Reportagens






 

Onde estão os doutores brasileiros?

Perto de seis mil doutores são titulados por ano no Brasil, que investe cerca de 1% do PIB em ciência e tecnologia - o equivalente a R$ 1,3 bilhão -, e que tem um mínimo de dois terços dos doutores voltados para a atividade de pesquisa no setor público e menos de 2% deles desempregados. Essa é uma mostra do mercado atual de ciência e tecnologia no Brasil. Mas, para evitar que esses doutores não engrossem a fila dos desempregados, acabem dependentes das poucas e disputadas bolsas concedidas pelas agências de fomento ou migrem para países onde há mais recursos voltados para pesquisa e desenvolvimento, é preciso investir mais no setor.

Apesar de não ser um grande exportador de profissionais qualificados, o Brasil deve atentar para a necessidade de realizar investimentos e mudanças na sua política atual para não vivenciar a chamada "fuga de cérebros" que vem ocorrendo em países como Argentina, Índia e alguns europeus. Esse processo tem causado muita dor de cabeça à União Européia, por exemplo, que vê seus melhores pesquisadores emigrando para os Estados Unidos. A diferença entre os recursos aplicados nesses países tem sido apontada como a origem do problema. "Os Estados Unidos são, de longe, o país com maior produção científica e tecnológica do mundo e o que mais investe. A atividade de pesquisa se dá tanto nas universidades quanto em empresas e organizações privadas", explica o sociólogo Simon Schwartzman, presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade, no Rio de Janeiro, e professor visitante do Departamento de Sociologia da Universidade de Harvard.

Uma saída é o governo criar mecanismos pelos quais as empresas privadas absorvam inovações e as transformem em produtos para o mercado interno e para a exportação, criando assim vagas para pesquisadores no setor produtivo. Essa é a opinião de Elísio Contini, pesquisador do projeto Labex-França da Embrapa. Ele diz ainda que a interação entre setor público e privado na ciência e tecnologia é outra avenida a ser explorada, com potenciais benefícios para ambos e para a sociedade brasileira.

"O governo também deveria dar às universidades autonomia de gestão financeira e patrimonial, retirando-as do regime jurídico único, que impede o pagamento de salários competitivos para os melhores cientistas", diz Schwartzman. O pesquisador sugere também que o país deveria concentrar recursos de ciência e tecnologia em um número limitado de instituições e centros de alta qualidade, dando a eles condições de flexibilidade e autonomia, e revendo a política de gastar quase todos os recursos de pesquisa em bolsas. Repensar a questão dos fundos setoriais de pesquisa, que deveriam servir para aumentar a densidade e qualidade da pesquisa aplicada nas áreas de onde os recursos se originam e que têm sofrido contingenciamento por parte do governo é outro aspecto que, na opinião de Schwartzman, merece atenção.

Os pesquisadores que optam em sair de seus países de origem certamente vão em busca de lugares onde se investe mais na área, e que podem lhes garantir avanços em seus trabalhos, além de bons salários. Segundo uma pesquisa sobre a migração de pesquisadores brasileiros, realizada entre 1993 e 1999, pelo presidente do Conselho da Faperj (Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro), Reinaldo Guimarães, quase 60% dos pesquisadores brasileiros que saíram do país foram para os Estados Unidos ou Canadá, e 34% para a Europa.

"Os Estados Unidos têm sido a meca dos cientistas. Porque são ricos, dispõem de excelente infra-estrutura de pesquisa e uma sólida institucionalidade, com regras claras, espírito inovador e capacidade de abrigar cientistas que nenhum outro país tem", ressalta Contini. Mas um estudo da National Science Foundation, dos Estados Unidos, mostrou que 80% dos brasileiros, formados naquele país na década de 1990, voltaram para o Brasil, mesmo recebendo lá salários equivalentes aos dos nativos. Esse índice é bem menor entre os chineses e indianos. Apenas 40% deles voltam para o país de origem.

"A chamada fuga de cérebros no Brasil é bem pequena, principalmente se compararmos a experiência brasileira com a de outros países em nível de desenvolvimento similar ao Brasil, como Índia, China, México e Coréia", afirma Elizabeth Balbachevsky, pesquisadora do Núcleo de Pesquisas sobre Ensino Superior da USP.

Entre as razões citadas para justificar o retorno dos pesquisadores brasileiros estão a possibilidade de eles continuarem aqui o seu próprio projeto e conseguir se inserir em um mercado de trabalho com chances de crescimento, segundo Geraldo Nunes, supervisor de bolsas concedidas pelo Ministério da Educação e Cultura no exterior, em recente entrevista à imprensa. Além disso, há de se ressaltar também que se um pesquisador brasileiro decide ficar no exterior, mesmo após o término da sua bolsa, há uma cobrança corrigida de todo o investimento feito com o bolsista. Isso nem sempre é compensatório para ele.

Além de não perder seus cientistas, o Brasil também é, em menor escala, um absorvedor desse tipo de mão-de-obra. Um estudo feito pelo Diretório de Grupos de Pesquisa no Brasil, em 2000, mostrou que 2.145, dos cerca de 51 mil pesquisadores ativos no Brasil, eram estrangeiros, 30% oriundos principalmente de outros países da América Latina, sendo Argentina e Peru responsáveis por 17% deles. "Estou convicto de que o Brasil ganhou muito mais com a vinda de cientistas de outros países do que forneceu cérebros para outros países. Somos ganhadores líquidos com sobras. Portanto, nenhum pânico quanto à evasão de cérebros", afirma Contini.

Fenômeno outsourcing
O fenômeno crescente em todo mundo, o outsourcing - terceirização que permite reduzir custos trabalhistas e de outros tipos em áreas que não incluem a atividade principal de uma empresa - ainda não é evidente no Brasil. "No momento, o Brasil mais expulsa do que atrai", diz o sociólogo José Pastore, especialista em relações de trabalho e desenvolvimento institucional, no seu artigo "O pesadelo da terceirização no exterior", publicado em O Estado de S. Paulo, em 24/02/2004.

Esse processo teve início nos anos 70, mas se acelerou na última década. "Índia, China, Malásia, Rússia e todos os países da Europa Oriental transformaram-se em grandes pólos de atração nos quais as empresas estrangeiras realizam inúmeras atividades, ceifando empregos domésticos nos Estados Unidos, Japão e União Européia", esclarece Pastore no seu artigo.

Segundo Schwartzman, nos Estados Unidos, o outsourcing tem sido apontado como um problema, uma vez que os indianos, nesse caso, se beneficiam de empregos que poderiam ser dos americanos. "Mas, não acredito que os indianos estejam se queixando, muito pelo contrário", diz ele.

A pesquisadora Balbachevsky vê esse fenômeno com bons olhos. "Prejuízo maior é mantermos toda essa competência isolada, se sucateando". Apesar disso, ela reconhece que no Brasil isso ainda não ocorre de maneira significativa e acrescenta que, nos países onde o outsourcing ocorre com frequência, o salário médio dos profissionais com doutorado aumenta.

O sociólogo Pastore explica que o Brasil ainda não é um pólo de atração para quem deseja terceirizar serviços no exterior pela falta de jovens especialistas, de domínio completo de línguas estrangeiras e de leis - trabalhista e tributária - favoráveis a essas contratações atípicas.

Os pesquisadores reconhecem que o Brasil ainda não enfrenta de fato o problema da fuga de cérebros nem é tão cotado no outsourcing, mas é preciso que o governo aja rápido para evitar que esses processos ocorram e desestruturem o mercado de trabalho em ciência e tecnologia, afinal, segundo dados da Capes e da Fapesp, há 37.795 pesquisadores brasileiros na fila para conseguir seu doutoramento e que vão disputar de um posto no concorrido mercado.

Leia reportagens que também tratam deste assunto na edição Ciência & Tecnologia - Inovação & Desenvolvimento

(GG e MF)

 
Anterior Proxima
Atualizado em 10/05/2004
http://www.comciencia.br
contato@comciencia.br

© 2003
SBPC/Labjor
Brasil