagens e desvantagens de cada tecnologia que discute. A inteligência artificial pode ser super útil, ou pode constituir “uma ameaça existencial à humanidade”. A biotecnologia pode curar todas as doenças, ou criar um cisma de bio-desigualdade. O problema geral é que isso, basicamente, é tudo que Schwab faz: descrever algum desenvolvimento futuro ou seu oposto e, essencialmente, perguntar: “Isso é brilhante? Ou isso é terrível?” O comprador de tal livro poderia esperar que o autor tivesse uma opinião fundamentada sobre o assunto.
Em vez disso, Schwab oferece recomendações sobre política que – talvez de propósito – são vagas o suficiente para serem úteis para um político de qualquer bandeira. Sobre o futuro do emprego, admite que os trabalhadores da “nuvem humana” poderiam se achar engajados em “uma corrida inexorável para o fundo em um mundo de oficinas de trabalho escravo não regulamentado”. O que fazer então? Schwab escreve sabiamente: “O desafio que enfrentamos é descobrir novas formas de contratos sociais e de emprego que se adaptem à mão de obra em mutação e à natureza evolutiva do trabalho.”. Ah! Certo. Entendi.
Enfim, uma opinião geral está expressa bem no final e, até certo ponto, é admiravelmente humanitária. Devemos nos lembrar, escreve Schwab, que “todas essas novas tecnologias são, em primeiro lugar e principalmente, ferramentas feitas por pessoas e para pessoas”. Na realidade, o livro chega a seu clímax com um apelo bastante bonito para que todos trabalhem juntos em uma “renascença cultural” que aparentemente dependerá de algum tipo de espiritualidade cósmica. A quarta revolução industrial pode levar a uma distopia, declara Schwab sensatamente. Por outro lado, podemos usá-la para “elevar a humanidade até uma nova consciência coletiva e moral baseada em um sentido compartilhado de destino”. Com certeza, isso seria muito bom.
No entanto, possivelmente essa mensagem inspiradora seja afetada pela política implícita do vocabulário do livro. O termo chave em tudo isso é “adaptar-se” – como na alegação da necessidade de todos nos adaptarmos ao mundo totalmente novo que a tecnologia criará em torno de nós. A ideia que todos nós precisamos nos adaptar raramente é contestada, mas, na verdade, é uma atualização velada do darwinismo social, segundo o qual as pessoas que sobrevivem ao dilúvio robótico que se aproxima terão sido o tempo todo, por definição, os mais aptos.
O apelo para nos adaptarmos implica na realidade que as circunstâncias em mutação, que Schwab prevê, são alguma coisa como forças inexoráveis da natureza.
Mas, obviamente, não são: serão os resultados de decisões tomadas por legisladores, regulamentadores e outras pessoas no poder. Uma ideia alternativa seria os cidadãos se engajarem em tais decisões e, se necessário, desafiá-las, em vez de, humildemente, adaptarem-se a qualquer coisa que seus mestres decidirem que o mundo deverá ser. Isso seria realmente democracia em ação, e poderia até merecer o nome de revolução.
Steven Poole é formado em inglês no Emmanuel College, Cambridge, e escreve para The Independent, The Guardian, The Times Literary Supplement, The Sunday Times e New Statesman. É autor, entre outros, de Rethink: the surprising history of ideas (2017). Este artigo foi publicado em 6 de janeiro de 2017 no Guardian e traduzido para o português, com eficiência, velocidade e capricho, por Amin Simaika.