| Preservação 
              ambiental: destino alternativo para o litoral sul de São 
              Paulo? O Vale 
              do Ribeira, que abrange porções dos estados de São 
              Paulo e Paraná, tem 68% do seu território coberto 
              pela Mata Atlântica. Desse total, 51% está dentro de 
              Unidades de Conservação Ambiental. Ainda não 
              se sabe os números exatos da degradação ambiental 
              na região, como desmatamento, ocupações irregulares 
              do solo em áreas protegidas e extrativismos animal e vegetal 
              clandestinos. Entretanto, o aumento do fluxo turístico e 
              o crescimento urbano são dados práticos do cotidiano 
              vivenciado por algumas cidades, principalmente aquelas localizadas 
              no litoral sul de São Paulo. Cananéia, Iguape e Ilha 
              Comprida destacam-se pela preocupação ambiental e 
              a corrida contra o relógio: tentam buscar alternativas de 
              desenvolvimento, mas o litoral norte, que sofre as penas da especulação 
              imobiliária e do crescimento urbano desordenado, despeja 
              naquelas cidades os veranistas que não mais comporta e agrada. 
              Durante a temporada de verão, a população da 
              Ilha Comprida, por exemplo, salta de aproximadamente 7 mil para 
              até 250 mil pessoas.  O caminho 
              de um desenvolvimento, clamado por muitos como sustentável, 
              é tortuoso e repleto de obstáculos. A legislação 
              ambiental, complexa e muitas vezes obscura e distante da realidade, 
              cuja interpretação é, em certos casos, inflexível, 
              confunde o poder público local, os leigos e até mesmo 
              os técnicos. Há, também, o fantasma da falta 
              de recursos humanos e financeiros, que ronda os órgãos 
              públicos responsáveis pelo gerenciamento, fiscalização 
              e licenciamento ambiental, como o Ibama (Instituto Brasileiro dos 
              Recursos Naturais Renováveis), o DEPRN (Departamento Estadual 
              de Proteção aos Recursos Naturais), da Secretaria 
              do Meio Ambiente (SMA), e a Polícia Militar Florestal, hoje 
              denominada Polícia Ambiental. "Temos apenas dois fiscais 
              para atuar em 230 mil hectares", informa a chefe da Área 
              de Proteção Ambiental federal de Cananéia, 
              Iguape e Peruíbe, Paula Ansarah. Sem falar na morosa atuação 
              burocrática desses órgãos e na aplicação 
              equivocada de recursos que sempre fizeram parte da máquina 
              estatal brasileira.  O agrônomo 
              Márcio José Lúcio, diretor do DEPRN, também 
              aponta situações que limitam a atuação 
              dos órgãos públicos, como a falta de um sistema 
              de monitoramento e vigilância dos impactos ambientais na região 
              e ausência de um sistema de informações sobre 
              a qualidade ambiental das áreas onde se deseja fazer empreendimentos 
              imobiliários. Loteamentos 
               O município 
              de Ilha Comprida é o que melhor ilustra a confusão 
              que cerca os turistas, o poder público e a população 
              local. O território da Ilha foi declarado Área de 
              Proteção Ambiental (APA) através do decreto 
              estadual no 26.881, de 1987, que proíbe o exercício 
              de qualquer atividade potencialmente causadora de degradação 
              ambiental, como construções sem prévia análise 
              e autorização (através de laudos) de órgãos 
              ambientais. A regulamentação aconteceu dois anos depois, 
              instituindo áreas de Zona de Vida Silvestre e Zonas de Ocupação 
              Controlada, com o propósito, expresso nos artigos da lei, 
              de preservar recursos naturais imprescindíveis à manutenção 
              da qualidade de vida das pessoas que vivem nas vilas da Ilha. No 
              entanto, antes dessa data, a Ilha Comprida já estava inteira 
              retalhada pelos loteamentos. Apenas dois ou três parcelamentos 
              do solo foram feitos após a regulamentação 
              da APA.  Resumindo, 
              aplica-se ao caso algo parecido com a "regra Tostines": 
              a lei deve ser aplicada aos raros loteamentos feitos após 
              a lei, ou os loteamentos feitos antes da lei devem ser submetidos 
              à lei que os sucedeu? Está instaurada a confusão, 
              muito mais difícil de ser esclarecida aos veranistas ludibriados, 
              que compraram terrenos na cidade antes de 1989 e que, ao pé 
              da letra da lei, nada valem. "Muitos turistas vêm aqui 
              me mostrar o carnê do IPTU pago por eles. Mas o IPTU é 
              cobrado sobre a propriedade e não sobre a utilização 
              dela", conta o diretor do DEPRN de Iguape, órgão 
              responsável pelo licenciamento ambiental. "Tento explicar 
              a eles o por quê de nada poderem fazer em seus terrenos". 
              Em muitos casos qualquer obra fica economicamente inviável 
              perante às exigências legais, como os estudos e laudos 
              de impacto ambiental, que acabam custando mais que o próprio 
              lote.  Esse 
              caso também comprova que nem sempre o excesso de restrições 
              é capaz de prestar nobres serviços à conservação. 
              O fluxo de pessoas na Ilha tem aumentado a cada ano, bem como o 
              número de ocupações irregulares e o trânsito 
              de carros na praia, área de descanso e alimentação 
              de aves migratórias e residentes. Para o prefeito de Ilha 
              Comprida, Décio Ventura, o parcelamento do solo no município 
              deveria ser permitido, dependendo do lugar em que fosse feito. Ele 
              também sugere a constituição de um novo decreto, 
              que modifique o que regulamentou a APA em 1989, alterando os limites 
              para a ocupação humana e a conservação 
              ambiental. Essa modificação criaria um sistema de 
              compensação, no qual 1/3 de um terreno, por exemplo, 
              seria destinado à construção, enquanto 2/3 
              seriam conservados. "O decreto que está aí não 
              é efetivo, porque não é exeqüível. 
              Tem muita gente no governo brincando de preservar o meio ambiente", 
              diz o prefeito. E conclui: "Ele gera uma desapropriação 
              indireta dos terrenos, pela qual as pessoas são obrigadas 
              a abandonar os lotes por falta de recursos para brigar na justiça". 
               Na 
              opinião de Ventura, a conservação ambiental 
              pode acontecer por outras vias. Ele frisa que as pessoas costumam 
              confundir área de proteção com área 
              de preservação. "O objetivo principal de uma 
              área de proteção é manter a qualidade 
              de vida de quem mora ali. A interpretação da legislação 
              está equivocada. Eu preciso viabilizar infra-estrutura para 
              receber o turista". A informação fornecida pelo 
              prefeito que mais estarrece é a de que o município 
              não possui um Plano Diretor, que, se bem feito, poderia nortear 
              o crescimento da cidade. "O Plano Diretor depende do que diz 
              a regulamentação da APA, que, por sua vez, não 
              atende as necessidades da população", explica. 
              "Hoje, a lei que devemos obedecer é inócua, não 
              tem valor e, então, não temos Plano Diretor". Para 
              provar que a validade da lei é questionável, basta 
              citar o decreto estadual no 750, de 1993, que proíbe a supressão 
              de vegetação primária ou nos estágios 
              avançado e médio de regeneração da Mata 
              Atlântica. De que vale, então, o decreto de regulamentação 
              da APA expedido em anos anteriores? Com exceção do 
              centro da cidade, também conhecido como boqueirão 
              norte, todo o restante da Ilha tem vegetação primária 
              ou nos estágios avançado e médio de regeneração. 
              Depreende-se daí que nela nada pode ser feito, o que invalida 
              o Zoneamento Ecológico Econômico proposto pelo poder 
              público estadual. "Tomando como base o decreto no 750, 
              eu não posso autorizar o desmatamento nem de 10% de um lote", 
              afirma Márcio Lúcio. No 
              litoral sul, as receitas dos municípios decorrem em especial 
              do turismo e da cobrança do IPTU. Essas cidades, assim como 
              todas as que estão dentro do Vale do Ribeira, têm seu 
              crescimento econômico - como o que conhecemos nos grandes 
              centros urbanos e outras cidades do interior - subjugado pelas leis 
              da preservação ambiental, as quais inviabilizam a 
              instalação de indústrias e outras atividades 
              potencialmente poluidoras. Daí decorre a preocupação 
              do prefeito de Ilha Comprida, que em nada difere da preocupação 
              dos outros prefeitos do Vale, em incentivar a atividade turística. Há 
              dois anos Ventura conseguiu terminar a ponte que liga Iguape à 
              parte norte da Ilha Comprida. Antes a cidade estava literalmente 
              "ilhada", sendo o acesso realizado por duas balsas, uma 
              na parte norte e outra no sul, na cidade de Cananéia. Para 
              o Prefeito a ponte não é responsável pelo aumento 
              do fluxo de pessoas e de veículos na praia. "Não 
              foi a ponte que trouxe a construção. O governo tem 
              que lembrar que aqui tem gente e tem turismo. Ele deveria então 
              ter decretado a Ilha um Parque e não uma APA". Hoje, 
              ele também quer construir uma estrada de ligação 
              entre as partes norte e sul da Ilha. Ele rebate a resistência 
              dos órgãos ambientalistas afirmando que sem a estrada 
              não há como impedir que os veículos transitem 
              pela praia. Por outro lado, os ambientalistas atacam o argumento, 
              afirmando que será inevitável o aumento do fluxo de 
              carros na Ilha, o que tornará inviável controlar os 
              veículos na areia.  Controvérsias  Técnicos 
              e ambientalistas discordam das idéias do prefeito e vislumbram 
              um destino trágico para o litoral sul de São Paulo. 
              O oceanógrafo, que realiza pesquisas no Instituto de Pesca 
              de Cananéia, Edison Barbieri explica, através de um 
              diagnóstico ambiental da parte sul da Ilha Comprida, que 
              "os loteamentos, de modo geral, foram feitos em áreas 
              inadequadas. Quase todos possuem partes de seus lotes em áreas 
              de mangue, dunas ou alagadiços permanentes". Barbieri 
              também aponta a degradação social e cultural 
              como uma causa negativa do turismo. As vilas de Pedrinhas, Juruvaúva 
              e Morretinho já sofrem com o avanço dos loteamentos 
              sobre suas terras. Algumas comunidades, que antes viviam apenas 
              da pesca, hoje estão rendidas às atividades ligadas 
              ao turismo. Muitos tornam-se caseiros para os veranistas.
 Isso 
              não acontece apenas na Ilha Comprida. Na Ilha do Cardoso, 
              um Parque Estadual em Cananéia, quase todas as famílias, 
              que ali vivem espalhadas em vilas, complementam a renda com o dinheiro 
              trazido pelo turista. E, na própria cidade, muitos chegam 
              ao extremo de abandonar suas próprias casas durante as temporadas 
              para entregá-las aos veranistas. Em troca eles recebem uma 
              quantia que nunca conseguiriam juntar com o trabalho e os salários 
              disponíveis na cidade. É assim que miséria 
              e degradação ambiental andam lado a lado. Sem falar 
              nos caiçaras que, para sobreviver, dedicam-se ao extrativismo 
              clandestino de ostras, mexilhões, caranguejos, palmitos e 
              caça de animais silvestres, muitos dos quais a caminho da 
              extinção.  Barbieri 
              ainda alerta sobre os riscos da degradação ambiental 
              em ilhas. "Os ambientes costeiros estão entre os mais 
              frágeis do planeta devido à sua dificuldade e, muitas 
              vezes, impossibilidade de recuperação diante de algum 
              tipo de impacto. No litoral, o turismo tem uma atuação 
              negativa, eliminando plantas e habitats de animais e contaminando 
              a água". Para o pesquisador, a ocupação 
              dos loteamentos previstos para a região estuarino-lagunar 
              da parte sul da Ilha Comprida poderia trazer crescimento econômico 
              para o município. Entretanto, esse crescimento não 
              será convertido em melhoria da qualidade de vida da população 
              e os prováveis prejuízos superariam em muito os eventuais 
              benefícios.  Manejo 
              sustentado   Mas 
              nem tudo são espinhos no rumo das tentativas de alcançar 
              a sustentabilidade. Embora demorados e com uma implantação 
              cheia de percalços, há na região do litoral 
              sul de São Paulo projetos que atuam na área de manejo 
              sustentado de recursos naturais que têm surtido efeito em 
              longo prazo. Exemplos não faltam e, por incrível que 
              possa parecer aos pessimistas, são fruto do trabalho conjunto 
              entre órgãos governamentais, não-governamentais 
              e comunidades tradicionais. Em Cananéia, funciona uma cooperativa 
              dos produtores de ostras, a Cooperostra. Ela é resultado 
              do trabalho da comunidade do bairro Mandira e tem possibilitado 
              a extração racional e ordenada de ostras do mangue 
              Crassostrea brasiliana. No Parque Estadual da Ilha do Cardoso, 
              é cultivado o mexilhão da pedra Perna perna 
              pelas famílias de pescadores da vila do Pontal de Leste. 
              Em Iguape há tentativas de organizar uma cooperativa dos 
              pescadores da manjuba. Na Ilha Comprida são desenvolvidos 
              o Programa de Manejo Sustentado da Samambaia Silvestre e Produção 
              e Comercialização do Siri-Mole do Lagamar. Todos esses 
              projetos são fomentados pelas próprias comunidades 
              e associações de moradores, com o apoio do Instituto 
              de Pesquisas do Litoral Sul do Instituto de Pesca, órgão 
              da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São 
              Paulo, e da prefeitura de Ilha Comprida. São honrosas iniciativas, 
              mas resta saber se poderão acompanhar o ritmo das demandas 
              causadas pela degradação ambiental.
 Saneamento 
              básico e lixo   O 
              turismo já faz parte há muito tempo do cotidiano das 
              cidades do litoral sul. Na Ilha Comprida, entretanto, somente há 
              quatro anos teve início a implantação de sistemas 
              de coleta e tratamento de esgoto. Durante o verão, quando 
              a população sofre um acréscimo de 400%, é 
              desagradável o cheiro do esgoto que corre pelas ruas dos 
              loteamentos da parte norte. De acordo com a Sabesp, boa parte da 
              rede coletora já instalada não funciona porque a segunda 
              estação de tratamento do município ainda não 
              está pronta. Hoje, apenas 19% do esgoto é coletado 
              e tratado.
 Já 
              Cananéia e Iguape possuem 53% e 69% de coleta e tratamento 
              de esgoto, respectivamente. A Sabesp justifica o baixo percentual 
              com a demora na alocação de recursos para concluir 
              as obras de saneamento. Em Iguape falta coleta dos bairros mais 
              afastados do centro, Icapara e Barra do Ribeira que, durante a temporada 
              são os mais populosos. Porém, nessas cidades não 
              existe o problema do abastecimento de água como na Ilha Comprida. 
              O reservatório de água do município não 
              tem capacidade para abastecer a população flutuante 
              da temporada. A água chega às casas, mas sem pressão. 
              "Os projetos e obras não conseguem acompanhar o ritmo 
              de crescimento da cidade", justifica a Sabesp.  O lixo 
              também é questão crucial em áreas de 
              preservação ambiental. Em Cananéia, um dos 
              lixões da cidade já foi autuado por não ter 
              feito um aterro sanitário. Na Ilha, o problema é mais 
              grave. Um imenso lixão em meio à restinga, tipo de 
              vegetação teoricamente protegido pela lei, no boqueirão 
              norte, atrai urubus e pessoas que constroem moradias precárias 
              ao seu redor. Márcio Lúcio, do DEPRN, explica que 
              ali não existe lugar para fazer aterro sanitário por 
              ser uma área de proteção ambiental. "O 
              lixo tem de ir para o município mais próximo", 
              explica. A situação parece que está a ponto 
              de ser resolvida. Está quase pronto o licenciamento de uma 
              área em Iguape para ser feito o aterro sanitário do 
              lixo da Ilha. Apesar da boa notícia, esse fato evidencia 
              a morosidade do poder público em resolver questões 
              urgentes. "A denúncia do lixão ilegal da Ilha 
              eu fiz há sete anos ao Ministério Público", 
              afirma Lúcio. Somente agora acontece alguma coisa.  Repressão 
              ou educação?  Se 
              a aplicação da lei é uma realidade eventual, 
              os órgãos de fiscalização e licenciamento 
              ambiental trabalham com recursos humanos e financeiros escassos 
              e a quase totalidade das ações ligadas à melhoria 
              da qualidade ambiental dependem de vontade e iniciativa política 
              (o que pode levar décadas para acontecer). A educação 
              ambiental tem papel relevante na mudança desse quadro de 
              relações intrincadas. "O turista que vem aqui 
              e joga lixo na praia, muitas vezes não sabe o que está 
              fazendo", opina Márcio Lúcio.  O tenente 
              Ezequias, da Polícia Ambiental do Vale do Ribeira, que atua 
              em Iguape e Ilha Comprida com apenas um pelotão de 30 policias 
              e, em Cananéia, com o número ridículo de 6 
              policiais avalia: "O certo não é investir apenas 
              em repressão. O ideal é também investir em 
              prevenção".   Talvez 
              a educação também possa começar a sensibilizar 
              as pessoas e mudar a cômica realidade exposta por Paula Ansarah, 
              do Ibama: "quem retira areia das dunas na Ilha Comprida, que 
              são áreas de preservação permanente, 
              já tem um esquema para driblar as denúncias e a fiscalização. 
              Quando chegamos no lugar para autuar, as máquinas estão 
              paradas ou já foram embora". E mais: "A pesca de 
              arrasto na costa é proibida a certa distância, e fazemos 
              o controle disso por binóculo, porque não temos barco. 
              Muitas embarcações modificam os números de 
              idenficação, para que as multas não cheguem 
              às capitanias". O que é mais risível? 
              A fuga das máquinas, a troca de números, o uso de 
              barcos ou a falta de barco para atuar no mar? Tudo e todos precisam 
              da educação ambiental: turistas, população 
              local, órgãos públicos, poder legislativo, 
              ministério público, secretarias, prefeituras, promotores 
              de justiça...
 (SN) |