Adolescentes, drogas e internet: ações de prevenção ou estímulo ao uso?

Por Geraldo Mendes de Campos e Edilaine Moraes

Uma das críticas que se faz ao canal holandês Drugslab, do YouTube, é a mesma que se fazia às antigas palestras de dependentes químicos nas escolas: alguns jovens, ao obterem informações que possam desmistificar os males causados por determinadas drogas, podem se sentir menos temerosos, mais curiosos e atraídos para a experimentação.

Talvez o tema “drogas” venha sendo um dos mais polêmicos das últimas décadas, o que pode estar relacionado à discussão sobre a legitimidade institucional de interferência nas escolhas das pessoas, ou às diferentes visões que se possa ter sobre o direito de cada indivíduo conduzir a sua vida do jeito que quiser.

Nessa área, as polêmicas e discordâncias vão se avolumando a cada nova ação que se proponha implantar. Isso ocorre, possivelmente, pelo fato de as duas grandes perspectivas que direcionam tais estratégias serem vistas como antagônicas.

De um lado, a perspectiva proibicionista busca erradicar todo e qualquer uso de substâncias psicoativas, ao passo que a perspectiva da redução de riscos defende o direito das escolhas individuais, sem interferência institucional1.

Partindo de pressupostos tão divergentes, é compreensível que qualquer ação, de uma ou outra perspectiva, gere discussões ideológicas. Um dos pontos de maior discordância entre esses dois modelos se concentra nas propostas de ações de prevenção ao uso de substâncias.

Falar sobre adolescentes e drogas já se torna algo um tanto polêmico, visto as mais variadas linhas de pensamento que se debruçam sobre um e outro aspecto. Juntando-se esses dois aspectos, as discussões giram em torno do que poderia levar o adolescente ao uso, quais estariam mais propensos ao uso abusivo e dependência, qual modelo de tratamento seria recomendado para cada caso, quais estratégias preventivas seriam mais eficazes, quais poderiam provocar reação contrária etc 2.

Então, aquilo que foi planejado para ser uma ação preventiva pode, ao contrário, despertar curiosidade e estimular o uso?

Nesse aspecto em particular, gostaríamos de trazer à reflexão a proposta de um canal do YouTube chamado Drugslab [veja um episódio ao final deste artigo], lançado no final de 2016 que, segundo seus criadores, tem por meta “informar e reduzir os danos gerados pelas drogas”.

Para isso, consideramos necessária uma rápida passagem por questões importantes que caracterizam a adolescência, público alvo da maioria das ações em prevenção.

Essa fase da vida é um importante momento de transição, caracterizado por diversas transformações, tanto hormonais quanto psicológicas. A busca pelo distanciamento de tudo o que possa estar relacionado à vida infantil acarreta a necessidade de constituição de uma nova identidade, de novas crenças, novas preferências, novas experiências. A afirmação dessa nova identidade necessariamente passa pela aceitação em um novo grupo de iguais e reconhecimento de si como membro dessa “tribo”.

Isso tudo acontece em uma etapa do desenvolvimento neurológico em que algumas estruturas cerebrais ainda se encontram em amadurecimento. Justamente aquelas responsáveis pela percepção temporal, planejamento, controle de impulsos e raciocínio, o que faz do adolescente um ser imediatista, com grande valorização do presente, em detrimento das possíveis consequências futuras3.

Ele pouco utiliza o pensamento crítico, age impulsivamente, não reconhece os riscos aos quais está exposto e testa limites sem grande discernimento, justamente por não ter tais estruturas cerebrais completamente desenvolvidas.

Nas últimas décadas do século XX, a oferta em ambientes escolares de palestras e depoimentos de dependentes químicos em recuperação era uma estratégia de prevenção largamente utilizada e considerada suficiente, por si só. A ideia por trás dessa estratégia proibicionista, era que os adolescentes não usariam drogas se temessem as consequências desse uso4.

Tempos depois, passou-se a questionar a eficácia dessa intervenção. Embora inovadora no que se referia a levar informações sobre as drogas para dentro de um ambiente de grande influência em suas formações (o ambiente escolar), o que se observava, diferente do previsto, era que quem já fazia uso continuava a fazê-lo, pois não se reconhecia no testemunho prestado, ao passo que alguns dos que ainda não haviam experimentado, de certa forma, sentiam-se atraídos, curiosos e desejosos pelos efeitos descritos pelo palestrante4.

Voltamos, então, ao canal Drugslab e sua proposta de “informar e reduzir os danos gerados pelas drogas”, utilizando linguagem e mídia extremamente atraentes aos jovens:

Uma das diferenças existentes entre a atual geração de adolescentes e as anteriores é a facilidade que os de hoje têm em obter as mais variadas informações, devido à velocidade com que se propagam.

Excetuando-se raras exceções, os adolescentes “de hoje” já se acostumaram a buscar na mídia eletrônica toda e qualquer informação que sua curiosidade desejar. Claro que isso apresenta um aspecto altamente positivo, no que se refere à instrução e busca pelo conhecimento. No entanto, todo e qualquer tipo de informação está acessível a um click, o que pode se tornar um risco, uma vez que caberá ao próprio adolescente – com aquelas características citadas acima – avaliar determinado conteúdo como sendo bom ou ruim para si.

O Drugslab é um canal do YouTube, criado por uma emissora pública da Holanda, em que jovens apresentadores se propõem a experimentar diferentes drogas, ao vivo, em frente às câmeras, e relatar os efeitos observados, tanto aqueles considerados negativos quanto os positivos. Em pouco mais de 7 meses no ar já atingiu quase 13 milhões de visualizações e 390 mil inscritos [números atualizados em 5 de abril de 2017].

A proposta do canal é apresentar, a cada semana, uma substância diferente, trazendo informações sobre formas de administração, consumo seguro, efeitos, possíveis danos, possibilidade de aplicação medicinal quando houver etc. Três apresentadores se revezam em duplas, a cada novo episódio. Enquanto um deles consome a droga e relata os efeitos percebidos, o outro o observa, tece comentários, controla alguns sinais vitais e apresenta algumas informações baseadas em evidências.

Alinhados à perspectiva da redução de riscos, o canal utiliza mídias e linguagens acessíveis e de interesse para jovens e adolescentes, a fim de divulgar informações e prestar esclarecimentos, como uma forma de evitar acidentes durante e após o consumo e assim reduzir os danos causados pelo consumo de substâncias.

A informação é prestada de jovens para jovens, provocando um impacto e aceitação maiores, visto a identificação com os apresentadores: não se trata de um “estranho ao grupo” falando o que aconteceu consigo, mas “um igual” mostrando o que acontece, “na real”, ao vivo.

Não há intenção de amedrontar os jovens quanto aos efeitos de determinada droga, mas fornecer informações imparciais e científicas para que eles possam tomar suas próprias decisões, de forma racional e bem fundamentada. Mas, como vimos acima, é possível esperar dos adolescentes decisões racionais e fundamentadas?

Uma das críticas que se faz ao Drugslab é a mesma que se fazia às antigas palestras de dependentes químicos nas escolas: alguns jovens, ao obterem informações que possam desmistificar os males causados por determinadas drogas, podem se sentir menos temerosos, mais curiosos e atraídos para a experimentação5.

Além disso, outras estratégias preventivas adotadas pelo canal, embora adaptadas à Era Digital, são bastante semelhantes às adotadas pelas antigas palestras nas escolas: a) também procuram levar aos jovens informações sobre o uso de substâncias e suas consequências, prestadas por quem já as usou (no caso atual, isso acontece no momento do uso, sob efeito da substância) ; e b) também utilizam um ambiente de grande influência na formação dos jovens (neste caso, a internet e a comunicação virtual).

Nesse aspecto, outra questão precisa ser ponderada: a influência da mídia nas decisões das pessoas, principalmente de jovens e adolescentes 6.

Mídias eletrônicas propagam seus conteúdos de forma imediata e isso deve ser visto como um grande avanço no compartilhamento e democratização do conhecimento. Aquilo que é divulgado, rapidamente ecoará em grupos alvo.

Por outro lado, qualquer tipo de conteúdo, uma vez na rede, irá chegar a milhares de mentes ávidas por novas informações. Se, de certa forma, os adolescentes encontrarão “canais” com o propósito de esclarecer e informar, também encontrarão “na rede” tantos outros com claro propósito de incentivar práticas perigosas e autodestrutivas.

A internet passou a ser a principal mentora das atuais gerações, entre 7 e 70 anos. Dos mais velhos, podemos esperar crítica e discernimento. Mas, e dos mais novos?

É certo que cada jovem pode responder de forma diferente aos estímulos que recebe ao longo da vida. Na questão das drogas isso também ocorre. Vários outros fatores interferem em suas escolhas: aspectos psicológicos individuais, o modelo parental, a rede de fatores de proteção existente ao redor, os fatores de risco e as vulnerabilidades as quais está exposto (entre outros)7.

Propostas como a do canal Drugslab trazem o claro propósito de esclarecimento imparcial. Mas será que todo esse esclarecimento, assim como as antigas palestras em escolas, não poderá reduzir temores e despertar interesse pelo uso?

Prevenção ou estímulo? Cabe a reflexão!

Geraldo Mendes de Campos é psicólogo clínico, especialista em dependência química. Professor de graduação em psicologia e de pós-graduação em cursos de dependência química. Diretor técnico de CAPSad e gestor em políticas públicas no segmento de Álcool, Tabaco e Outras Drogas.

 Edilaine Moraes é psicóloga clínica, especialista em dependência química, pós-doutora em psiquiatria e psicologia médica pela Unifesp – Universidade Federal de São Paulo. MBA em Economia e Gestão em Saúde – Grides / Unifesp. Coordenadora de cursos de pós-graduação a distância (EaD).

Contatos: www.mecapsico.com.br; mensagens: (11) 9.8882-7931.
e-mails: geraldo.campos@mecapsico.com.br e edilaine.moraes@mecapsico.com.br

Referências bibliográficas

  1. Campos G. M., Figlie N. B. “Prevenção ao uso nocivo de substâncias focada no indivíduo e no ambiente”. In: Diehl A., Cordeiro D. C., Laranjeira R. e cols. Dependência Química: prevenção, tratamento e políticas públicas. Porto Alegre: Artmed, 2011. pp. 481-93.
  1. Moraes E., Campos G. M., Chalen E., Figlie N. B. “Consumo abusivo de álcool, tabaco e outras drogas na adolescência”. In: Figlie N. B., Bordin S. e Laranjeira R. Aconselhamento em dependência química. 3ª ed. São Paulo: Roca, 2015. pp. 279-91.
  1. Bessa M. A., Boarati M. A., Scivoletto S. “Crianças e adolescentes”. In: Diehl A., Cordeiro D. C., Laranjeira R. e cols. Dependência química: prevenção, tratamento e políticas públicas. Porto Alegre: Artmed, 2011. pp. 361-74.
  1. Figlie N. B., Campos G. M., Pereira C. A., Bordin S. “Prevenção do consumo abusivo de álcool e outras drogas”. In: Figlie N. B., Bordin S. e Laranjeira R. Aconselhamento em dependência química. 3ª ed. São Paulo: Roca, 2015. pp. 429-44.
  1. Campos G. M., Moraes E. “Como planejar um projeto de prevenção”. In: Diehl A., Figlie N. B. Prevenção ao uso de álcool e drogas: o que cada um de nós pode e deve fazer? Porto Alegre: Artmed, 2014. pp. 167-82.
  1. Pinsky I., Jundi S. “O impacto da publicidade de bebidas alcoólicas sobre o consumo entre jovens: revisão da literatura internacional”. Revista Brasileira de Psiquiatria, 2008; 30 (4): 362-74.
  1. Moraes E., Campos G. M. “A visita domiciliar motivacional em situações de vulnerabilidade”. In: Garcia F., Costa M. R., Guimarães L. P., Neves M. C. L. Vulnerabilidade e o uso de drogas. Belo Horizonte: 3i Editora, 2016. pp. 365-79.