Documentários revelam como papel de Roy Cohn repercute na era Trump

Por Guilherme Gorgulho

Trazer à tona a história de um personagem obscuro para as gerações mais novas, mas que esteve envolvido em tramas centrais na história dos Estados Unidos na segunda metade do século XX, reverberando na política estadunidense atual, mostra-se essencial para entender como a potência que se vangloria por ser a terra da liberdade está entrando em um fosso escuro de perseguição e censura aos opositores do governo de Donald Trump.

O advogado Roy Cohn (1927-1986) foi o principal auxiliar do senador Joseph McCarthy (1908-1957) em sua caça às bruxas contra a esquerda nos anos 1950, levou à cadeira elétrica um casal por supostamente abrir segredos da bomba atômica para os soviéticos, defendeu nos tribunais grandes chefões da máfia e ajudou a catapultar a carreira do então empresário do ramo imobiliário Donald Trump.

“Bully. Covarde. Vítima. A história de Roy Cohn”, dirigido por Ivy Meeropol, e “Onde Está Meu Conselheiro?”, dirigido por Matt Tyrnauer, dois documentários lançados em 2019, traçam um perfil similar de uma figura nefasta para a história dos Estados Unidos, definido por muitos como como “a personificação do mal”. O advogado nascido de uma família judia no Bronx, filho de um juiz, guiava sua carreira utilizando todos os meios disponíveis, na maioria das vezes antiéticos, para obter suas vitórias dentro e fora dos tribunais.

Sua carreira de sucesso na advocacia e sua relação de proximidade com personalidades de poder político e econômico alçaram seu nome ao rol dos advogados mais bem-sucedidos de Nova York e dos Estados Unidos entre os anos 1950 e 1980. Cohn, que adorava orbitar o poder, fazia lobby para manipular o sistema e se mostrava disposto a resolver qualquer problema para os poderosos que o contratassem, mesmo que utilizando táticas imorais ou ilegais. Parentes, amigos, advogados que trabalharam com ele e adversários são enfáticos ao dizer que ele não seguia as regras do jogo, era extremamente inteligente e um gênio na arte de tergiversar.

Meeropol é neta do casal  de Nova York Julius e Ethel Rosenberg, condenados por espionagem em 1951 e executados dois anos depois a partir da atuação do jovem Cohn como promotor de Justiça. Apesar de algumas sobreposições inevitáveis nas abordagens dos dois longa-metragens, “Bully. Covarde. Vítima” dedica muito espaço para as manobras empregadas por Cohn para condenar os Rosenberg, com várias entrevistas com o pai da diretora, Michael Meeropol, filho mais velho do casal. Esse lado pessoal na direção traz uma dramaticidade maior para o filme de Meeropol, mas Tyrnauer consegue criar uma obra mais ampla, didática e bem-acabada sobre a trajetória do protagonista.

As duas produções são muito bem documentadas com farto material de arquivo e entrevistas com importantes personagens que conviveram com Cohn, apesar de optarem por seguir o formato tradicional dos documentários biográficos. O filme de Meeropol mostra, por exemplo, como Cohn usava seus contatos com jornalistas, colunistas de fofocas e empresários da mídia, como Rupert Murdoch, dono da Fox News, para conseguir pressionar partes envolvidas em disputas para obtenção de acordos extrajudiciais em suas ações.

“Onde Está Meu Conselheiro?” tem um foco mais expressivo na formação de Cohn e sua relação familiar. Ele também é mais didático para um público não familiarizado com as questões tratadas, como a debacle de McCarthy na disputa em que acusou o Exército de dar abrigo a comunistas durante o período em que Cohn chefiou o grupo de advogados que o assessorou no Comitê de Investigação do Senado.

McCarthy e Cohn não só investigaram comunistas, mas também a suposta infiltração de “homossexuais e outros pervertidos sexuais” no governo estadunidense. Os dois documentários trazem detalhes da vida privada de Cohn, que era homossexual, mas não assumia isso publicamente, e de como isso influenciou suas relações pessoais e profissionais ao longo da carreira, iniciada plantando informações na imprensa a serviço do então chefe da Agência Federal de Investigação (FBI, na sigla em inglês) J. Edgar Hoover (1895-1972). “Bully. Covarde. Vítima” mostra cenas de uma remontagem de 2018 da peça “Angels in America”, do dramaturgo Tony Kushner, com devaneios de Cohn em meio a epidemia de Aids que acometeu os Estados Unidos na década de 1980. 

Sobre a relação com Trump, Cohn foi categórico ao apostar todas suas fichas no sucesso que o empresário teria no futuro e narrou como se deu essa aproximação. No filme de Meeropol, Cohn relata o que ouviu de Trump ao ser procurado por ele para representá-lo legalmente: “Sigo sua carreira e você parece ser meio doido, como eu. Você enfrenta o sistema”. Em um dos casos, em 1973, a empresa de Trump foi processada pelo governo estadunidense por discriminação ao se recusar a alugar imóveis a cidadãos afro-americanos. Em retaliação, Cohn entrou com uma ação contra o Departamento de Justiça dos EUA em US$ 100 milhões por danos, pressionando por um acordo, tática comumente usada pelo advogado.

Notório influenciador entre os republicanos da política estadunidense, Roy Cohn ajudou a eleger governadores e presidentes, como Ronald Reagan (1911-2004). Tyrnauer mostra no filme como o trabalho de Cohn representou o início da infiltração da mídia direitista no governo dos Estados Unidos e como muitas das táticas que ele usava – sempre atacar, nunca retroceder e nunca se desculpar ou se declarar culpado – ecoariam na gestão de Trump. Além disso, percebeu desde cedo o uso político do patriotismo e da bandeira estadunidense, como revela “Onde Está Meu Conselheiro?”.

“Bully. Covarde. Vítima. A história de Roy Cohn” está disponível na plataforma de streaming Max e “Onde Está Meu Conselheiro?”, no YouTube Filmes e Apple TV.

Guilherme Gorgulho, jornalista, é doutorando em Ciências Sociais no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) na Unicamp e mestre em Divulgação Científica e Cultural pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor)