Blockchain: além da bolha do Bitcoin

Por Steven Johnson

O que Satoshi Nakamoto (ninguém sabe quem ele é ou se na verdade é um coletivo de programadores) introduziu no mundo em 2008 foi uma maneira de concordar com o conteúdo de um banco de dados que não tivesse ninguém “no comando”, e uma forma de compensar as pessoas por ajudar a tornar esse banco de dados mais valioso, sem que essas pessoas estivessem numa folha de pagamento oficial ou detivessem ações numa entidade corporativa. Juntas, essas duas ideias resolveram o problema do banco de dados distribuído e o problema de financiamento. De repente havia uma forma de suportar protocolos abertos não disponíveis na infância do Facebook. A ideia do blockchain propõe soluções não estatais para excessos capitalistas como monopólios de informação. Todos devem ter direito a um armazenamento de dados privado, onde todas as várias facetas de sua identidade online sejam mantidas. Esses protocolos de identidade seriam desenvolvidos no blockchain, fonte aberta. Ideologicamente falando, aquele depósito de dados privados seria um verdadeiro esforço em equipe: construído como um ‘intellectual commons’, financiado por especuladores de ‘tokens’, apoiado por regulamentação do Estado.

[Esta é uma tradução de Amin Simaika de artigo publicado no The New York Times Magazine em 16 de janeiro de 2018. Considerando a extensão do artigo completo, publicamos aqui uma versão resumida (que, ainda assim, é bastante longa) pelo editor Ricardo Whiteman Muniz. Alguns intertítulos também foram adicionados por iniciativa desta edição em português]

Camada inocente nada argumentar cerâmica vencedor algodão menu tarefa delgado fusão empregada

A sequência de palavras acima não faz sentido: uma matriz aleatória amarrada por um algoritmo solto em um dicionário. O que as faz valiosas é que elas foram geradas exclusivamente para mim por um software chamado MetaMask. Na linguagem da criptografia elas são conhecidas como minha seed phrase (frase semente). Elas poderiam ser interpretadas como um fluxo incoerente de consciência, mas essas palavras podem ser transformadas numa chave que abre uma conta bancária digital, ou mesmo uma identidade online. Só leva mais umas poucas etapas. Na tela sou instruído a manter minha seed phrase em segurança: escreva-a ou mantenha-a num local seguro no seu computador. Rabisco as 12 palavras num bloco de anotações, clico num botão e a minha seed phrase é transformada numa série de 64 caracteres aparentemente sem padrão:

1b0be2162cedb2744d016943bb14e71de6af95a63af3790d6b41b1e719dc5c66

Isto é o que se chama de private key (chave privada) no mundo da criptografia: uma forma de provar a identidade da mesma forma limitada que as chaves no mundo real atestam sua identidade quando você destranca a sua porta da frente. Minha seed phrase vai gerar aquela exata sequência de caracteres toda vez, mas não existe uma forma conhecida de fazer engenharia reversa da frase original a partir da chave, e é por isso que é tão importante manter a seed frase em local seguro.

Aquele número privado então sofre duas transformações adicionais, criando uma nova série:

0x6c2ecd6388c550e8d99ada34a1cd55bedd052ad9

Essa série é o meu endereço na blockchain do Ethereum.

O Ethereum pertence à mesma família das criptomoedas, como o Bitcoin, cujo valor cresceu mais do que 1.000% só no ano passado. O Ethereum possui suas próprias moedas, mais notavelmente o Ether, mas a plataforma possui um escopo mais amplo do que apenas dinheiro. Você pode imaginar meu endereço do Ethereum como possuindo elementos de uma conta bancária, um endereço eletrônico ou um número de CPF. Por agora ele existe somente no seu computador como uma série inerte de disparates, mas na hora que eu tento fazer qualquer tipo de transação — por exemplo, contribuir para uma campanha de crowdfunding ou votar num referendo online — aquele endereço é transmitido para uma rede mundial de computadores improvisada que tenta verificar a transação. Os resultados dessa verificação são, então, transmitidos para a rede expandida, onde mais máquinas entram numa espécie de competição para fazer cálculos matemáticos complexos, sendo que o vencedor consegue registrar essa transação no registro único e canônico de cada transação já feita na história de Ethereum. Devido ao fato de todas essas transações serem registradas numa sequência de blocos de dados, o registro é chamado de blockchain.

A troca toda não demora mais do que alguns minutos para ser completada. Da minha perspectiva, a experiência mal difere das rotinas usuais da vida online. Mas no nível técnico, alguma coisa milagrosa está acontecendo — alguma coisa que seria inimaginável somente uma década atrás. Consegui completar uma transação segura sem nenhuma das instituições tradicionais nas quais confiamos para estabelecer laços de confiança. Nenhum intermediário negociou a transação; nenhuma rede social capturou os dados da minha transação para melhor direcionar sua publicidade; nenhuma empresa de crédito rastreou a atividade para montar um retrato da minha confiabilidade financeira.

E a plataforma que torna tudo isso possível? Ninguém é dono dela. Não há investidores de risco que respaldam Ethereum Inc. porque não existe Ethereum Inc. Como forma organizacional o Ethereum está muito mais perto de uma democracia do que uma corporação privada. Nenhum CEO imperial dá ordens. Você ganha o privilégio de ajudar a dirigir o navio do estado do Ethereum se juntando à comunidade e fazendo o trabalho. Como o Bitcoin e a maioria das plataformas de blockchain, o Ethereum é mais uma multidão do que uma entidade formal. Suas fronteiras são porosas; sua hierarquia é deliberadamente achatada.

Ah, mais uma coisa: alguns membros dessa multidão já acumularam um patrimônio líquido em bilhões por seus trabalhos, já que o valor de uma moeda de Ether subiu de US$8 em primeiro de janeiro de 2017 para US$843 exatamente um ano depois.

Você pode estar inclinado a desdenhar essas transformações. Afinal de contas, a valorização desembestada do Bitcoin e do Ether parece um estudo de caso de exuberância irracional. E por que você deve se importar com um avanço técnico misterioso que agora não parece tão diferente de registrar-se num site para fazer o pagamento de um cartão de crédito?

Mas essa rejeição seria míope. Se existe uma coisa que aprendemos da história recente da internet é que decisões aparentemente esotéricas sobre arquitetura de software podem desencadear forças globais profundas uma vez que a tecnologia se move para uma circulação mais abrangente. Se os padrões de correio eletrônico adotados na década de 1970 houvessem incluído criptografia de chave público-privada como configuração padrão, nós poderíamos ter evitado os hacks cataclísmicos de e-mail que afligiram a todos, desde a Sony até John Podesta, e milhões de consumidores comuns talvez pudessem ser poupados do roubo de identidade rotineiro. Se Tim Berners-Lee, o inventor da World Wide Web, tivesse incluído um protocolo para mapear nossa identidade social em suas especificações originais, talvez não tivéssemos Facebook.

Os verdadeiros devotos atrás de plataformas blockchain como o Ethereum argumentam que a rede de confiança distribuída é um daqueles avanços em arquitetura de software que provará, no longo prazo, ter significância histórica. Essa promessa tem ajudado a fomentar o salto enorme nas valorizações das criptomoedas. Mas, de uma forma, a bolha do Bitcoin pode, em última análise, tornar-se uma distração do verdadeiro significado do blockchain. A promessa real dessas novas tecnologias, muitos de seus evangelizadores acreditam, não está em deslocar nossas moedas, mas em substituir muito daquilo que pensamos como sendo a internet, ao mesmo tempo em que levamos o mundo online a um sistema mais descentralizado e igualitário. Se você acredita nos evangelizadores, o blockchain é o futuro. Mas isso também é uma forma de voltar às raízes da internet.

Uma vez inspiração para sonhos utópicos de bibliotecas infinitas e conectividade global, a internet tornou-se, aparentemente, ao longo do ano passado, o bode expiatório universal: a causa de quase toda a doença social que nos confronta. Os entes sobrenaturais russos destroem o sistema democrático com notícias falsas no Facebook; discursos de ódio florescem no Twitter e no Reddit. A web prometeu uma nova forma de mídia igualitária, povoada por pequenas revistas, blogueiros e enciclopédias auto-organizadas; os titãs da informação que dominavam a cultura de massa no século XX dariam lugar a um sistema mais descentralizado, definido por redes colaborativas, não por hierarquias e canais de transmissão. A cultura mais ampla seria o reflexo da arquitetura de pessoa para pessoa da própria internet. A web naqueles dias dificilmente era uma utopia — havia bolhas financeiras e spams e milhares de outros problemas — mas, sob essas falhas, supomos, havia uma história subjacente de progresso.

O ano passado marcou o ponto no qual aquela narrativa finalmente desmoronou. A existência de céticos da internet não é nova, é claro; a diferença agora é que as vozes críticas aumentam, de forma crescente, e antigos entusiastas engrossam o coro dos descontentes. “Precisamos consertar a internet”, escreveu Walter Isaacson, o biógrafo de Steve Jobs, num ensaio publicado algumas semanas após Donald Trump ser eleito presidente. “Após 40 anos, ela começou a se desgastar, tanto ela quanto nós”. O antigo estrategista do Google, James Williams, disse ao The Guardian: “A dinâmica da economia da atenção está estruturalmente construída para enfraquecer a vontade humana”. Numa postagem num blog, Brad Burnham, um sócio-gerente da Union Square Ventures, empresa de capital de risco de Nova York, lamentou o dano colateral dos quase monopólios da era digital: “Os editores se tornam fornecedores de conteúdo de mercadorias em um mar de conteúdo indiferenciado no feed de notícias do Facebook. Os websites veem suas fortunas aumentadas por pequenas mudanças nos algoritmos de busca do Google. E os fabricantes observam, impotentes, as vendas caírem quando a Amazon decide buscar produtos diretamente na China e redirecionar a demanda para seus próprios produtos”. Mesmo Berners-Lee, o próprio inventor da web, escreveu uma postagem num blog expressando sua preocupação de que o modelo de mídia social baseado em anúncios e em ferramentas de busca cria um clima de “desinformação, ou fake news – que podem ser surpreendentes, chocantes ou desenhados para apelar para nossos preconceitos -, e que podem se espalhar como incêndio”.

Para a maioria dos críticos, a solução para esses imensos problemas estruturais é propor ou uma nova atenção plena sobre os perigos dessas ferramentas — desligando nossos smartphones, mantendo as crianças fora das mídias sociais — ou o braço forte da regulação e do antitrust: fazer os gigantes tecnológicos sujeitos ao mesmo escrutínio de outras indústrias que são vitais para o interesse público, como estradas de ferro ou redes telefônicas de idade mais precoce. Ambas as ideias são louváveis: deveríamos provavelmente desenvolver uma nova coleção de hábitos gerenciando como interagimos com as mídias sociais, e parece ser totalmente sensato que empresas poderosas como o Google e o Facebook encarem o mesmo escrutínio regulatório que, por exemplo, as redes de televisão [Johnson supostamente refere-se à realidade dos EUA. N. do E.]. Mas é pouco provável que essas intervenções consertem os problemas centrais que o mundo online enfrenta. Afinal, não foi só a divisão antitrust do Departamento de Justiça que desafiou o poder do monopólio da Microsoft nos anos 1990; foi também a emergência de novos programas de software e hardware — a web, software livre e os produtos da Apple — que ajudaram a enfraquecer a posição dominante da Microsoft.

Os evangelistas do blockchain por trás de plataformas como o Ethereum acreditam que uma comparável variedade de avanços em software, criptografia e sistemas distribuídos têm a capacidade de atacar os problemas digitais de hoje: os incentivos corrosivos da publicidade digital; o quase monopólio do Facebook, do Google e da Amazon; as campanhas de desinformação russas. Se eles tiverem sucesso, suas criações podem desafiar a hegemonia dos gigantes tecnológicos muito mais efetivamente do que regulação antitrust. Eles até alegam oferecer uma alternativa para o modelo “the winner-take-all” (o vencedor leva tudo) que conduziu a desigualdade de riqueza a píncaros não vistos desde a era dos barões da borracha.

Esse remédio ainda não está visível em nenhum produto que seja inteligível para um consumidor leigo de tecnologia. O único projeto de blockchain que passou a conhecimento dominante até agora é o Bitcoin, que está no meio de uma bolha especulativa que faz com que o frenesi do IPO [sigla em inglês para initial public offering, ou oferta inicial pública (de ações de uma empresa em uma bolsa de valores)] da internet nos anos 1990 pareça uma venda de garagem da vizinhança. E aqui reside a dissonância cognitiva que confronta qualquer um tentando dar sentido ao blockchain: o poder potencial dessa pretensa revolução está sendo ativamente prejudicado pela multidão que está atraindo, uma verdadeira equipe de charlatões, falsos profetas e mercenários. Não pela primeira vez, os tecnólogos que perseguem a visão de uma rede aberta e decentralizada encontram-se cercados por uma onda de oportunistas esperando fazer uma fortuna da noite para o dia. A questão é se, após o estouro da bolha, a real promessa do blockchain pode perdurar.

Tim Wu, autor do livro The master switch

Para alguns estudantes da história da tecnologia moderna, a queda em desgraça da internet segue um script histórico inevitável. Conforme Tim Wu argumentou em seu livro de 2010, The master switch, todas as principais tecnologias de informação do século XX aderiram a um padrão de desenvolvimento parecido, começando como brinquedos de amadores e pesquisadores motivados pela curiosidade e pela comunidade, e acabando nas mãos de corporações multinacionais fixadas em maximizar o valor para o acionista. Wu chama esse padrão de Ciclo e, pelo menos na superfície, a internet seguiu o Ciclo com convincente fidelidade. A internet começou como uma mixórdia de projetos acadêmicos de pesquisa financiados pelo governo e passatempos ao ar livre. Mas, 20 anos após a web ter penetrado na imaginação popular, ela produziu no Google, no Facebook e na Amazon — e indiretamente na Apple — o que podem bem ser as corporações mais poderosas e valiosas da história do capitalismo.

Os defensores do blockchain não aceitam a inevitabilidade do Ciclo. As raízes da internet foram, de fato, mais radicalmente abertas e decentralizadas do que as tecnologias da informação prévias, eles argumentam, e se tivéssemos nos mantido fiéis a essas raízes, ela poderia ter permanecido assim. O mundo online não seria dominado por um punhado de titãs da era da informação; nossas novas plataformas seriam menos vulneráveis à manipulação e fraude; o roubo de identidade seria muito menos comum; os dólares para a publicidade seriam distribuídos em uma ampla gama de formas de mídia.

Para entender o motivo, é útil pensar a internet como dois tipos de sistemas fundamentalmente diferentes empilhados um em cima do outro, como camadas num sítio arqueológico. Uma camada é composta de protocolos de software que foram desenvolvidos nos anos 1970 e 1980 e que atingiram massa crítica, pelo menos em termos de audiência, nos anos 1990. (Um protocolo é uma versão de software de uma língua franca, uma forma em que múltiplos computadores concordam comunicar-se uns com os outros. Existem protocolos que governam o fluxo de dados brutos da internet, protocolos para enviar mensagens de correio eletrônico e protocolos que definem os endereços das páginas da web.) E então, acima deles, uma segunda camada de serviços com base na web — Facebook, Google, Amazon, Twitter — que em grande parte chegou ao poder na década seguinte.

A primeira camada — vamos chamá-la de InternetOne — foi fundada sobre protocolos abertos os quais, por sua vez, foram definidos e mantidos por pesquisadores acadêmicos e organismos de normas internacionais, sem donos. De fato, aquela abertura original continua existindo ao nosso redor, de maneiras que provavelmente não valorizamos o suficiente. O e-mail ainda é baseado nos protocolos abertos POP, SMTP e IMAP; os sites ainda são servidos utilizando o protocolo aberto HTTP; os bits ainda circulam através dos protocolos abertos originais, TCP/IP. Você não precisa entender nada sobre como essas convenções de software funcionam em nível técnico para aproveitar seus benefícios. A característica chave que todos eles têm em comum é que qualquer um pode usá-los, de graça. Você não precisa pagar por uma licença a uma corporação que é dona do HTTP se você quer montar uma página na web; você não tem que vender uma parte da sua identidade a anunciantes se você quiser mandar um e-mail usando SMTP. Junto com a Wikipedia, os protocolos abertos da internet constituem o exemplo mais impressionante de produção comum na história humana.

O GPS poderia ter um dono, poderia existir um “GeoBook”
Para ver quão enormes, mas também invisíveis os benefícios de tais protocolos têm sido, imagine que uma daquelas chaves-padrão não tivesse sido desenvolvida: por exemplo, o padrão aberto que usamos para definir nossa localização geográfica, o GPS. Originalmente desenvolvido pelos militares dos Estados Unidos, o Global Positioning System (Sistema de Posicionamento Global) foi disponibilizado pela primeira vez para uso civil durante o governo Reagan. Por cerca de uma década ele foi grandemente empregado pela indústria da aviação até que os consumidores individuais começaram a usá-lo em sistemas de navegação automotivos. E agora temos smartphones que podem captar um sinal de satélites de GPS orbitando acima de nós, e podemos usar esse poder extraordinário para fazer tudo, de localizar restaurantes próximos a jogar Pokémon Go e a coordenar esforços para ajudar em locais onde ocorreram desastres.

Mas e se os militares tivessem guardado o GPS e não o tivessem liberado para domínio público? Provavelmente, em algum momento da década de 1990, um sinal do mercado teria sido lançado para os inovadores do Vale do Silício e outros hubs tecnológicos, sugerindo que os consumidores estavam interessados em estabelecer suas coordenadas geográficas exatas de forma que tais localizações pudessem ser projetadas sobre mapas digitais. Teria havido alguns anos de competição furiosa entre companhias rivais, que lançariam seus próprios satélites em órbita e avançariam com seus próprios e únicos protocolos, mas no final o mercado teria estabelecido um modelo dominante dado todas as eficiências que resultam de uma forma única e comum de verificar localização. Vamos chamar essa empresa imaginária de GeoBook. Inicialmente, o abraço do GeoBook teria sido um pulo à frente para os consumidores e outras empresas tentando criar consciência de localização em seu hardware e software. Mas lentamente, uma narrativa mais sombria surgiria: uma única corporação privada, rastreando os movimentos de bilhões de pessoas ao redor do planeta, construindo publicidade gigantesca baseada em nossas mudanças de localização. Qualquer startup que tentasse construir um aplicativo de geo-localização estaria vulnerável aos caprichos do poderoso GeoBook. Polêmicas especialmente iradas teriam sido publicadas denunciando a ameaça pública desse “grande irmão” no céu.

Mas nada disso aconteceu, por uma razão simples. Geo-localização, como a localização de páginas da web e endereços de e-mail e nomes de domínios, é um problema que resolvemos com um protocolo aberto. E porque isso é um problema que não temos, raramente pensamos sobre como é maravilhoso o funcionamento do GPS e quantas aplicações diferentes foram construídos sobre seu fundamento.

A web aberta, decentralizada, está viva e bem na camada InternetOne. Mas desde que aportamos na World Wide Web no meio dos anos 1990, adotamos bem poucos novos protocolos de padrão aberto. Os maiores problemas que os tecnólogos enfrentaram após 1995 — muitos dos quais giraram em torno de identidade, da comunidade e dos mecanismos de pagamento — foram deixados para o pessoal do setor privado resolver. Foi isso que levou, no princípio dos anos 2000, a uma nova poderosa camada de serviços de internet, que poderíamos chamar de InternetTwo.

Por todo seu brilhantismo, os inventores dos protocolos abertos que moldaram a internet falharam na inclusão de alguns elementos chave, que mais tarde provariam ser críticos para o futuro da cultura online. Talvez mais importante, eles não criaram um padrão aberto seguro que estabelecesse a identidade humana na rede. Unidades de informação poderiam ser definidas — páginas, links, mensagens — mas as pessoas não tinham seu próprio protocolo: nenhuma maneira de definir e compartilhar seu nome real, sua localização, seus interesses ou (talvez o mais crucial) seus relacionamentos com outras pessoas online.

Isso acaba por ser um grande descuido, porque a identidade é o tipo de problema que se beneficia de uma solução universalmente reconhecida. É o que Vitalik Buterin, o fundador do Ethereum, descreve como infraestrutura de camada-base: coisas como linguagem, estradas e serviços postais, plataformas onde comércio e competição são realmente ajudados por ter uma camada subjacente no domínio público. Off-line, não temos um mercado aberto para passaportes físicos ou números de CPF; temos algumas autoridades respeitáveis — a maioria delas apoiadas pelo poder do Estado — que usamos para confirmar para outros que somos quem dizemos que somos. Mas online, o setor privado entrou para preencher o vácuo, e porque identidade tinha aquela característica de ser um problema universal, o mercado foi pesadamente incentivado para estabelecer um padrão comum para definir você e as pessoas que você conhece.

Os loops de feedback de auto esforço que os economistas chamam de “retornos crescentes” ou de “efeitos da rede” começaram a dar resultado e, após um período de experimentação no qual brincamos em mídias sociais startups como Myspace e Friendster, o mercado fixou-se no que é essencialmente um padrão proprietário para estabelecer quem você é e quem você conhece. Esse padrão é o Facebook. Com mais de dois bilhões de usuários, o Facebook é muito maior do que toda a internet no pico da bolha dot-com no fim dos anos 1990. E aquele crescimento em usuários tornou-o a sexta companhia mais valiosa do mundo somente 14 anos após sua fundação. O Facebook é a concretização final do abismo que divide as economias InternetOne e InternetTwo. Nenhuma empresa privada possuía os protocolos que definiam e-mail ou GPS ou a web aberta. Mas uma única corporação possui os dados que definem a identidade social de dois bilhões de pessoas hoje — e uma única pessoa, Mark Zuckerberg, possui a maioria do poder de voto naquela corporação.

Se você vê a ascensão da rede centralizada como inevitável mudança no Ciclo, e o idealismo do protocolo aberto da rede inicial como um tipo de falsa consciência adolescente, então há menos razão para se preocupar com todas as maneiras como abandonamos a visão da InternetOne. Ou estamos vivendo em um estado caído hoje e não há como retornar ao Éden, ou o próprio Éden era uma espécie de fantasia que necessariamente seria corrompida pelo poder concentrado. Em ambos os casos, não tem sentido tentar restaurar a arquitetura da InternetOne; nossa única esperança é usar o poder do Estado para controlar esses gigantes corporativos, através de regulação e ações antitrust. É uma variação da velha máxima de Audre Lorde: “As ferramentas do mestre nunca vão desmantelar a casa do mestre”. Você não pode consertar os problemas que a tecnologia criou para nós criando mais soluções tecnológicas em cima deles. Você precisa de forças fora do domínio do software e dos servidores para quebrar cartéis com esse poder.

Mas a máxima sobre a casa do mestre, nessa analogia, é que a casa é um duplex. O andar de cima foi realmente construído com ferramentas que não podem ser usadas para desmantelá-la. Mas os protocolos abertos sob ela ainda têm o potencial para construir alguma coisa melhor.

[…]

Por que a internet seguiu o caminho de aberto para fechado? Uma parte da explicação reside no pecado da omissão: na hora que uma nova geração de programadores começou a enfrentar os problemas que a InternetOne deixou por resolver, havia praticamente fontes de capital ilimitadas para investir naqueles esforços, desde que os programadores mantivessem seus sistemas fechados. O segredo do sucesso dos protocolos abertos da InternetOne é que eles foram desenvolvidos num tempo em que a maioria das pessoas não se importava com redes online, de forma que eles foram capazes de, furtivamente, alcançar massa crítica sem ter que competir com conglomerados ricos e investidores de risco. Em meados dos anos 2000, entretanto, uma startup promissora como o Facebook conseguia atrair milhões de dólares em financiamentos, antes mesmo de se tornar uma marca doméstica. E o dinheiro do setor privado garantia que o software importante da empresa permaneceria fechado a fim de capturar o máximo de valor possível para os acionistas.

E ainda assim — como o investidor de risco Chris Dixon salienta — havia outro fator também, um que era de natureza mais técnica do que financeira. “Suponha que você esteja tentando construir um Twitter aberto”, Dixon explica. “Sou @cdixon no Twitter. Onde você armazena isso? Você precisa de um banco de dados”. Uma arquitetura fechada como a do Facebook ou a do Twitter coloca toda a informação sobre seus usuários — seus handles, seus likes e fotos, o mapa das conexões que eles têm com outros indivíduos na rede — num banco de dados privado que é mantido pela empresa. Sempre que você olhar o seu feed de notícias no Facebook, você tem acesso a alguma seção infinitesimalmente pequena desse banco de dados, vendo apenas a informação relevante para você.

A execução do banco de dados do Facebook é uma operação inimaginavelmente complexa, contando com centenas de milhares de servidores espalhados pelo mundo, supervisionado por alguns dos engenheiros mais brilhantes do planeta. Do ponto de vista do Facebook, eles estão provendo um serviço valioso para a humanidade: criando um gráfico social comum para quase todos na Terra. O fato de eles terem que vender publicidade para pagar as contas daquele serviço — e o fato de que a escala de sua rede dá a eles um poder assombroso sobre as mentes de dois bilhões de pessoas ao redor do globo — é o preço lamentável, mas inevitável a se pagar por um gráfico social compartilhado. E essa troca de fato faz sentido em meados dos anos 2000; criar um banco de dados único capaz de rastrear as interações de centenas de milhões de pessoas — muito menos dois bilhões — era o tipo de problema que podia ser enfrentado por uma única organização.

Então, como você pode conseguir a adoção significativa de protocolos de camada de base numa época quando as grandes empresas de tecnologia já conseguiram atrair bilhões de usuários e se sentam em cima de centenas de bilhões de dólares em dinheiro? Se acontece de você acreditar que a internet, em sua encarnação atual, está causando danos significativos e crescentes à sociedade, então esse problema aparentemente esotérico — a dificuldade de conseguir que as pessoas adotem novos padrões de tecnologia de fonte aberta — acaba por ter consequências graves. Se não podemos descobrir uma forma de introduzir uma nova infraestrutura rival de camada de base, então estamos presos à internet que temos hoje. O melhor que podemos esperar é por intervenções do governo para reduzir o poder do Facebook ou do Google, ou algum tipo de revolta do consumidor que encoraje o mercado a mudar para serviços online menos hegemônicos, o equivalente digital a renegar o agronegócio em detrimento dos produtores locais. Nenhuma das duas abordagens permitiria a dinâmica subjacente da InternetTwo.

O manifesto de Satoshi Nakamoto, seja lá quem ele seja
A primeira sugestão de desafio significativo para a era do protocolo fechado chegou em 2008, pouco depois de Zuckerberg abrir a primeira sede internacional de sua crescente empresa. Um programador misterioso (ou grupo de programadores) atendendo pelo nome de Satoshi Nakamoto circulou um artigo numa lista de endereços criptografada. O artigo foi chamado “Bitcoin: a peer-to-peer electronic cash system”, (Bitcoin: um sistema de moeda eletrônica pessoa-a-pessoa) e nele Nakamoto esboçava um sistema engenhoso para uma moeda digital que não precisava de uma autoridade de confiança centralizada para verificar as transações. Na época, Facebook e Bitcoin pareciam pertencer a esferas totalmente diferentes — uma era uma startup de mídia social emergente apoiada por investidores que permitia que você parabenizasse seus conhecidos e se conectasse com velhos amigos, enquanto a outra era um esquema bizantino de moeda criptografada proveniente de uma obscura lista de e-mails. Mas 10 anos mais tarde, as ideias que Nakamoto desencadeou com aquele artigo agora representam o desafio mais importante para a hegemonia dos gigantes da InternetTwo como o Facebook.

O paradoxo sobre o Bitcoin é que ele bem que pode se tornar um avanço genuinamente revolucionário e, ao mesmo tempo, um fracasso colossal como moeda. No momento que escrevo, o Bitcoin aumentou de valor quase 100.000% ao longo dos últimos cinco anos, fazendo a fortuna de seus primeiros investidores, mas também o rotulando como um mecanismo de pagamento espetacularmente instável. O processo para criar novos bitcoins também se tornou um surpreendente dreno de energia.

A história está repleta de estórias de novas tecnologias cujas aplicações iniciais acabaram tendo pouco a ver com o seu uso final. Todo o foco no Bitcoin como um sistema de pagamento também pode revelar-se uma distração, um embuste tecnológico. Nakamoto lançou o Bitcoin como um “sistema de moeda eletrônica peer-to-peer” no manifesto inicial, mas no seu âmago, a inovação que ele (ou ela ou eles) propunha(m) possuía uma estrutura mais geral, com duas características principais.

Primeiro, o Bitcoin oferecia um tipo de prova de que você poderia criar um banco de dados seguro — o blockchain — espalhado por centenas ou milhares de computadores, sem uma única autoridade controlando e verificando a autenticidade dos dados.

Segundo, Nakamoto construiu o Bitcoin de forma que o trabalho de manter aquele registro distribuído fosse recompensado com pagamentos pequenos e cada vez mais escassos com Bitcoin. Se você dedicasse metade dos ciclos de processamento do seu computador para ajudar a rede Bitcoin a fazer os cálculos corretamente — e, dessa forma, afastar os hackers e os fraudadores — você recebia uma pequena parte da moeda. Nakamoto construiu o sistema de forma que os Bitcoins ficassem cada vez mais difíceis de ganhar ao longo do tempo, garantindo uma certa escassez no sistema. Se você ajudasse o Bitcoin a manter seu banco de dados em segurança nos primórdios, você ganharia mais Bitcoin do que os que chegariam depois. Esse processo passou a ser chamado de mining (mineração).

Para nossos objetivos, esqueça tudo sobre o delírio do Bitcoin, e somente tenha duas coisas em mente: o que Nakamoto introduziu no mundo foi uma maneira de concordar com o conteúdo de um banco de dados que não tivesse ninguém “no comando”, e uma forma de compensar as pessoas por ajudar a tornar esse banco de dados mais valioso, sem que essas pessoas estivessem numa folha de pagamento oficial ou que tivessem ações numa entidade corporativa. Juntas, essas duas ideias resolveram o problema do banco de dados distribuído e o problema de financiamento. De repente, havia uma forma de suportar protocolos abertos que não estavam disponíveis durante a infância do Facebook e do Twitter.

[…]

Para superar o Uber
Assim como o GPS nos deu uma forma de descobrir e compartilhar nossa localização, um novo protocolo definiria um pedido simples: estou aqui e gostaria de ir para lá. Um registro de distribuição poderia arquivar todas as viagens passadas do usuário, cartões de crédito, locais favoritos — todos os metadados que serviços como o Uber ou a Amazon usam para encorajar e fidelizar. Vamos chamá-lo, para fins de argumentação, de protocolo Transit. Os padrões para enviar um pedido de Transit para a internet seriam inteiramente abertos; qualquer um que quisesse desenvolver um aplicativo para responder àquele pedido estaria livre para fazê-lo. As cidades poderiam desenvolver aplicativos de Transit que permitissem que motoristas de táxi respondessem ao pedido. Mas coletivos de compartilhamento de bicicleta também poderiam fazê-lo. Os desenvolvedores poderiam criar aplicativos de mercados compartilhados, onde todos os veículos potenciais usando o Transit poderiam disputar seu negócio. Quando você fosse para a rua e tentasse pegar um transporte, você não teria que se limitar a um único fornecedor antes de chamá-lo. Você poderia simplesmente anunciar que está parado na esquina da 67th e Madison e que você precisa ir para o Union Square. E então você recebe uma enxurrada de ofertas competitivas. Você poderia, teoricamente, receber uma oferta do metrô, que poderia desenvolver um serviço para lembrar os usuários do Transit que pode ser muito mais barato e rápido usar a linha tal.

Como o Transit alcançaria massa crítica quando o Uber já domina o mercado de transporte compartilhado? Aqui é onde os tokens entram em cena. Os primeiros clientes do Transit seriam contemplados com tokens do Transit, que poderiam ser usados para comprar serviços do Transit ou trocados por moeda tradicional. Como no modelo do Bitcoin, os tokens seriam distribuídos de maneira menos generosa à medida que o Transit se tornasse mais popular. Nos primeiros tempos, um desenvolvedor que criasse um aplicativo para iPhones que usassem o Transit poderia obter ganhos inesperados em tokens; motoristas de Uber que começassem a usar o Transit como segunda opção para encontrar passageiros receberiam tokens como prêmio por adotar o sistema; consumidores aventureiros seriam premiados por usar o Transit nos seus primórdios, quandoexistiriam ainda poucos motoristas disponíveis em comparação com as redes proprietárias existentes, como Uber.

À medida que o Transit começasse a decolar, ele atrairia especuladores, que colocariam um preço monetário no token e atrairiam ainda mais interesse para o protocolo, inflando seu valor, o que, por sua vez, atrairia mais desenvolvedores, motoristas e clientes. Se o sistema terminar trabalhando como seus defensores acreditam, o resultado é mais competitivo, mas ao mesmo tempo mais equitativo para o mercado. No lugar de todo o valor econômico ser capturado pelos acionistas de uma ou duas grandes corporações que dominam o mercado, o valor econômico é distribuído para um grupo muito maior: os primeiros desenvolvedores do Transit, os criadores de aplicativos que fazem o protocolo funcionar de forma amigável para o consumidor, os primeiros motoristas e passageiros que adotaram a plataforma, a primeira leva de especuladores. As economias do token introduzem um estranho conjunto de novos elementos que não cabem nos modelos tradicionais: ao invés de criar valor por possuir alguma coisa, como no modelo patrimonial de acionista, as pessoas geram valor através da melhoria do protocolo fundamental, ou ajudando a manter o registro (como no Bitcoin “mining”), ou desenvolvendo aplicativos sobre ele ou simplesmente usando o serviço. As linhas de separação entre fundadores, investidores e clientes estão muito mais difusas do que nos modelos corporativos tradicionais; todos os incentivos foram explicitamente criados para afastar-se de resultados que levem a um vencedor absoluto. Ainda assim, ao mesmo tempo, todo o sistema depende de uma fase especulativa inicial na qual os intrusos estão apostando no token para aumentar seu valor.

“Você pensa na bolha da internet dos anos 1990 e toda a grande infraestrutura que conseguimos como resultado dela”, diz Dixon. “Você está simplesmente pegando aquele efeito e encolhendo-o para fazê-lo caber num aplicativo”.

[…]

A hora da verdade: não criptomoedas, mas identidades
O teste verdadeiro do blockchain vai girar — como tantos das crises online dos últimos anos passados — em torno do problema de identidade.
Hoje sua identidade digital está espalhada por dúzias ou mesmo centenas de sites diferentes: a Amazon possui sua informação do cartão de crédito e seu histórico de compras; o Facebook conhece seus amigos e família; o SPC mantém seu histórico de crédito. Quando você usa quaisquer desses serviços, você está efetivamente pedindo permissão para pegar emprestada alguma daquelas informações sobre você a fim de desempenhar uma tarefa: pedir um presente de Natal para seu tio, verificar o Instagram para ver as fotos da festa do escritório na noite passada. Mas todos esses diferentes fragmentos de sua identidade não pertencem a você; eles pertencem ao Facebook, à Amazon e ao Google, que estão livres para vender pedaços daquela informação sobre você a anunciantes sem consultar você. Você, claro, pode apagar essas contas, e se você parar de verificar o Facebook, o Zuckerberg e os acionistas do Facebook vão parar de ganhar dinheiro alugando sua atenção para os clientes deles. Mas sua identidade no Facebook ou no Google não é portátil. Se você quiser se juntar a outra rede social promissora que talvez seja um pouco menos contaminada por robôs russos, você não consegue extrair sua rede social do Twitter e transferi-la para o novo serviço. Você tem que construir a rede de novo do zero (e convencer todos os seus amigos a fazer a mesma coisa).

Tim Berners-Lee

Os evangelistas do blockchain acham que toda essa abordagem é um atraso. Você deve ser dono de sua identidade digital — que poderia incluir tudo, desde sua data de nascimento até sua rede de amigos ou seu histórico de compras — e  você deveria ter a liberdade de “emprestar” partes dessa identidade a serviços que você considere adequados. Uma vez que essa identidade não foi criada dentro dos protocolos de internet originais, e dada a dificuldade de gerenciar um banco de dados distribuído nos dias antes do Bitcoin, essa forma de identidade “auto soberana” — conforme a terminologia a define — era uma impossibilidade prática. Agora é um objetivo atingível. Alguns serviços com base no blockchain estão tentando atacar esse problema, incluindo um novo sistema de identificação chamado uPort, que foi desmembrado da ConsenSys e outro chamado Blockstack que está baseado atualmente na plataforma do Bitcoin. (Tim Berners-Lee está liderando o desenvolvimento de um sistema comparável chamado Solid, que também dá aos usuários controle sobre seus próprios dados). Todos esses protocolos rivais possuem estruturas levemente diferentes, mas todos eles compartilham a visão geral de como a identidade deve funcionar numa internet realmente decentralizada.

O que evitaria que um novo padrão de identidade com base no blockchain seguisse o Ciclo de Tim Wu, o mesmo que trouxe o Facebook a tal posição dominante? Talvez nada. Mas imagine o que aquela sequência representaria na prática. Alguém cria um novo protocolo para definir sua rede social através do Ethereum. Pode ser simples como uma lista dos outros endereços do Ethereum; em outras palavras, Aqui estão os endereços públicos de pessoas de quem eu gosto e em quem confio. Essa forma de definir sua rede social pode bem decolar e, em última análise, suplantar os sistemas fechados que definem sua rede no Facebook. Talvez algum dia cada pessoa no planeta possa usar aquele padrão para mapear suas conexões sociais, exatamente como cada pessoa na internet usa o TCP/IP para compartilhar dados. Mas mesmo que essa nova forma de identidade se torne onipresente, ela não apresentaria as mesmas oportunidades de abuso e manipulação que você encontra nos sistemas fechados, que se tornaram padrões de fato. Eu talvez permita um serviço do tipo do Facebook para usar meu mapa social para filtrar notícias, ou fofoca ou música para mim, com base na atividade dos meus amigos, mas se esse serviço me aborrecesse, eu teria liberdade para experimentar outras alternativas sem o custo da mudança. Um padrão aberto de identidade daria às pessoas comuns a oportunidade de vender sua atenção a quem oferecesse mais ou poderia se manter completamente fora do mercado.

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Como a própria internet original, o blockchain é uma ideia com possibilidades radicais que, ao mesmo tempo, atraíram alguns dos mais frívolos e regressivos apetites do capitalismo. Gastamos nossos primeiros anos online num mundo definido por protocolos abertos e intellectual commons; despendemos a segunda fase num mundo cada vez mais dominado por arquiteturas fechadas e bancos de dados proprietários. Aprendemos bastante dessa história para dar suporte à hipótese de que aberto funciona melhor do que fechado. Mas nós não temos um caminho fácil de volta para a era do protocolo aberto. Não é provável que algum protocolo messiânico de internet de próxima geração saia da pesquisa do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, da maneira como a internet de primeira geração fez quase 50 anos atrás.

A coisa linda sobre os protocolos abertos é que eles podem ser conduzidos em novas direções surpreendentes por pessoas que os descobrem e os defendem em sua infância. Neste momento, a única esperança para o renascimento do ethos do protocolo aberto está no blockchain. Se ele eventualmente corresponderá à sua promessa igualitária dependerá, em grande parte, das pessoas que abraçam a plataforma. Se você acha que a internet não está funcionando em sua encarnação atual, você não pode mudar o sistema só com reflexões e regulamentações. Você precisa de um novo código.

Steven Berlin Johnson é professor (professional-in-residence) de novas mídias na Escola de Jornalismo da Universidade Columbia e editor colaborador da revista Wired. É formado em semiótica pela Brown University e em literatura inglesa pela Columbia. Publica seus artigos regularmente nos jornais The New York Times e The Wall Street Journal, além da revista The Nation. Escreveu vários livros, entre os quais Where good ideas come from: The natural history of innovation. Criou a revista online FEED, os sites Plastic.com e outside.in, este último comprado pela AOL em 2011 e rebatizado Patch. É do conselho consultivo das companhias de internet Meetup.com, Betaworks e Nerve.