Reportagens






 

Relações de trabalho em pequenas empresas de desenvolvimento de software

Rita de Cássia Salatti
Leda Maria Caira Gitahy

A indústria de software se caracteriza pela alta velocidade na introdução de inovações técnicas e desenvolvimento de produtos; competição acirrada; baixo investimento em capital fixo e pela capacidade criativa e intelectual de sua mão-de-obra, ponto de destaque por ser considerado seu grande ativo. Nessa indústria há um grande investimento no momento do desenvolvimento de um novo produto, mas depois, esse produto poderá ser comercializado outras vezes sem custo inserido. Esta é a sua grande diferença em relação à indústria de transformação, que sempre terá o custo da matéria-prima e os gastos na produção em cada unidade de produto.

No entanto, apesar da centralidade do uso de recursos humanos altamente qualificados para o seu êxito, essa é uma indústria caracterizada pela utilização de formas de contratação de mão-de-obra altamente flexíveis, todas elas legais, que serão discutidas à luz de dados obtidos em pesquisa, realizada em 2003 e 2004, em nove empresas de desenvolvimento de sistemas na região de Campinas.

Os resultados da pesquisa desenvolvida sobre a indústria brasileira de software (projeto MIT - Softex, 2002), destacam o Brasil como o sétimo mercado de software no mundo. Mercado este, que vem crescendo desde 1995, num índice cinco vezes maior que o PIB nacional. Dentro dessa indústria destacam-se três segmentos: processamento de dados, atividades de banco de dados e desenvolvimento de sistemas.

Vale destacar no mercado brasileiro a predominância das micro e pequenas empresas, totalizando 82% do segmento, enquanto as grandes representam apenas 2%. Porém, quase 60% dos empregos regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), concentram-se nas empresas de grande porte. Em relação ao número de empregados, as empresas desse segmento de desenvolvimento de sistemas foram as que mais cresceram entre 1994 e 2000, superando outros segmentos em até 45%.

Empresas de desenvolvimento de sistemas caracterizam-se por serem intensivas em conhecimento, dedicando-se às atividades de desenvolvimento e adaptação de softwares, utilizando mão-de-obra altamente qualificada e com alto nível de escolaridade, quase sempre formada por analistas de sistemas, engenheiros de computação e tecnólogos em processamento de dados, com grandes expectativas em relação à sua vida profissional.

Apesar disso, as formas de contratação predominantes nas micro-empresas e empresas de pequeno porte desse segmento são as cooperativas de trabalho; pessoa jurídica com emissão de nota fiscal através de empresa Ltda. (dois ou mais sócios) ou requerimento empresário (individual); e o registro de autônomo.

O quadro a seguir compara as diferentes modalidades de contratação e as respectivas obrigações da empresa contratante e dos trabalhadores contratados.


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O quadro mostra que, tratando-se exclusivamente de tributos, torna-se mais onerosa para a empresa a contratação através da CLT, e mais vantajosa, através de pessoa jurídica. Nas formas flexíveis, a carga tributária aumenta para o trabalhador.

As nove empresas participantes da pesquisa vêm utilizando as distintas modalidades de contratação de mão-de-obra durante os últimos anos, mudando de uma para outra, conforme a conjuntura do mercado, os movimentos da economia e as mudanças da tributação em cada uma das formas. Algumas dessas empresas, inclusive, utilizam várias dessas modalidades ao mesmo tempo, mas a modalidade mais encontrada foi a contratação através de pessoa jurídica.

Porque essas formas de contratação são utilizadas?

Em primeiro lugar, vale destacar que a competição entre empresas do mesmo segmento é forte nesse mercado e o custo fixo da empresa de desenvolvimento de sistemas se dá basicamente pelo investimento em mão-de-obra empregada, portanto, reduzindo valores nas contratações, é possível reduzir significativamente os custos. Isto explicaria a preferência pela utilização de formas flexíveis de contratação associadas a benefícios tais como: previdência privada, alimentação, transporte, participação nos lucros e resultados, investimento em cursos e treinamentos, seguro de vida e outros. Com isso, as empresas buscam assemelhar-se aos benefícios e garantias da CLT e concorrer melhor nesse mercado acirrado, onde os profissionais expressam não ter medo do desemprego pelo excesso de oportunidades existentes.

Um dado interessante, encontrado na pesquisa foi o movimento dos próprios trabalhadores de algumas dessas empresas, a partir de 1995, solicitando a mudança contratual de CLT para pessoa jurídica. Eles constataram que os profissionais que trabalhavam em São Paulo e atuavam numa condição de pessoa jurídica eram melhor remunerados. No entanto, ao mudar de modalidade contratual, foram incluídos na remuneração total, os valores equivalentes ao FGTS, o 13o salário e férias. Na época, isso possibilitou uma média de 30% de aumento na remuneração. Depois desse período, a tributação para pessoa jurídica começou a subir constantemente e deixou de ser vantajosa.

Apesar do crescimento contínuo do setor nos últimos cinco anos, os empresários entrevistados temem a oscilação do mercado que, segundo eles, caminharia entre "picos e vales", com momentos de muita produção e outros de redução da capacidade produtiva. Nesse sentido evita-se a contratação por CLT, que implicaria custos altos com desligamento de funcionários em momentos de crise.

Já entre os trabalhadores entrevistados observa-se a convivência de diferentes visões sobre a flexibilização dos contratos, que vai da total aceitação dessas modalidades até aqueles que prefeririam a modalidade CLT. Prevalece a visão de que a indústria de software segue um padrão diferenciado de formas de contratação e de que a tendência seria a manutenção dessas formas flexíveis.


Rita de Cássia Salatti é mestranda em política científica e tecnológica, no Instituto de Geociências, da Unicamp e Leda Maria Caira Gitahy é professora do Departamento de Política Científica e Tecnológica/IG/Unicamp.

 


Observações

A indústria de software no Brasil - 2002: fortalecendo a economia do conhecimento. Massachussets Institute of Technology - MIT; Brasil Coordenação geral Sociedade Softex, 2002. (voltar)

A classificação por porte usada na pesquisa do MIT-Softex, segue a nova metodologia do BNDES para concessão de financiamentos: microempresa - receita operacional bruta de até R$ 1,2 milhão; pequena empresa - faixa entre R$ 1,2 milhão e R$ 10,5 milhões; grande empresa - receita operacional bruta acima de R$ 60 milhões. (voltar)


 

 
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Atualizado em 10/05/2004
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