Editorial:

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Carlos Vogt

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Aprovação do Estatuto da Cidade
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Cristina Meneguello
"As cidades nos países subdesenvolvidos" em um mundo globalizado
Tatiana Schor
Cidades e seus fragmentos
Rogério Lima
Cidade, língua, escolae a violência dos sentidos
Cláudia Pfeiffer
A cidade como objeto de estudo
Maria Josefina Gabriel Sant'Anna
Poema:
Manual do novo peregrino
Carlos Vogt
 
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Vilas significaram distância entre patrões e operários

A história das vilas operárias no Brasil desenvolveu-se a partir da chegada das estradas de ferro e com a instalação das primeiras indústrias no País. As vilas, construídas no final do século XIX e começo do século XX, eram controladas pelos industriais, que delas eram proprietários e assim mantinham seus empregados sob custódia. A historiadora e pesquisadora Daisy Serra Ribeiro, que estudou as vilas em Campinas da década de 30, explica que o sistema de dominação presente nas primeiras vilas operárias brasileiras não se diferenciava muito do presente nas senzalas.

O papel das vilas era "tirar das vistas" o operário e segregá-lo. Havia regras morais rígidas, entre elas a proibição de bebidas alcoólicas. Na opinião da professora da Faculdade de Arquitetura da PUC-Campinas, Maria Cristina da Silva Schicchi, uma das responsáveis pela disciplina Estudos Sócio-Econômicos da Arquitetura e Urbanismo, a formação das vilas tinha segundas intenções. "Foi o primeiro tipo de segregação oficializada", comenta. Incentivados pelo governo a construir as vilas em troca de redução dos impostos os industriais não titubeavam.

Inicialmente criadas para abrigar os trabalhadores, a maioria deles imigrantes europeus empregados das redes ferroviárias, as vilas estavam sempre na periferia das cidades e foram um marco na história de São Paulo e do Rio de Janeiro. Distantes quatro quilômetros do centro, os moradores podiam se locomover a pé. Embora houvesse a pressão do patrão, que tornava o trabalhador seu dependente, dava-se ao operário, como observa Maria Cristina Sacchi, uma sensação de garantia.

Além das vilas construídas pelos patrões, as cidades do início do século também abrigavam, nas regiões de periferia, bairros populares. Estes, eram formados, em sua maioria, por casas construídas pelos próprios operários e cortiços.

Da proteção à especulação

Nos anos 30, o Estado brasileiro passou a garantir o direito de moradia aos cidadãos, o que propiciou a atuação de loteadores, que edificavam as casas e as financiavam para as famílias. Esse processo deu início a políticas do Governo Federal, marcadas pelos planos habitacionais que se tornaram famosos, como o das Companhias de Habitação (Cohab).

A entrada dos loteadores e dos especuladores no mercado imprimiu uma nova aparência às vilas. A partir da década de 30, o operário começa a se sentir dono da cidade, que passa por um processo amplo de transformação. O interesse, como realça a professora Maria Cristina Schicchi, era comprar as áreas, fazer o arruamento e esperar pela valorização. Havia controle do Estado, que fiscalizava se os loteadores cumpriam as exigências de oferecer redes de água, esgoto, e energia elétrica, em respeito à planta prevista. À medida que o setor central crescia, alcançava as vilas, que eram empurradas para a periferia, cada vez mais distantes do centro. Passou-se, então, a investir em sistemas viários, a exemplo da capital São Paulo. "O investimento em transporteacontece porque muda essa relação espaço-tempo. Aí as vilas perdem o sentido", observa a professora da PUC-Campinas.

Face oculta da segregação

As vilas operárias normalmente não eram fechadas por portões e as construções tinham de 8 a 10 metros de frente e 25 a 35 metros de fundo. Nelas eram construídas, no máximo, seis casas geminadas para quatro casas isoladas, a maioria delas térrea. Havia, em média, oito ruas nos lotes, e as famílias tinham de dois a cinco filhos. As casas tinham que seguir um desenho idêntico, fornecido pela Prefeitura. Esses modelos eram econômicos e bem-feitos, como afirma a pesquisadora Daisy Serra, que responde pela Coordenadoria Setorial do Patrimônio Cultural de Campinas.

A Vila Operária Manoel Dias, tombada pelo patrimônio histórico e localizada no bairro Vila Industrial de Campinas, é uma das que despontaram na década de 30. A Vila Póvoa e a Vila Marieta são modelos básicos de vilas operárias desse mesmo período. Caracterizada como uma minicidade, a Vila Maria Zélia, também em Campinas, até hoje é mantida com escola, comércio, área de lazer, arborização e congrega inúmeras famílias. Ao longo do tempo, vários proprietários das vilas venderam suas casas.

Memória contada por imagens

Viela da Vila Industrial, em Campinas. Foto: Amarildo Carnicel

Pesquisadores do Centro de Memória da Unicamp (CMU) iniciaram, em 1991, uma pesquisa de caráter sócio-histórico-antropológico para resgatar o passado de diversos bairros de Campinas, a começar pelo Cambuí e pela Vila Industrial. A pesquisa consistiu na análise de inventários do Corpo de Bombeiros, da Santa Casa, do Tribunal de Justiça, de levantamento da documentação histórica textual e de fotos e depoimentos obtidos em entrevistas com os velhos moradores.

A construção das estradas de ferro trouxe operários para trabalhar nas oficinas da Mogiana e da Paulista, em Campinas. Com o tempo, instalaram-se as indústrias de curtumes e de equipamentos agrícolas. Estimulados pelo trem de ferro, que servia como meio de transporte, os fazendeiros barões do café trouxeram suas famílias para a cidade e o Cambuí foi o bairro que acolheu essa elite. Antes um bairro habitado por prostitutas e negros (ex-escravos), que ocupavam cortiços e espaços desvalorizados, o Cambuí foi tomado pela burguesia, que afastou os antigos moradores para longe. Os proletários, que trabalhavam nos trilhos - mais tarde, na capital paulista, na instalação dos bondes elétricos - moravam nas vilas operárias.

A pesquisa do Centro de Memória da Unicamp revela facetas distintas do Cambuí e da Vila Industrial através do tempo. A coordenadora-geral da pesquisa e diretora do Centro de Memória da Unicamp, Olga Rodrigues de Moraes von Simpson, acrescenta que o sentido da convivência em grupo foi prejudicado: "Ambos os bairros passaram por um intenso processo de transformação e propiciaram uma perda de qualidade de vida muito grande".

Foto: Amarildo Carnicel

O pesquisador do CMU e professor do Curso de Especialização em Jornalismo Científico, promovido pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor/Unicamp), Amarildo Carnicel, fotografou a Vila Industrial e o Cambuí. Ele enfatiza que é visível a relação de pertinência que os moradores da Vila Industrial têm com o bairro, o que não ocorre entre a população do Cambuí. "No Cambuí, eu era recebido como intruso. Eu percebia claramente que as pessoas desviavam da objetiva", comenta.

A pesquisa do CMU foi encerrada em 1997 e, até 1998, fez-se exposições das imagens, primeiro entre a população da Vila Industrial e do Cambuí, para que conhecessem sua história, e depois para toda a população campineira, no Museu da Cidade. O trabalho, lembra Olga von Simson, se tornou possível graças ao financiamento do CNPq e ao Prêmio Estímulo de Cultura, concedido pela Secretaria Municipal de Cultura, que permitiu a produção de um vídeo.

(RB)

 

Atualizado em 10/03/2002

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