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Novas metodologias de pesquisa sobre exclusão social
auxiliam a gestão pública

Novas formas de manifestação da exclusão social (aumento da criminalidade, maior incidência de uso de drogas), principalmente nas grandes cidades brasileiras, desafiam pesquisadores que, visando informar e tornar a gestão pública mais eficiente, desenvolvem metodologias para medir essas manifestações no país. O desemprego é identificado como um elemento que desencadeia outros processos de exclusão, complexificando a formulação de políticas sociais.

A concentração da pobreza nas regiões metropolitanas do Brasil resulta no aumento de demandas por políticas sociais destinadas ao seu combate. Para isso, é preciso analisar o território dos grandes aglomerados urbanos. Na década de 1960, apenas Rio de Janeiro e São Paulo eram municípios com mais de 1 milhão de habitantes. Em 2000, 13 municípios brasileiros alcançaram essa marca, representando 20,3% do total da população brasileira e concentrando 40% dos pobres do país.

Diante desse quadro, duas pesquisas recentes se propuseram a desenvolver metodologias capazes de cartografar a situação da exclusão social em grandes cidades brasileiras: o Atlas da Exclusão Social no Brasil, cujo terceiro volume foi publicado no mês de abril, e o Mapa da Exclusão/Inclusão Social, que apresenta três versões publicadas nos anos 1995, 2000 e 2003.

"O Atlas da Exclusão Social no Brasil é uma experiência de construção de um indicador social que demonstrasse para o gestor público, as áreas a serem priorizadas no enfrentamento da exclusão social" afirma Thiago Ribeiro, assessor socioeconômico da Secretaria do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo e membro da equipe que reuniu pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), da Universidade de São Paulo (USP) e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), sob a coordenação dos economistas Marcio Pochmann e Ricardo Amorin.

Os volumes um e dois do Atlas da Exclusão Social no Brasil, publicados em 2003, utilizaram os dados dos censos do IBGE dos anos 1960, 1980 e 2000 para identificar nos estados e nas grandes cidades brasileiras, a concentração de pobres e excluídos. Para construir o Índice de Exclusão Social, os pesquisadores utilizaram variáveis ligadas à qualidade de vida da população tais como violência, desigualdade, nível de escolaridade e emprego formal. A partir destas variáveis produziu-se um estudo de forma georeferenciada, disponibilizando-se as informações na forma de mapas elaborados a partir de imagens de satélite.

Utilizando também a técnica do geoprocessamento, o Mapa da Exclusão/Inclusão Social, sob coordenação de Aldaíza Sposati, foi realizado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e a organização não-governamental Instituto Pólis, com o apoio do Programa de Pesquisa em Políticas Públicas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

As primeiras versões do Mapa foram feitas na cidade de São Paulo. Dois índices territoriais hierarquizam os 96 distritos do município no que diz respeito a sete conceitos (elaborados a partir de 47 variáveis): autonomia, qualidade de vida, desenvolvimento humano, cidadania, democracia, equidade e felicidade.

A partir desses conceitos, a exclusão social é tratada como um problema multidimensional e a metodologia desenvolvida possibilita a produção de diagnósticos padronizados e reprodutíveis: "A metodologia permite, assim, relacionar a pesquisa intra-urbana com políticas públicas. O Mapa da Exclusão/Inclusão Social se transforma numa ferramenta que possibilita direcionar políticas de acordo com as especificidades territoriais. Não seria eficiente adotar uma única direção na educação e na saúde, por exemplo, porque cada cidade possui, em seu interior, condições de vida muito diferenciadas. Se não existir esse retrato, essa fotografia intra-urbana, o que acontece é a realização de planos muito genéricos, como se cada município fosse um tapete homogêneo" afirma Dulce Koga, pesquisadora do Centro de Estudos das Desigualdades Socioterritoriais (Cedest) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).

No ano de 2003, o Cedest aplicou a metodologia do Mapa da Exclusão/Inclusão Social em outras cinco cidades brasileiras: Guarulhos, Santo André, Campinas, Piracicaba e Goiânia. Esses municípios vêm utilizando seus respectivos mapeamentos para a formulação de políticas públicas: "O coração de nossa metodologia é o debate sobre o padrão de inclusão social e, nessas cidades, foi possível estabelecer uma discussão coletiva, tanto com o governo, quanto com os setores organizados. Os indicadores dessas cidades foram levantados a partir desse consenso entre vários grupos, o que facilitou a incorporação pela própria cidade. A metodologia não se resume, assim, a um instrumento técnico-científico", afirma Dulce Koga, pesquisadora do Cedest.

Exclusão social e desemprego
A complexidade do fenômeno da exclusão social se revela, por exemplo, no problema do desemprego e seus efeitos. Dirce Koga destaca, a partir do Mapa da Exclusão/Inclusão Social da Cidade de São Paulo, as transformações no deslocamento dos moradores pela cidade, que podem gerar efeitos sobre a sociabilidade dos paulistanos e sobre a formulação de políticas públicas: "Constatamos que o desemprego é um dos fatores que diminui a circulação das pessoas pela cidade, notadamente da periferia para o centro. As pessoas estão andando à pé e circulando regionalmente: elas saem à procura de emprego mas se restringem às regiões mais próximas do seu local de residência", afirma a pesquisadora.

Desemprego e criminalidade
Pesquisa feita pelo Fórum Permanente das Relações Universidade-Empresa (Uniemp) em parceria com a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo relaciona o alto índice de desemprego e a diminuição da renda com o aumento no número de roubos e furtos na cidade de São Paulo. Segundo a pesquisa, divulgada em abril, a situação de desemprego explica, por exemplo, a maioria dos casos de roubo no trânsito: 85% dos roubos em carros, 80% dos roubos em ônibus e 74% dos roubos a pedestres. O estudo analisa a totalidade dos boletins de ocorrência registrados no período entre outubro de 2000 a setembro de 2003. A falta de perspectivas de se recolocar no mercado de trabalho ou mesmo de conseguir um emprego informal atrelados à insuficiência dos mecanismos de proteção social produzem um contexto no qual o crime passa a ser uma alternativa possível para a sobrevivência.

No segundo volume do Atlas da Exclusão Social no Brasil, o desemprego é apontado como um elemento que ganha relevância numa nova dinâmica da exclusão social, a partir da década de 1990. À "velha exclusão social", atribuída a baixos níveis de renda e escolaridade, atingindo com mais freqüência os migrantes, analfabetos, mulheres, famílias numerosas e a população negra, soma-se à chamada "nova exclusão social" que atinge segmentos até então relativamente preservados do processo de exclusão: jovens com elevada escolaridade, pessoas com mais de quarenta anos, homens não-negros e famílias monoparentais. A geração desses "novos excluídos" está relacionada à inserção precária no mercado de trabalho e ao desemprego, que apresentam ainda como subprodutos a violência urbana e a vulnerabilidade juvenil.


Nova exclusão social, novas políticas públicas
Políticas públicas com um novo perfil vêm sendo experimentadas visando beneficiar os "novos excluídos", pessoas com mais renda e maior escolaridade e que enfrentam dificuldades para se colocar no mercado de trabalho. A Secretaria do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo implantou, em 2003, três programas voltados para os desempregados: o Bolsa Trabalho, dirigido aos jovens desempregados de 16 a 20 anos, garantindo-lhes uma renda condicionada à freqüência escolar e ao desenvolvimento de atividades comunitárias; o programa Começar de Novo, que garante uma renda aos desempregados com mais de 40 anos de idade e o Bolsa Trabalho Emprego, que realiza o pagamento da contratação de jovens junto às empresas, para que estes adquiram alguma experiência de trabalho.

Segundo Thiago Ribeiro, assessor da Secretaria, o trabalho de envergadura do órgão ainda são os chamados programas redistributivos tais como o Renda Familiar Mínima que beneficia 320 mil famílias do município. Os programas que focalizam a questão do trabalho - denominados como emancipatórios - ainda são insipientes e beneficiam 3 mil e 800 pessoas. Na cidade de São Paulo há quase 1,1milhão de desempregados.

No caso do Programa Bolsa Trabalho Emprego, alguns desafios vêm sendo postos: "O programa não tem tido muito sucesso junto aos empresários que muita vezes querem substituir uma pessoa empregada, assalariada, por um jovem que a prefeitura está pagando para trabalhar. É preciso, portanto, muito cuidado para que não ocorra esse efeito de substituição", afirma Thiago Ribeiro. Segundo ele, o programa Primeiro Emprego, do governo federal, vem enfrentando um problema semelhante.

(CR)

 
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Atualizado em 10/05/2004
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