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Redução de jornada deve ser votada neste ano

O governo pretende aprovar, ainda este ano, um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) (n° 393 de 2001) que propõe a diminuição da jornada de trabalho sem redução de salário. O projeto propõe a redução progressiva das horas semanais trabalhadas. No ano seguinte à sua aprovação, a jornada semanal de trabalho passaria de 44 para 40 horas e, após dois anos, para 35 horas. Segundo opinião de pesquisadores a redução da jornada de trabalho é um fator potencial de geração de empregos, ao mesmo tempo em que melhora a qualidade de vida do trabalhador, que terá mais tempo livre para o lazer, educação e para a família. No entanto, a medida só vai gerar novas vagas se for acompanhada pela extinção das horas extras e pelo fim do sistema de banco de horas adotado pelas empresas.

No Brasil, houve duas mudanças na redução da jornada de trabalho, uma na constituição de 1934 e outra na de 1988. Nesta última, a jornada de trabalho passou de 48 para 44 horas semanais, não podendo exceder oito horas diárias. De acordo com Marcelo Weishaupt Proni, pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a redução da jornada para 44 horas foi uma conquista dos movimentos sindicais que tiveram uma participação atuante nos debates em torno da Constituição de 1988. O pesquisador conta que, em 1985, houve uma greve no ABC paulista visando a redução da jornada para 40 horas. "A redução para 44 horas estava aquém do que a CUT [Central Única dos Trabalhadores] e as principais lideranças queriam, mas não deixou de ser uma conquista. Na época, o desemprego era bem menor do que hoje", explica Proni.

A urgência de se pensar a redução da jornada no Brasil é, em parte, devido aos altos índices de desemprego no país, que estão crescendo a cada mês. Segundo a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) de abril, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nas seis regiões metropolitanas do Brasil (Rio, São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife e Salvador) a taxa de desocupação em março cresceu 0,8% em relação a fevereiro de 2004 e atinge 12,8% da População Economicamente Ativa (PEA). (veja relatório do IBGE)

Desemprego nas seis regiões metropolitanas.Fonte: PME-IBGE.
Desemprego nas seis regiões metropolitanas.
Fonte: PME-IBGE.

1° de maio tem origem na luta pela redução da jornada de trabalho.

Na segunda metade do século XIX, um século após a Revolução Industrial, eclodiam em várias partes do mundo protestos dos trabalhadores pela redução da jornada de trabalho, cujo lema era: oito horas de trabalho, oito de descanso e oito de lazer. Crianças, jovens e mulheres trabalhavam exaustivamente nas fábricas em uma jornada de 17 a 20 horas por dia, o que causava muitas mortes e mutilamentos devido ao cansaço. O Dia Internacional do Trabalhador, o 1o de maio (e não o dia do trabalho, como muitos pensam), foi instituído em 1889, quando o Congresso Operário Internacional, reunido em Paris, decidiu que esse seria um dia de conscientização e comemoração dos trabalhadores. A data tem origem histórica na luta dos trabalhadores de Chicago, em 1886, quando cerca de 350 mil trabalhadores das fábricas entraram em greve para protestar contra as condições de trabalho que, no mundo todo, eram desumanas. Houve forte repressão policial e, após a explosão de uma bomba no meio da multidão, os policiais abriram fogo, matando dezenas de trabalhadores. Depois foi instaurado inquérito para apurar o caso e identificar e punir os líderes da "baderna". Alguns trabalhadores foram enforcados em praça pública e outros condenados à prisão perpétua.

Em 2004, no Brasil, surge novamente a proposta de redução da jornada do trabalho para 40 horas semanais. Nessa discussão dialogam sindicatos, empresários e governo, sustentando pontos de vistas diferentes. De acordo com a Secretária Nacional de Política Sindical da CUT, Rosane da Silva, o governo tem posição favorável à redução da jornada de trabalho, mas o meio empresarial é contrário. Ela informa que as seis centrais sindicais (CUT, Força Sindical, CGT, CGTB, SDS e CAT), iniciaram um movimento unificado que pretende coletar um milhão de assinaturas para que o Congresso agilize o processo de votação na Câmara. "O governo se mostrou favorável à aprovação do projeto. Se a gente conseguir tramitar com urgência esse debate na Câmara ele será aprovado", acredita Silva. Porém, ela enfatiza que a CUT vem lutando para que outras iniciativas acompanhem a redução da jornada de trabalho, como a alteração da política econômica e a valorização do salário mínimo. "Esses mecanismos ajudam a melhorar a qualidade de vida da classe trabalhadora e possibilitam uma distribuição de renda mais justa no Brasil", acredita Silva.

A luta pela redução da jornada de trabalho é antiga, porém em cada época ela surge com objetivos diferentes. Na proposta atual os pontos sustentados são geração de empregos e melhoria na qualidade de vida do trabalhador, na forma de mais horas livres para o lazer e educação. Entre os argumentos dos que acreditam que a redução da jornada de trabalho pode servir como um mecanismo que ajude a diminuir os altos índices de desemprego, estão os dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que mostram e compraram a jornada semanal de trabalho em horas no Brasil e no mundo.



Jornada semanal de trabalho, em horas.
Fonte: OIT. Anuário de Estatísticas do Trabalho

Segundo declaração do presidente da Confederação Nacional das Indústrias (CNI) ao jornal Folha de S. Paulo, a redução da jornada de trabalho é ilusória e de um voluntarismo ingênuo, pois elevaria os custos para as empresas e sobrecarregaria o setor produtivo. Na opinião de Cássio Calvete, economista do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos) e professor da PUC-RS, os argumentos da classe empresária têm sido os mesmos ao longo dos anos. Calvete informa que, nos últimos dez anos, a produtividade do Brasil cresceu mais de 100%. "Isso derruba os argumentos de que eles teriam prejuízos com a redução da jornada de trabalho", explica. "Na verdade, a produtividade tende a aumentar ainda mais, pois haverá novas contratações", acredita o pesquisador. A secretária da CUT concorda. "No momento em que você tem mais gente trabalhando, a produtividade das empresas aumenta e o trabalhador tem mais poder de consumo, é um ciclo vantajoso para a economia brasileira", completa Silva.

De acordo com Calvete, com base nos dados da CNI, o aumento dos custos que os empresários terão após a redução da jornada de trabalho seria 1,99%. "Supondo que os empresários contratem novos trabalhadores para suprir a redução da jornada, os custos que terão, em curto prazo, estão muito abaixo do aumento da produtividade, que foi de 4,8% ao ano", explica Calvete. Um outro argumento usado pelo setor empresarial é a perda da competitividade das empresas brasileiras no mercado mundial. Segundo explica Calvete, o custo da mão-de-obra no Brasil, por hora, é um dos mais baixos do mundo, cerca de US$ 3, enquanto nos EUA é US$ 20, e na França, US$ 15. "Se fosse para perder competitividade outros países seriam menos competitivos que o Brasil, pois gastam mais com cada trabalhador, mas vemos que isso não acontece. A competitividade do Brasil é baixa por outros motivos", enfatiza Calvete.

Mas gerar novas vagas é preciso que a redução da jornada de trabalho seja acompanhada de outras medidas. A experiência passada mostra que o setor privado tende a utilizar várias estratégias para evitar a contratação de novos trabalhadores. Investimentos em tecnologias, aquisição de novas máquinas, aumento do número de horas extras e a adoção do sistema de banco de horas, foram algumas medidas adotadas.

Para Proni, da Unicamp, é preciso que haja uma maior fiscalização das Delegacias Regionais do Trabalho (DRT). "Não é preciso extinguir as horas extras, mas restringir o seu uso e torná-las caras. Sem essas medidas, qualquer esforço de redução da jornada com o intuito de recuperar o emprego terá pouco efeito", critica. Quanto ao sistema de banco de horas, Proni afirma que é uma estratégia muito favorável às empresas, mas não para os trabalhadores. "O banco de horas permite que as empresas ajustem a intensidade no uso dos trabalhadores, podendo prejudicar a criação de novos empregos", acredita Proni.

De acordo com estudos feitos pelo Dieese a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais poderia gerar 2.847.043 novos empregos, se acompanhada do fim das horas extras. O estudo mostra que essas quatro horas de trabalho ficariam disponíveis para um outro trabalhador e, para manter o mesmo nível de produtividade, as empresas teriam que contratar mais. Porém, na opinião de Calvete, mesmo com essas medidas não vai ser possível gerar 2,8 milhões de novos postos. "Se a gente quer ter a redução de jornada de trabalho como fator de geração de emprego temos que adotar medidas que impeçam a compensação das horas", afirma Calvete.

Para que a redução da jornada de trabalho tenha bons resultados é necessário que haja um diálogo entre governo, sindicatos e empresários para que a questão seja equacionada. Quando existem ganhos elevados na produtividade e crescimento econômico é justo que as empresas partilhem os lucros com os trabalhadores, seja na forma de redução da jornada de trabalho ou aumento de salário - ou com a sociedade, na forma de preços baixos. Porém, quando a economia vai mal, o setor empresarial só aceitará negociar se houver redução parcial dos salários, redução dos impostos, redução do número de trabalhadores etc. No caso do Brasil, Proni afirma que as condições para a classe trabalhadora são muito desfavoráveis. "Como os rendimentos são insuficientes, o trabalhador prefere aumentar a jornada de trabalho e não diminuí-la. Por isso é difícil uma solidariedade maior entre os que estão trabalhando e os desempregados", finaliza.

(AG)

 
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Atualizado em 10/05/2004
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